
Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Narcisista: Não me amo, não te amo, não amo ninguém
(mas preciso de você para existir)

Por Yara de Barros – psicanalista - (@yara.de barros)
A cena se repete com certa frequência, seja num encontro social ou em esbarrões nos afazeres da vida. Cumprimentamos a pessoa conhecida e perguntamos educadamente como vai a família ou algo assim. É a senha para que ela inicie uma verborragia sobre as conquistas do rebento genial. Pelos próximos e excruciantes minutos somos encarcerados na narrativa fantasística do interlocutor. Nosso tempo é sequestrado e passamos a ser elenco involuntário do teatro alheio. Na fantasia do sujeito em questão, a prole “bem sucedida” é atestado inconteste de qualificação pessoal.
Filhos como reparadores da ferida narcísica dos pais.
Em seu texto Sobre o Narcisismo: uma introdução (1914), Freud usa um termo muito divertido, “sua majestade o bebê” para se referir a filhos de pais que esperam que estes cumpram uma espécie de vingança existencial contra as vicissitudes da vida que submete o sujeito parental. Nessa revanche as regras e limitações que regem a sociedade não se aplicam aos seus bebês, que passarão pela vida livres e leves de tudo que não seja prazer e vitória. Sua majestade o bebê será o que esses pais não puderam, e realizará o que eles não conseguiram realizar.
Se tudo corre bem, a parentalidade é um exercício vivido muito antes da chegada dos filhos. Sonhos e desejos relativos ao ser em formação permeiam a família em crescimento. Mas se essas fantasias se fixam em reparações voltadas para sanar falhas na vida das figuras parentais, o bebê corre o risco de uma criação voltada para atender anseios que ele não experiencia como seus. Um fardo cruel cujo peso faz o sujeito passar a vida alienado no desejo desses pais, na maldição de tentar alcançar o que os próprios progenitores não conseguiram realizar. Ganha em troca um papel numa vida sem sentido, vazia, uma eterna busca por algo indefinido. Mesmo que alcance o “sucesso” almejado pelos pais, traz a marca de uma persistente insatisfação, a vida inautêntica, vida que não pode ser vivida.
Quando me deparo com o tipo verborrágico autoelogioso, escuto o discurso não dito, a necessidade da validação de si por meio da atenção do outro. O interlocutor refletindo o que o sujeito vê como seu melhor reflexo. Narcisismo. A narrativa autoelogiosa não enobrece o narrador, apenas mostra seu desamparo, sua sofreguidão por amor, por aquele primeiro olhar, o do amor materno, que o confirme e potencialize. Sem esse olhar primevo, há um buraco na constituição do Eu. O narcisismo patológico produz um sentimento de inadequação e exílio do mundo, um não existir em si, apenas por meio do olhar do outro.
No senso comum o conceito de narcisismo remete a uma apropriação do mito grego, um apaixonamento por si mesmo, alguém que se acha a última Coca-Cola do deserto, ou seja, que se tem em alta conta. Nada mais equivocado. Freud subverte essa ideia do narcisista encantado consigo próprio, uma vez que captou a tragicidade da situação: Narciso definhou até morrer. O narcisista não se ama, é frágil e precisa do outro o tempo todo para não definhar, uma vez que lhe falta a capacidade de manter a própria identidade. A imagem do narcisista acertadamente reconhecida no âmbito relacional é a de quem exige, monopoliza, suga, exaure e, em troca, oferece o que tem de seu: quase nada.
A escolha de permanecer no palco narcísico do outro é sempre nossa. Seja ele um parente próximo, seja ele um chefe ou um amigo, a escolha é sempre nossa. A psicanálise ajuda a procurar caminhos que possam levar para fora dessas relações adoecidas, e na direção saudável do próprio desejo. A escolha é sempre nossa.