Jogos narrativos são obras singulares para mim. Não é meu gênero preferido, mas aquelas que conseguem me cativar fazem morada no meu coração. E foi isso que Road 96, jogo desenvolvido pela DigixArt e publicado pela Koch Media, fez comigo: me capturou e se tornou um dos melhores jogos que pude experimentar em 2021.
Narrativo sim! Mas muito mais que isso também!
Road 96 te leva por uma jornada complexa através da vida de pessoas, decisões que elas tomaram e o futuro de um país fictício. Mas irei falar sobre isso só mais pra frente. Porque antes de Yoan Fanise (idealizador e diretor de Road 96) saber que história queria contar, ele se preocupou em como ia contar essa história. E aqui não me refiro a narrativa, que é o foco do gênero, mas nas possibilidades que podiam advir das mecânicas que ele queria implementar na gameplay.
Foram dois anos desenvolvendo um sistema único e próprio para o jogo. A importância disso para o que se tornaria Road 96 é gigante, porque jogos narrativos costumam ter poucos desdobramentos e, embora a história contada seja sempre o foco, muitas vezes temos apenas o olhar do nosso personagem ali. Acompanhamos histórias que se desenrolam e acabamos na posição de espectador ao invés de agente ativo nos acontecimentos. Mas o sistema criado pela DigixArt e utilizado em Road 96 subverte isso e nos coloca como um curinga num jogo de cartas. Através de diálogos e ações tomadas, nossa jornada vai se transformando e a cada “mão jogada” você descobre mais sobre o Patria e seu povo.
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O sistema não parece tão intrincado ao se jogar porque as escolhas e a história progridem de forma orgânica. Acredito que esse é o maior mérito desse sistema, porque ele se integra à narrativa de modo a valorizar a aventura que estamos vivendo, nos conduzindo a escolhas que não eram óbvias para nós quando iniciamos o jogo. Yoan Fanise fala mais sobre esse sistema rico e procedural em sua entrevista a Jesús Fabre, no Gamasutra.
A história de uma nação é a vida de seu povo
Petria vive uma situação de conflito. De um lado temos um governo autoritário, que não respeita seu povo, prende sua juventude e controla a mídia. Do outro, temos o povo, alguns ainda apoiando o governo para conservar seus “valores patriotas” e os demais o combatendo através da revolução. Para muitos de nós o que ocorre com Petria, uma nação fictícia criada para ser o pano de fundo de Road 96, deve soar familiar. Nossa história é repleta de casos assim. O próprio Fanise declarou que se inspirou em histórias reais de cidadãos norte-coreanos e de amigos que tinham famílias separadas pela Cortina de Ferro.
Road 96 tem a emigração de jovens como ponto de partida para as jornadas que iremos vivenciar no game. O êxodo da juventude se dá por não ter perspectiva alguma de futuro no país e se encontra dividida, entre fazer parte da revolução, sair do país ou apoiar o governo.
Durante nossa jogatina iremos caminhar pela estrada como adolescentes fugindo de casa em direção a fronteira. Mas nossa história não é importante e sim a dos personagens que nós encontramos durante nossa caminhada.
A princípio, quando chegamos pela primeira vez na fronteira (ou seja lá qual for a resolução da sua primeira run), pode-se achar que o jogo te apresentou tudo o que tinha. Mas ao dar continuidade e jogar o segundo capítulo, com um novo adolescente, você começa a enriquecer a história, se aprofundar na vida dos personagens e vê que uma mesma realidade pode ter prismas muito diferentes.
E prisma talvez seja a palavra mais indicada para descrever o quão colorida e viva é a narrativa de Road 96. As escolhas e os diálogos que você tem com os personagens são muito ricos e você se apega a eles. A cada decisão tomada você tem um desdobramento diferente - e acaba se lamentando por não ver o que poderia acontecer caso escolhesse a outra opção.
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Mas acredito que o ponto alto desse jogo seja justamente a relação que cada um dos adolescentes - ou seja, você - cria com os personagens. A cada run, a cada jovem que caminha pela estrada, você conhece mais sobre a real história de Petria, essa nação que a princípio parecia estar desmoronando, mas que ainda tem muito a revelar. A Petria de verdade é o seu povo; a vida de cada um deles complementa a dos demais e mostra que não pode haver uma visão simplória acerca do próximo.
E lhes digo que depois de fechar pela primeira vez você vai querer jogar de novo e tomar decisões diferentes para ver os desdobramentos de novas decisões.Mergulhe tranquilamente para mais horas de jogatina, só com a desculpa de querer ouvir mais da trilha sonora do jogo, que é um show à parte. Yoan Fanise trabalhou na Ubisoft durante um bom tempo, onde dirigiu jogos como Valiant Hearts: The Great War e cuidou do design de som de Beyond Good & Evil. Essa experiência agregou muito as suas criações no estúdio DigixArt. E Road 96 traz no seu DNA canções primorosas, que agora fazem parte da minha playlist e aposto que farão da sua também.
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Falar demais sobre um jogo narrativo pode entregar as melhores partes dele. Apesar de ser procedural e gerar histórias únicas para os jogadores, é melhor eu deixar vocês descobrirem mais sobre os conflitos de Petria por si. E apreciar a viagem ao lado de cada um dos incríveis personagens que o jogo apresenta. Vale ressaltar também que Road 96 está localizado para português brasileiro.
Road 96 está disponível para PC, via Steam, GOG, Epic Games Store e Nintendo Switch. Além da versão normal, na Steam você encontra o pacote Hitchhiker, que traz a trilha sonora com 9 artistas e um eBook original do jogo, contendo as principais histórias de 10 anos antes dos eventos que acontecem no jogo.