
As empresas continuam sendo, em grande parte, responsáveis por impactos significativos nos âmbitos social e ambiental. A degradação de ecossistemas, o consumo excessivo de recursos naturais e o aprofundamento de desigualdades ainda são, muitas vezes, consequências diretas de práticas empresariais desconectadas do bem comum. No entanto, esse mesmo setor também concentra um enorme potencial de transformação positiva.
Cada vez mais, cresce a percepção de que as empresas podem — e devem — ser agentes ativos na construção de uma sociedade mais justa, sustentável e resiliente. E isso tem se refletido em práticas concretas, sobretudo por meio da responsabilidade social corporativa (RSC), que se consolida como um pilar estratégico essencial para organizações que desejam gerar impacto positivo e, ao mesmo tempo, garantir sua relevância no longo prazo.
E os números comprovam essa tendência. Um estudo publicado na Revista Universo Contábil revelou que as percepções dos funcionários sobre práticas de RSC influenciam positivamente seu engajamento, especialmente quando há identificação com os valores da organização. Além disso, de acordo com a pesquisa “Responsabilidade Social Corporativa na América Latina em 2024”, realizada pela Sherlock Communications, 90% dos brasileiros afirmam que ações de responsabilidade social e ambiental influenciam diretamente sua opinião sobre empresas que operam no país. O estudo também revela que 77% dos consumidores brasileiros se sentem fortemennte influenciados a comprar de empresas consideradas socialmente responsáveis, indicando uma transformação profunda no comportamento do mercado.
No Brasil, alguns cases se tornaram referência. A Natura vem há anos incorporando comunidades amazônicas à sua cadeia de valor, com geração de renda e valorização da sociobiodiversidade. A MRV Engenharia, por meio do Instituto MRV, já impactou mais de 80 mil pessoas com programas educacionais. O Grupo Boticário alia conservação ambiental com inclusão social, demonstrando que é possível gerar valor econômico e impacto positivo ao mesmo tempo.
E aqui, na nossa própria região, temos um exemplo concreto desse movimento. A Globo Usinagem, localizada entre as cidades de Jambeiro e Paraibuna, criou o projeto Usina de Talentos, que capacita jovens da comunidade para atuar na indústria aeroespacial, um dos setores mais estratégicos e promissores do Brasil.
“A iniciativa surgiu da necessidade de mão de obra qualificada e da vontade de contribuir com o desenvolvimento da comunidade em que atuamos”, explica Mauro Ferreira, diretor e fundador da empresa. Com apoio do SENAI, a Globo Usinagem estruturou dois cursos profissionalizantes — Montagem Mecânica e Torno CNC — com mais de 600 horas de formação. As aulas acontecem no período noturno e, ao final, os jovens recebem certificação reconhecida nacionalmente.
A primeira turma já conta com 32 alunos, muitos dos quais estão buscando a primeira oportunidade de capacitação. “Durante as entrevistas, vimos o brilho no olhar e a gratidão dos participantes. Esse retorno humano, essa conexão com a realidade da comunidade, é algo que nos tocou profundamente”, comenta Mauro.
O programa também está alinhado aos compromissos ambientais e de governança da empresa. A Globo Usinagem possui um Comitê de Cultura ASG e já implementa diversas práticas sustentáveis, como uso de energia renovável, coleta seletiva, tratamento de resíduos e arborização.
Mesmo enfrentando desafios — como a falta de adesão de outros parceiros da cadeia industrial — a empresa decidiu seguir adiante com recursos próprios, patrocinando integralmente os custos do programa. “Acreditamos que esse modelo pode inspirar outras empresas a fazer o mesmo. Queremos ser um exemplo, e não apenas dentro do nosso setor”, afirma o diretor.
Cada vez mais, as novas gerações têm cobrado das marcas uma atuação coerente com valores éticos, sociais e ambientais. A tendência é que iniciativas como essa deixem de ser exceção e passem a ser norma. A responsabilidade social, mais do que uma estratégia de reputação, torna-se um pilar essencial de perenidade e legitimidade empresarial.
Afinal, empresas que integram a responsabilidade social ao seu propósito não apenas fortalecem sua presença no mercado, mas também reafirmam seu papel como parte ativa da sociedade. Elas deixam de ser apenas estruturas jurídicas ou marcas comerciais para se tornarem organizações vivas, conectadas com as necessidades do seu entorno e comprometidas com o desenvolvimento das pessoas. Esse é o caminho para garantir relevância, longevidade e verdadeiro impacto no mundo que queremos construir.
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ENTREVISTA COMPLETA COM MAURO FERREIRA - DIRETOR FUNDADOR DA GLOBO USINAGEM
1. História e Propósito
Como surgiu a iniciativa de capacitação de jovens para o mercado de trabalho na Globo Usinagem? Qual foi a motivação por trás desse projeto?
Observando a alta demanda de serviço aeroespacial e a escassez de mão de obra qualificada, Globo Usinagem começou a patrocinar a entrada desses jovens no mercado de trabalho, essa ação foi tomada também com intuito de promover a retenção de talentos internos e a responsabilidade social junto a comunidade em que atuamos.
Queremos desenvolver nas pessoas a cultura aeroespacial, pois temos a 3ª maior empresa fabricante de aviões do mundo, em nossa região. Essa iniciativa beneficiará não somente a Globo Usinagem, mas toda a cadeia de fornecedores aeroespacial da região.
2. Desenvolvimento do Programa
Quais são as principais etapas do programa de capacitação? Como ele funciona na prática e qual o perfil dos jovens participantes?
