
Nasci e cresci em São José dos Campos, mas por muito tempo o Rio Paraíba do Sul foi apenas uma linha azul no mapa, um nome em placas de estrada, algo distante do meu cotidiano. Como a maioria das pessoas da região, eu pouco sabia sobre ele. Nunca o vi como um espaço de lazer, cultura ou vida – muito menos como a fonte da água que abastece minha casa.
Essa relação mudou quando comecei a explorar o rio junto com Pedro Oliva, joseense, atleta de caiaque, recordista mundial e um verdadeiro apaixonado pelas águas e com ampla experiência por rios do mundo todo. E é por isso que nesta coluna trago uma entrevista completa com o Pedro para capturar a sua visão e opinião sobre a importância da conexão das pessoas com os rios. Afinal, hoje compreendo que não basta sabermos os aspectos técnicos da importância dos rios, precisamos verdadeiramente nos (re)conectar com eles. "Os rios não desapareceram. Nós é que nos afastamos deles. Em vez de conviver com suas águas, tratamos os rios como esgotos e esquecemos que são eles que garantem nossa sobrevivência”, ressalta Pedro.
A primeira vez que remei no Rio Paraíba do Sul e no Rio Jaguari, algo mudou dentro de mim. Vivenciei rios que ainda pulsam, que guardam belezas impressionantes e que têm um potencial enorme para o turismo, para o lazer e para a conexão das pessoas com a natureza. Navegar por suas águas é uma experiência única – a paisagem muda a cada remada, revelando peixes, pássaros, vegetação exuberante e um silêncio que nos desconecta da correria do dia a dia.
Foi por todo este contexto que aceitei com grande alegria o convite do Grupo BandVale ao Instituto Regeneração Global, organização social a qual lidero, para realizar em cooperação o Projeto Rio Vivo, iniciativa do grupo BandVale de quase 20 anos para valorização dos rios e promoção de ações para sua conservação.
Todo esse processo me fez compreender algo fundamental: se queremos regenerar nossos rios, precisamos nos reconectar com eles. Não existe conservação sem pertencimento. Quem não conhece e não se encanta com a sua beleza, não protege. "A única forma de mudar essa relação é nos reconectarmos com o rio”, afirma Pedro.
Um rio que some no meio do caminho
Pedro Oliva conhece o Rio Paraíba do Sul como poucos. Em uma de suas maiores expedições, percorreu 1.136 km do rio em um caiaque, remando por mais de dois meses para estudar sua qualidade e impacto ambiental. O que ele viu ao longo do percurso revela o paradoxo da nossa relação com a água.
"O momento mais chocante foi quando vi o rio desaparecer. Cheguei a um ponto onde toda a água era desviada para abastecer o Rio de Janeiro. De repente, um rio volumoso se transformava em um leito seco. Tive que arrastar o caiaque por um longo trecho até que afluentes voltassem a alimentá-lo", conta Pedro.
Esse episódio escancara um dos maiores paradoxos da gestão hídrica no Brasil: tratamos os rios como meros dutos de esgoto e captação. Jogamos poluentes e resíduos, mas, ao mesmo tempo, dependemos dessa mesma água para sobreviver. Como ainda não entendemos que a qualidade da água que bebemos está diretamente ligada à saúde do rio e de nós mesmos?
Por outro lado, Pedro também testemunhou a força da regeneração da natureza. "Depois de cem quilômetros passando por áreas com mata ciliar preservada, vi um rio vivo de novo. Vi peixes dourados, jacarés, lagostas e camarões. Isso prova que, quando damos espaço para a natureza respirar, ela responde rapidamente", explica.
Atualmente o Pedro não apenas desbrava os rios, mas também lidera iniciativas para aproximar as pessoas deles, como o Passeio Ecológico no Rio Paraíba do Sul, que ele realiza em parceria com o Espaço Acqua Eventos com apoio do Instituto Regeneração Global. A essência do projeto é simples: a proximidade gera pertencimento, e o pertencimento gera admiração e encantamento, que por sua vez, desperta a consciência do cuidado e da conservação.
