Amadurecer

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Amadurecer
Amadurecer
Divulgação

Por Rodolfo Medina, Filósofo e Psicanalista - rdfmdn@hotmail.com

Para nos ajudar a pensar sobre o tema, convido a Mercedes Sosa, em sua música Volver a los 17. Um convite a pensar na nossa vida, se você já tiver tempo suficiente de querer voltar aos dezessete anos de idade.

Volver a los diecisiete

Después de vivir un siglo

Es como descifrar signos

Sin ser sabio competente

Volver a ser de repente

Tan frágil como un segundo

Volver a sentir profundo

Como un niño frente a Dios

Eso es lo que siento yo

En este instante fecundo

É interessante e se faz necessário perceber, no processo de amadurecimento pessoal, o quanto as crises se fazem presentes e podem ser instrumentos importantes de evolução. Definimos crise, neste contexto, a partir da elaboração de Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo,

Refiro me a crise como um funcionamento alterado, que se mantém ao longo de um tempo; que traz confusão emocional; que traz dificuldades de raciocínio; que traz transbordamento emocional; que traz dificuldades nas relações; que pode marcar um antes e um depois na vida.

Pode ser instrumento de evolução quando se entende o chamamento que este processo lhe faz para pensar sobre a própria vida, e alterar as rotas que julgar necessário. Aprender a ver a sua própria vida de outra forma é uma possibilidade incrível de autoconhecimento e de autodesenvolvimento. 

É, também, olhar para as fraquezas, as dificuldades e os problemas, aquilo que por vezes se tentou esconder para debaixo do tapete. Levantar a poeira que estava por cima dos erros e se ver de frente com a necessidade de se transformar. 

Em O Mal-estar da Civilização, Freud explica esse processo de amadurecimento de forma simples para nossa compreensão: capacidade de distinguir o que é interior – aquilo que pertence a si, ao EU, e o que é exterior – aquilo que pertence ao mundo externo a si. Rompe-se aqui com a fase egóica em que a pessoa acredita ou sente que tudo pertence a ela, e começa-se a separar as coisas que não lhe pertencem, e fortalecer aquilo que realmente faz parte de si. 

E logo no começo deste texto, Freud nomeia como falsas as medidas de busca de poder, sucesso e riqueza, quando deixadas de lado as variedades do mundo humano e da vida psíquica. Ou seja, buscar somente as coisas externas, sem entrar em contato com aquilo que lhe é interno pode ser um caminho árduo e problemático, percebido quando do amadurecimento pessoal.

Amadurecer me parece um pouco isso. Olhar para a própria vida e julgar os seus próprios fantasmas. Olhar para fora e pensar naquilo que gostaria de fazer. Refletir sobre coisas que abandonou, mas que gostaria de ter feito. Outras que não foram significativas realmente. Reconstruir, diariamente, a lista de coisas que gostaria de conhecer, fazer, viver. Observar aquilo que se encaixa na rotina e colocar em prática. Retirar aquelas coisas que não fazem mais sentido. Limpar a sujeira. Pintar a casa. Reajustar os móveis. Tudo isso no interior.

Quantas vezes na vida você já fez isso? Quantas vezes parou para olhar para si próprio nesta profundidade? As vezes até de forma obrigatória, com o rompimento de um relacionamento, com a demissão de um cargo que almejava, com a pandemia que enfrentamos. Mas, além da imposição que a vida traz, se faz importante de forma voluntária a reflexão.

Será que fiz tudo aquilo que gostaria de ter feito antes de chegar aos 40 anos de idade? Será que teria tempo ainda para fazer outras muitas coisas mais? Quanto tempo ainda me resta? Terei tempo suficiente para mudar os rumos do meu trabalho? Ir atrás daquele sonho que tinha quando, ainda adolescente, me fazia brilhar os olhos e me sentir vivo? Posso retomar planos esquecidos? Devo retomar? Até quando terei tempo suficiente para correr atrás disso? Quanto tempo ainda me resta? E aquela casa que tanto sonhei? E as viagens? E as relações? Meus amigos? Quanto tempo ainda me resta?

A crise se apresenta, muitas vezes, como momento de refletir sobre essas questões, e a percepção de que vivemos poucas coisas daquilo que sonhamos. Somos levados a viver, as vezes sem entender o rumo, o caminho a percorrer, as nuances da vida, e até mesmo sem perceber para onde estamos indo. Foi tudo feito de forma consciente, mas as circunstâncias da vida atravessam a nossa existência de uma forma que parece não ter sido pensadas. Parece que, simplesmente, passamos pela vida.

É aqui que a música citada acima nos ajuda. Parecemos ter novamente 17 anos. Voltamos a ser frágeis ainda que sintamos na profundidade de nosso ser a transformação. Enfrentamos a percepção de não sermos tão sábios assim. Há muito o que aprender. Existe um chacoalhão que a vida dá. Parece que as paredes vão ruir, que não daremos conta, que o mundo virou do avesso e a gente não sabe mais navegar nele. Aquela ansiedade de adolescente em querer viver tudo ao mesmo tempo. Mas no caso do amadurecimento, se faz com o componente “Quanto tempo ainda me resta?” E a sensação de finitude se apresenta, dá medo, angústia, faz ter noites mal dormidas. 

Talvez o que importa, no final, é a reflexão realmente. E a prática daquilo que se encaixar neste momento da vida. É possível realizar sonhos, com responsabilidade e maturidade. É possível reviver coisas da juventude, colocando-se no lugar de quem já entende o que viveu. É possível viver os 17 com os olhos dos 40, e até mesmo tentar conversar com a sua criança interior. É possível. Não é fácil. É necessário. Não é fácil. Mas nunca estamos sós. É necessário. Crescer faz parte da vida. É necessário. Vamos? 

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui pra frente do que já vivi até agora

Tenho muito mais passado do que futuro

Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas

As primeiras ele chupou displicente,

mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,

cobiçando seus lugares, talento e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis,

para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha vida.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,

que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.

As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,

minha alma tem pressa.

Sem muitas cerejas na bacia,

quero viver ao lado de gente humana, muito humana,

que sabe rir de seus tropeços,

não se encanta com triunfos,

Não se considera eleita antes da hora,

Não foge de sua mortalidade,

Quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.

O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial.

O valioso tempo dos Maduros – Mário de Andrade