- Criação do projeto Usina de Talentos
- Destinação de uma verba para desenvolvimento do projeto
- Elaboração dos cursos aeroespaciais junto a escola SENAI
- Edital de seleção de participantes
- Entrevistas com os inscritos
- Divulgação dos alunos selecionados
São dois cursos Mont. Mec com 360 horas de 2ª a 5ª das 18h às 22h
Torno CNC com 240 horas de 2ª a 4ª das 18h às 22h
Com certificados SENAI ao final dos módulos realizados.
Perfil dos jovens da comunidade, acima dos 18 anos, moradores das cidades de Jambeiro e Paraibuna, que estão próximos a Globo Usinagem, e que buscam uma oportunidade, em muito casos, a primeira, de um curso profissionalizante.
3. Impacto e Resultados
Desde o início do projeto, quais foram os principais impactos observados? Quantos jovens já passaram pelo programa e qual foi a taxa de empregabilidade após a formação?
Um dos impactos foi o grande número de inscrições de candidatos interessados nos cursos
Durante as entrevistas, foi percebido o brilho no olhar e a gratidão dos candidatos pela oportunidade oferecida pela Globo Usinagem.
A repercussão positiva da iniciativa perante a comunidade e instituições voltadas a cultura aeroespacial.
São 32 jovens participando desta primeira turma, onde alguns buscam alavancar carreira onde já trabalham e outros ingressar no mercado aeroespacial.
Com o aquecimento do setor aeroespacial estimamos uma boa taxa de empregabilidade após formação dos alunos.
4. Envolvimento com a Comunidade Local
A empresa tem um papel ativo na contratação de profissionais da comunidade local. Como funciona essa estratégia de inclusão e quais são os benefícios percebidos?
Temos a responsabilidade social de desenvolvermos profissionais da comunidade local, para isso, desenvolvemos internamente nossos colaboradores e agora assumimos o compromisso de estender esse treinamento em parceria com escolas profissionalizantes.
5. Desafios e Aprendizados
Quais foram os principais desafios enfrentados ao longo do desenvolvimento dessas iniciativas? Houve alguma lição aprendida que mudou a forma como a empresa conduz esses projetos?
Fizemos uma carta convite a cadeia de fornecedores que estamos inseridos, para realizarmos de forma coletiva esse projeto, porém não tivemos adesão. Como acreditamos nessa proposta, a diretoria decidiu patrocinar integralmente.
Outro ponto relevante foi a formatação do curso, que exigiu dedicação de nossos especialistas, juntamente com professores do SENAI, que dedicaram tempo em várias reuniões preparatórias.
Entendemos que a comunicação pode ser melhorada nos próximos projetos, para ampliar as adesões tanto de parceiros quanto candidatos.
6. Sustentabilidade e Regeneração
Além da responsabilidade social, a Globo Usinagem adota práticas sustentáveis e regenerativas. Quais são as principais ações ambientais da empresa?
Ao longo dos anos fomos incorporando ações que envolvem nosso compromisso ambiental, dentre elas, coleta seletiva, destinação responsável de resíduos, estação de tratamento biológica e industrial, energia renovável e arborização.
7. Conexão entre Educação e Sustentabilidade
Existe uma intersecção entre a capacitação de jovens e a agenda ESG da empresa? Como os valores de sustentabilidade são incorporados na formação dos profissionais?
Desenvolvemos em 2024 um comitê de Cultura ASG na empresa, para atuar com os três pilares em comunhão e integração. Tínhamos várias ações sendo realizadas, mas não correlacionadas diretamente ao programa ASG. Munidos deste conhecimento, aprimoramos nossas ações e incorporamos o tema em nosso Planejamento estratégico, para enraizar cada vez mais este conceito e ações efetivas.
8. Parcerias e Colaborações
A empresa desenvolve essas iniciativas de forma independente ou há parcerias com instituições, escolas técnicas ou organizações do setor aeroespacial?
As despesas financeiras do curso são integralmente patrocinadas pela Globo Usinagem, o SENAI está a frente do desenvolvimento acadêmico e a prefeitura de Jambeiro disponibilizou transporte aos alunos da cidade.
9. Planos Futuros
Quais são os próximos passos da Globo Usinagem nessa jornada de impacto social e sustentabilidade? Há novos projetos em desenvolvimento?
Querermos incentivar que outras empresas promovam ações similares a nossa.
E acreditamos que poderemos com o resultado desse projeto, promover novas turmas e cursos futuramente.
Como compromisso, vamos disseminar cada vez mais a cultura ASG internamente.
10. Credibilidade e Impacto da Sustentabilidade Empresarial
Muitas empresas ainda enfrentam ceticismo quando se trata de ESG e sustentabilidade, com críticas de que essas práticas seriam apenas estratégias de marketing ou "greenwashing". No entanto, o caso da Globo Usinagem prova que iniciativas bem estruturadas geram impacto real e positivo. Na sua visão, qual é o papel da sustentabilidade para o futuro dos negócios? Como convencer empresas e empresários de que adotar práticas sustentáveis não é um custo, mas um investimento estratégico?
Muitas ações sustentáveis também promovem redução de custos que beneficiam o negócio.
Ter profissionais qualificados permite maior produtividade, mais organização na empresa, facilidade de implantação de novos projetos, maior engajamento na cultura lean e ASG, criando um ambiente propício para alta performance.
Veja outras matérias da coluna SUSTENTABILIDADE E REGENERAÇÃO no link: https://www.band.uol.com.br/band-vale/colunistas/sustentabilidade-regeneracao