O que nos separa do rio?
Se os rios têm esse potencial de regeneração, por que ainda vivemos de costas para eles? A resposta está na nossa estrutura urbana. Ao longo do século passado, os rios foram tratados como barreiras e não como eixos de desenvolvimento. Em vez de criar cidades integradas com suas águas, canalizamos, poluímos e construímos avenidas que os escondem.
"Se olharmos para a história, as cidades sempre nasceram às margens dos rios. Mas, em algum momento, escolhemos virar as costas para eles. A consequência disso é que hoje as pessoas mal sabem o nome do rio que abastece suas casas”, afirma Pedro, que completa: "A cidade cresceu ignorando o rio. Ele foi tratado como um problema a ser resolvido, e não como um ambiente vivo, que faz parte da nossa história e da nossa cultura".
É curioso perceber como cidades europeias ou latino-americanas que abraçaram seus rios colhem benefícios ambientais, turísticos e sociais. Enquanto isso, no Brasil, a ideia de um rio limpo e navegável ainda parece um sonho distante, apesar de sermos o país com a maior quantidade de rios navegáveis no mundo.
A cidade de frente para o rio
Se queremos reverter séculos de distanciamento e reconstruir nossa relação com os rios, precisamos criar oportunidades reais para que as pessoas estejam próximas a eles novamente. Isso passa por um planejamento urbano que integre os rios ao cotidiano das cidades, oferecendo infraestrutura adequada para acesso, áreas seguras de lazer, turismo náutico e esportivo, além da revitalização das margens fluviais.
Hoje, em muitas cidades, os rios são vistos como obstáculos, cercados por avenidas e construções que impedem a população de chegar perto. Mas, onde há acesso e incentivo à convivência, nasce o cuidado e a valorização. Quanto mais presente a população estiver no rio, maior será o seu compromisso com sua conservação.
Pedro Oliva reforça esse ponto: "Falta criar meios para que as pessoas possam contemplar os rios. Precisamos de ciclovias, parques, orlas, acessos para caiaques e áreas seguras para lazer. Quando as pessoas voltam a ocupar o rio de forma positiva, a relação com ele muda. A cidade deixa de vê-lo como um problema e passa a enxergá-lo como um espaço de vida."
O Rio Vivo começa por nossas atitudes
Compreendi que regenerar um rio não é apenas limpar suas águas e restaurar a mata ciliar — é regenerar nossa conexão com ele. Mais do que uma questão ambiental, essa é uma mudança cultural e social. É sobre resgatar o rio do esquecimento e devolvê-lo ao seu verdadeiro lugar: presente no cotidiano das cidades, das pessoas, das nossas vidas.
Mas essa transformação não começa em políticas públicas ou grandes projetos — ela começa em nós. Começa na forma como percebemos a água, como falamos sobre os rios, como ocupamos seus espaços. Cada vez que navegamos, pescamos, remamos ou simplesmente sentamos na beira de um rio, nos reconectamos com algo essencial. Esse sentimento de pertencimento é o que nos faz querer cuidar, proteger e regenerar.
O primeiro passo é simples: vá até o rio. Veja de perto sua beleza, mas também seus desafios. Observe o brilho da água ao entardecer, o voo das garças, o reflexo das árvores em suas margens. Porque só quem experimenta essa conexão entende o quanto os rios são fundamentais para nossa sobrevivência e para o equilíbrio do planeta.
"O rio é um reflexo da sociedade. O sangue que flui no seu corpo é água. Essa água vem do rio que abastece nossas cidades. Cuidar do rio é cuidar de nós mesmos”, finaliza Pedro Oliva.
