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Inscryption, o carteado do horror

Novo jogo da Devolver Digital integra elementos de terror com card game

Eddy Venino - Equipe BANDx

Inscryption, o carteado do horror
Inscryption, o carteado do horror
Devolver Digital/Divulgação

Inscryption é um pesadelo. Não me entenda mal, porque esta não é uma crítica ruim ao jogo. Desenvolvido por Daniel Mullins (Pony Island, The Hex) e publicado pela Devolver Digital, este roguelike card game macabro faz do jogador refém em um jogo sádico comandado por um louco numa cabana sombria e repleta de segredos.

Filmes de terror do subgênero “cabana” ou até Jogos Mortais podem vir a cabeça quando iniciamos a jogatina. Mas ao progredir no jogo, nos sentimos numa mesa de RPG, onde só há o narrador e um jogador: você. Este narrador, um ser soturno, escondido na escuridão, te explica as regras e as muda conforme você avança por um tabuleiro controlado por ele. O jogo combina cartas com representações de animais, peças de tabuleiro - que parecem mais saídas de rituais profanos - e uma pequena dose de exploração pela cabana onde o game transcorre. Você está preso nela, mas existem vários enigmas a serem desvendados que podem te auxiliar a vencer neste louco jogo de cartas.

Embora eu geralmente curta os jogos publicados pela Devolver Digital, não estava esperando muita coisa de Inscryption. Card game não é meu gênero favorito há muito tempo, mas a tensão e aspectos de horror deste jogo me capturaram logo de início. Misery, livro de Stephen King, veio à minha mente nos primeiros minutos de jogatina. Mas no lugar do escritor sequestrado pela fã maníaca, temos um ser que nos prende para jogar cartinhas.

Envolvido pelas artimanhas desse narrador e tentando sair dali vivo, você acaba aceitando as regras insanas impostas por ele e embarcando na história tenebrosa que ele narra ao longo do jogo. Talvez por delírios devido a situação ou por algum artifício mágico, as cartas conversam com você e te guiam para tentar vencer o aterrador narrador.

Sacrifícios são feitos durante a jornada, seja através de sangue ou ossos dos pobres animais selvagens representados nas cartas. E, embora muitas regras mudem a cada novo passo, o jogo é intuitivo e seu algoz é justo e reconhece quando perde.

Quase que como numa síndrome de estocolmo, ficamos mais interessados no desenrolar das histórias de nosso sequestrador, do que de fato fugir. Os mistérios que a sombria cabana guarda e nosso progresso a cada avanço num tabuleiro cheio de surpresas mantém o jogo interessante durante toda a jogatina.

O entretenimento de horror/terror, sejam filmes, séries, animações, livros ou games, quando utilizados corretamente, são instrumentos para críticas sociais. E hoje, estamos vivendo um renascimento de grandes obras do gênero. Elas te mostram situações pavorosas, muitas vezes inimagináveis, do que o ser humano é capaz para alcançar seus objetivos. Algumas utilizam artifícios fantásticos, como monstros cósmicos ou magia; outras reproduzem fatos baseados na realidade, como a recente onda de obras baseadas em true crime.

Round 6, um dos maiores sucessos da história da Netflix, critica de forma clara como a burguesia enxerga as classes mais baixas e como o capitalismo é predatório e cruel.

Seja por motivos mórbidos ou pela reflexão, essas obras nos prendem e colaboram para a evolução dessas discussões dentro do entretenimento. E, embora Inscryption não traga um peso tão grande dentro do panteão de games de horror, deve ser considerada uma obra singular, que vai além de uma gameplay fluída e hipnótica; ele mostra que apesar de nossas escolhas, há momentos em nossas vidas que somos sequestrados por nossa rotina e passamos a jogar em tabuleiros de outras pessoas, segundo as regras delas e derramamos nosso sangue para conseguir atravessar esses desafios. E então, no jogo da sua vida, é você que está dando as cartas?

Inscryption está disponível para PC via Steam.

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