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Entrevista na íntegra com Pedro Oliva: A Conexão entre as Pessoas e os Rios
Introdução e trajetória

1. Pedro, você tem uma grande trajetória como atleta e aventureiro. Como surgiu seu interesse pelos rios e pelas águas?
Minha trajetória e meu interesse pelos rios acredito que tenham nascido na minha primeira infância. No bairro onde cresci, eu brincava entre florestas e pequenos riachos, com um córrego e uma nascente, onde passávamos a tarde inteira, um grupo de crianças, brincando naquelas águas cristalinas em meio à mata. Isso já foi despertando em mim um sentimento de pertencimento e de casa.
Ao longo da vida, conforme meus pais incentivaram a prática esportiva devido à minha hiperatividade, em determinado momento conheci o rafting, que é a descida de bote em corredeiras. A primeira vez que entrei numa calha de rio para praticar esse esporte, tive a sensação de estar voltando para casa, pois era naquele ambiente que eu havia me desenvolvido na infância.
Dali em diante, foi muito natural para mim percorrer os rios e explorar. Acredito que essa base da vontade de conhecer, explorar e viajar o mundo tem muito a ver com a minha infância, onde o bairro em que cresci tinha essa dinâmica de explorar, visitar bairros vizinhos, andar nas montanhas ao redor.
Por isso, vejo a importância enorme de incentivarmos os pais a conectarem as crianças com a natureza desde muito cedo. Assim, facilitamos o processo de educação ambiental e fortalecemos essa relação de respeito com os recursos naturais que são tão importantes para a vida no planeta Terra.
2. O que te motivou a se especializar em desafios extremos, como o recorde mundial de salto de cachoeira em caiaque?
O que me motivou a me especializar em desafios extremos foi um momento que vivi aos treze anos, logo após uma aula de geografia. Pela primeira vez, vi um mapa-múndi e entendi a existência dos sete continentes, mais de duzentos países, o Polo Norte e o Polo Sul. Esse aprendizado me fez sonhar. Peguei a última folha do meu caderno e, naquele momento, pensei: "Com um mundo desse tamanho, o que estou fazendo aqui? Há tanto para explorar!"
Então, escrevi cinquenta sonhos, cinquenta objetivos que buscaria na vida. Um deles era ser o melhor do mundo em alguma coisa. Naquele momento, eu ainda não sabia em que exatamente. Mas quando encontrei o esporte, que faz parte do meu DNA, da minha essência, ele se tornou meu propósito de vida.
Minha paixão pelas cachoeiras e meu interesse em aprender sobre geologia, matemática e física para aplicar no esporte foram o que me levaram a buscar o recorde mundial. No entanto, o objetivo não era apenas alcançar uma conquista pessoal, mas sim usar essa visibilidade para conectar as pessoas aos rios e atrair atenção para as cachoeiras. Com isso, poderíamos ganhar voz no mundo para ajudar a preservar esses ambientes por meio da conscientização.
3. Como a sua relação com os rios mudou ao longo dos anos, tanto como esportista quanto como ativista ambiental?
Minha relação com os rios mudou ao longo dos anos devido às experiências que fui adquirindo ao redor do mundo. Cada cachoeira e cada país que visitei me ensinaram sobre a geologia, os tipos de rocha, o impacto das cachoeiras no ecossistema, o vapor que elas lançam na atmosfera, a umidade do ar que aumenta a oxigenação da água e auxilia na qualidade dos rios antes e depois de uma queda d’água.
Minha relação mudou muito devido à ciência. À medida que fui aprendendo por meio da experiência e da pesquisa, essa conexão foi se tornando mais íntima.
Como esportista, essa vivência proporcionou um novo olhar sobre o esporte, ajudando a desenvolver tecnologias e novas formas de se relacionar com os rios. Como ativista ambiental, essa percepção me trouxe um senso de responsabilidade ainda maior.
Um marco fundamental foi a expedição pelo Rio Paraíba do Sul. Durante esse projeto, realizamos uma pesquisa inédita, analisando a água, o ar e a sociedade ao longo de mais de 1.100 quilômetros. Entendemos melhor a relação da sociedade com o rio e o funcionamento do seu ecossistema.
Hoje, a principal mensagem que quero passar é que precisamos virar de frente para os rios, para a água — possivelmente o elemento mais importante de nossas vidas —, especialmente para o Rio Paraíba do Sul.
A Expedição no Rio Paraíba do Sul
4. Você percorreu mais de mil quilômetros pelo Rio Paraíba do Sul em caiaque. Como foi essa experiência? Quais foram os maiores desafios?
Percorremos 1.136 quilômetros ao longo do Rio Paraíba do Sul, e os desafios foram inúmeros.
Curiosamente, o maior deles foi coordenar um grupo grande de pessoas. Iniciamos o projeto com uma equipe extensa e terminamos com apenas sete pessoas, que trabalharam de forma muito mais eficiente. Isso mostra que as relações humanas ainda são o maior desafio que enfrentamos — o ego, a vaidade e os interesses individuais podem ser obstáculos até em um projeto de pesquisa e esporte.
Em relação à natureza, foi um projeto que uniu esporte e ciência, e a ciência era o pilar central. Transportar todos os equipamentos de pesquisa foi um grande desafio. A sonda que utilizávamos para medir a qualidade da água era pesada e ficava submersa o tempo todo, exigindo paradas frequentes para manutenção.
Além disso, por ser um trajeto longo, passamos por trechos que nos impuseram riscos, não pelo rio em si, mas por questões de segurança relacionadas a disputas de território e conflitos locais.
Por outro lado, o aprendizado foi imenso. Essa expedição foi como uma universidade condensada em sessenta dias. O contato com pesquisadores e a manipulação dos equipamentos proporcionaram um conhecimento profundo sobre o rio e seu ecossistema.
Um momento muito especial foi quando dormi sem saber no exato local onde foi encontrada a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Interrompemos o cronograma para aproveitar esse momento de fé e conexão. Independente da religião, aquele local tem uma energia e um simbolismo muito fortes.
5. O que mais te surpreendeu ao longo do percurso? Alguma cena, situação ou encontro que marcou essa jornada?
O que mais me surpreendeu foi um ponto onde o Rio de Janeiro capta a água do Paraíba do Sul para abastecer cerca de 80% da cidade.
Além do abastecimento, essa água também é utilizada para diluir esgoto antes de ser lançado no mar. É um paradoxo: usamos água limpa do rio para diluir esgoto.
Ao chegar nesse ponto, vi um rio volumoso que, de repente, desaparecia. O fluxo de água era desviado, e precisei caminhar e arrastar o caiaque por uma longa distância até que afluentes voltassem a alimentar o rio e ele recuperasse sua força.
Essa foi uma das cenas mais chocantes e marcantes da jornada, pois mostrou de forma explícita o impacto da ação humana sobre os rios.
6. Quais foram os principais problemas ambientais que você identificou ao longo do rio? Você viu sinais de recuperação em algumas áreas?
Os principais problemas ambientais que identificamos foram os pontos de poluição industrial. Quando o rio recebe poluição química, o impacto é devastador. Ele simplesmente morre, fica sem vida.
Por outro lado, vi muitos sinais de recuperação. Um dos mais marcantes foi após passar por Volta Redonda, onde o cenário era catastrófico devido à poluição industrial e urbana. Inicialmente, imaginei que encontraria um rio morto ao final do percurso.
Porém, cerca de cem quilômetros depois, ao longo de um trecho sem grandes cidades e com a presença da mata ciliar, o rio começou a se regenerar.
Na foz, tive uma surpresa incrível: encontrei peixes dourados, jacarés, lagostas e camarões, algo que jamais imaginaria depois de ter visto o rio em condições tão críticas. Isso mostrou o imenso poder de regeneração da natureza, desde que não ultrapassemos certos limites.
Conscientização e Conexão das Pessoas com os Rios
7. No Brasil, ainda temos uma cultura de virar as costas para os rios, ao invés de integrá-los à vida das cidades. Como você enxerga essa desconexão?
Essa cultura não acontece apenas no Brasil, mas em muitos países do mundo. Um dos fatores que contribuíram para isso foi a forma como estruturamos nossas cidades desde a criação da privada. Quando a tubulação passou a sair dos fundos das casas, o esgoto foi direcionado para os rios. Isso criou uma associação cultural equivocada de que o rio é um lugar onde se joga resíduos, lixo e que ele simplesmente "desaparece" com tudo isso.
No passado, quando os vilarejos eram pequenos, os rios ainda conseguiam absorver os resíduos domésticos. Mas hoje, com o crescimento das cidades e a presença de indústrias, além do lixo urbano, essa dinâmica se tornou insustentável. Poluentes como óleo, microplásticos e até medicamentos que eliminamos pela urina acabam indo parar nos rios, e os sistemas de tratamento não conseguem filtrar tudo.
Existe um ditado que diz: "O rio é o espelho da sociedade." Precisamos virar de frente para os rios e entender que um rio limpo reflete uma sociedade mais consciente e organizada. Isso tem impacto direto na saúde pública: menos pessoas doentes, aumento da reciclagem, ruas mais limpas e um ambiente mais saudável.
Portanto, virar as cidades de frente para os rios não significa apenas limpar suas águas. Isso simboliza uma mudança cultural profunda, que traz benefícios ambientais, sociais e econômicos para toda a sociedade.
8. Quais são os impactos dessa falta de proximidade? Como isso afeta a conservação dos rios e o senso de pertencimento da população?
Os impactos dessa desconexão são enormes. Estimamos que menos de 3% da população sabe onde fica o Rio Paraíba do Sul. Muitas pessoas têm medo ou nojo do rio, mas ao mesmo tempo bebem sua água.
Isso nos leva a um paradoxo: despejamos lixo e esgoto no mesmo lugar de onde captamos água para beber. É uma contradição impressionante e um reflexo da nossa desconexão com os ciclos naturais.
Agora, estamos em um processo de evolução e regeneração. Nos últimos 20 anos, a qualidade da água do Rio Paraíba do Sul melhorou significativamente, tornando possível a navegação. Aproximar a sociedade do rio é fundamental para consolidar essa recuperação.
A melhor forma de conscientizar é envolver as crianças. Mostrando para elas onde nasce o rio, onde ele deságua e como ele abastece nossas casas, podemos criar um senso de pertencimento. Atividades como turismo ecológico, escolas flutuantes e esportes aquáticos são ferramentas poderosas para fortalecer essa conexão e garantir a preservação do rio.
9. Você acredita que, ao vivenciar o rio – seja navegando, nadando ou pescando – as pessoas passam a cuidar mais dele?
Sem dúvida! A melhor forma de conscientizar a sociedade é permitir que ela vivencie o rio. A UNESP realizou uma pesquisa usando cartografia social e identificou que, quando levamos uma criança para remar no Rio Paraíba e explicamos que aquela água sai na torneira da casa dela, sua relação com o recurso muda para sempre.
Depois dessa experiência, ao abrir a torneira, tomar banho ou dar descarga, essa criança associa a água ao rio e entende o impacto das suas ações. Ela percebe que o lixo jogado na rua, por exemplo, pode acabar no rio.
Esse despertar de consciência é um grande passo para a preservação. E não é apenas uma observação empírica, mas um dado científico comprovado. A vivência com o rio é uma ferramenta poderosa de educação ambiental e transformação social.
O Projeto de Passeios Ecológicos no Rio Paraíba do Sul
10. Você desenvolve um projeto que leva pessoas para navegar pelo Rio Paraíba do Sul. Como surgiu essa ideia e qual tem sido o impacto dessa iniciativa?
Esse projeto surgiu a partir da ciência. Em 2015, durante o projeto Cachoeiras, a UNESP realizou uma cartografia social e concluiu que o rio só se tornará mais limpo quando a sociedade se apoderar dele. E como isso acontece? Através da vivência direta com o rio.
Por isso, criamos esse projeto para levar as pessoas a remarem no Rio Paraíba do Sul e conhecerem sua importância. Quando mostramos para uma criança que a água da sua casa vem do rio, essa vivência transforma sua percepção.
Ao entender que toda a sujeira da cidade acaba indo parar no rio, ela começa a economizar água, a refletir sobre o consumo e a se tornar um agente de mudança.
Nosso objetivo com esse projeto é expandir a consciência da sociedade, utilizando o turismo esportivo e a educação ambiental como ferramentas para essa transformação. O rio está presente em nossas casas, em nosso corpo (70% do nosso organismo é água), e precisamos nos reconectar com ele.
11. Como é a experiência de quem participa desses passeios? O que as pessoas costumam relatar após essa vivência no rio?
As pessoas entram no passeio esperando uma experiência simples, mas acabam tendo um aprendizado muito maior do que imaginavam.
Mesmo em um trecho curto, de apenas 1,8 km, elas compreendem o ciclo da água: como ela é captada, tratada e devolvida ao rio. Entendem a importância da mata ciliar, que alimenta os peixes e mantém o equilíbrio do ecossistema. Aprendem sobre as cachoeiras e seu papel na oxigenação da água e na umidificação do ar.
Muitos comparam essa experiência a um astronauta vendo a Terra do espaço – você sai da sua rotina e passa a enxergar o mundo de uma nova perspectiva.
O impacto é extremamente positivo. As pessoas ficam encantadas não só pelo lazer e pela contemplação, mas pela avalanche de informações que recebem. E as crianças, especialmente, são fundamentais para a mudança geracional.
12. Você percebe uma mudança de mentalidade nas pessoas que têm contato direto com o rio? Algum depoimento ou caso que te emocionou?
Sim, a mudança é enorme. As pessoas passam a enxergar sua relação com a água de forma completamente diferente.
Essa transformação não acontece por imposição, lei ou fiscalização, mas por conscientização genuína. O rio nos une – ele não tem partido, lado ou bandeira. Ele abastece todas as cidades pelo caminho.
Recebemos inúmeros relatos emocionantes. Muitas pessoas que participam dos passeios começam a perceber que a água não é infinita, que ela faz parte da nossa vida e que o cuidado com os rios está diretamente ligado à nossa saúde.
As crianças são as que mais se transformam. Elas voltam para casa com uma nova visão sobre o mundo e compartilham esse conhecimento com seus pais.
Reflexões sobre a Relação da Sociedade com os Rios
13. Há um paradoxo na relação da sociedade com os rios: despejamos esgoto e resíduos neles, mas ao mesmo tempo dependemos da água para sobreviver. Como podemos quebrar esse ciclo e construir uma nova cultura de respeito e regeneração dos rios?
Esse é o maior paradoxo da nossa sociedade. Jogamos esgoto no mesmo local de onde captamos água para beber.
Isso começou com a invenção da privada. No passado, despejar os dejetos diretamente no rio era um símbolo de nobreza, pois significava que a água potável estava disponível para transportar os resíduos.
Hoje, esse modelo se tornou insustentável. Mas já existem tecnologias acessíveis que permitem um melhor tratamento dos dejetos antes de chegarem aos rios. A conscientização da sociedade é fundamental para mudar esse cenário.
14. O que falta para que a sociedade veja os rios como espaços de lazer, cultura e vida, ao invés de apenas corpos d’água que cruzam as cidades?
O que falta para que a sociedade veja os rios como espaços de lazer, cultura e vida é criar meios para que as pessoas possam se aproximar dos rios e contemplá-los.
Precisamos desenvolver áreas onde a sociedade possa estar próxima do rio de forma segura, permitindo atividades de lazer. Isso inclui:
- Acessos adequados para caiaques, pranchas e embarcações
- Criação de áreas de lazer próximas ao rio
- Construção de ciclovias, parques e orlas
- Implementação de escolas flutuantes e espaços educativos
- Fortalecimento do turismo náutico e esportivo
Essas iniciativas são fundamentais para que a população possa enxergar o rio de uma maneira diferente, passando a valorizá-lo como um local de interação e conexão com a natureza.
15. Quais são os próximos projetos que você pretende desenvolver para seguir fortalecendo essa conexão entre as pessoas e os rios?
O foco agora não é criar novos projetos, mas expandir e fortalecer os que já estamos desenvolvendo.
Uma das principais questões que ainda precisamos avançar é envolver o empresariado, a sociedade e o poder público. O Rio Paraíba do Sul não tem partido, cor ou bandeira — ele pertence a todos, nos conecta e nos une.
Precisamos que os empresários compreendam que investir no rio trará valorização imobiliária, crescimento econômico e geração de oportunidades para a cidade. Isso tornaria o Vale do Paraíba uma referência no Brasil, atraindo investimentos e empresas para fortalecer esse movimento.
Nosso objetivo é ocupar o rio com práticas esportivas, turismo e atividades comerciais sustentáveis, revertendo a lógica histórica de abandono e virando a cidade de frente para o rio.
16. Se pudesse deixar uma mensagem para aqueles que nunca tiveram contato com um rio, o que diria para incentivá-los a se aproximarem e valorizarem esse ecossistema?
Se eu pudesse deixar uma mensagem para quem nunca teve contato com um rio, eu diria o seguinte:
O seu corpo é composto por água. O sangue que flui em suas veias é, em grande parte, água que vem dos rios que abastecem nossas cidades.
Conhecer o rio, entender o ciclo da água — de onde ela vem, por onde passa e para onde retorna — é fundamental para a nossa saúde e, principalmente, para a saúde das futuras gerações.
Vivenciar o rio é investir em si mesmo, é cuidar daquilo que nos mantém vivos. Estar presente no rio, contemplá-lo, é um ato de expansão da consciência. Isso melhora a nossa saúde, a nossa relação com o mundo e nos torna uma sociedade mais inteligente e conectada com a natureza.
17. Como as pessoas podem apoiar seu trabalho e se engajar na proteção dos rios?
As pessoas podem apoiar nosso trabalho participando dos passeios e buscando estar mais próximas do rio.
Hoje, em São José dos Campos, temos um ponto de referência no Alto de Santana, com uma orla, praça e ciclovia que permitem a contemplação do Rio Paraíba do Sul. Sempre que houver eventos ou atividades no rio — como canoagem, caminhadas ecológicas, passeios náuticos ou pesca sustentável —, a participação da comunidade será essencial para fortalecer esse movimento.
Mas é muito importante ressaltar: o contato com o rio deve ser feito de forma segura e responsável.
O rio já é hostilizado demais e, infelizmente, o ser humano tem uma atração pela tragédia. Se ocorrer um acidente, isso pode prejudicar anos de trabalho e reforçar o estigma de que o rio é um lugar perigoso.
Por isso, ao fazer qualquer atividade no rio, é fundamental:
- Usar colete salva-vidas e equipamentos adequados
- Utilizar caiaques e embarcações apropriadas
- Ter habilitação náutica para navegar embarcações a motor
- Não improvisar com equipamentos inseguros ou em más condições
A melhor maneira de apoiar o projeto é estar presente no rio, mas sempre com respeito e segurança. Dessa forma, podemos usufruir desse paraíso natural que temos no Vale do Paraíba, garantindo que ele seja valorizado e preservado para as próximas gerações.
Veja outras matérias da coluna SUSTENTABILIDADE E REGENERAÇÃO no link: https://www.band.uol.com.br/band-vale/colunistas/sustentabilidade-regeneracao