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Brasil não vai reduzir produção agropecuária para combater aquecimento

Tuíte de deputado engana ao afirmar que o governo concordou em assinar documento que compromete o Brasil a cortar produção agropecuária

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Brasil não vai reduzir produção agropecuária para combater aquecimento
Conteúdo foi publicado no Twitter
Foto: Agência Brasil

Conteúdo investigado: Tuíte em que o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) afirma: “Representantes do governo Lula concordaram em assinar um documento que compromete o país a cortar sua produção agropecuária nos próximos anos”. No post, há link para um texto intitulado “Globalistas convencem Brasil a reduzir produção de carne para combater aquecimento”.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso tuíte que afirma que “representantes do governo Lula concordaram em assinar um documento que compromete o país a cortar sua produção agropecuária nos próximos anos”. A postagem no Twitter também compartilha o link para uma publicação que cita um termo de compromisso assinado pelo Brasil e outros 12 países. A nota faz referência a um outro site, da ONG The Global Methane Hub, onde o leitor pode se informar sobre o termo de compromisso. Diferentemente do que diz o post e o texto para o qual o tuíte conduz o leitor, o governo federal não se comprometeu a cortar sua produção agropecuária.

O documento assinado pelo Brasil em abril deste ano reforça o compromisso do país, firmado dois anos antes, de reduzir a produção de gás metano, mas, em nenhum momento, há menção sobre diminuir a produção agropecuária. A ideia, segundo o texto, é que novas tecnologias sejam usadas para que a agropecuária, responsável por um grande volume de emissão de metano, minimize esse impacto ao meio ambiente.

Como diz o documento, o chamado para que países tomassem “ações voluntárias para contribuir com o objetivo coletivo de reduzir as emissões de metano em pelo menos 30% até 2030” foi feito em novembro de 2021, durante a COP26. Foi quando o Brasil, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), assinou o Compromisso Global sobre Metano.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 31 de julho de 2023, a publicação no Twitter somava 207 mil visualizações, 6,4 mil curtidas, 2,3 mil compartilhamentos e 290 comentários.

Como verificamos: O link da ONG The Global Methane Hub, inserido no conteúdo enganoso, deu informações para que a reportagem iniciasse a busca pelas considerações corretas. Publicado em 17 de maio, o texto cita que o Brasil e mais 12 nações assinaram anteriormente um termo de compromisso. Entre os países, está Burkina Faso. Ao buscar por termos como “acordo”, “Brasil e Burkina Faso” no Google, o resultado mostrou o termo de compromisso, de 14 de abril.

A partir daí, a equipe pesquisou sobre redução de gás metano e o Brasil em reportagens e sites oficiais e tentou contato com o Ministério da Agricultura e com o autor do tuíte, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

O termo assinado pelo Brasil em abril

Em 13 e 14 de abril deste ano ocorreu em Santiago, no Chile, o evento First Ministerial Conference on Low Emission Food Systems (Primeira Conferência Ministerial sobre Sistemas Alimentares de Baixa Emissão, em tradução livre). O Brasil foi um dos 23 países participantes e um dos 13 que assinaram a declaração “Enfrentando o desafio de reduzir o metano na agricultura”.

O documento fala sobre as mudanças climáticas e o papel da agricultura sustentável, “fundamental para o desenvolvimento e a segurança alimentar em um planeta onde 10% da população global enfrenta a fome”. Nele, os signatários se comprometem com dez ações, mas em nenhuma delas há menção ao corte da produção agropecuária ou algo semelhante.

Entre as ações propostas, estão “avaliar o estado atual das políticas públicas e investimentos no setor e, quando apropriado, redirecionar esforços para aprimorar a inovação e apoiar agricultura, considerando elementos de economia circular, transição justa e tomando uma decisão” e “facilitar e promover as condições favoráveis ??para a implantação de programas baseados na ciência prática, inovação e tecnologias em linha com a produção sustentável de alimentos e agricultura através do desenho e implementação de programas de adaptação às mudanças climáticas e políticas de mitigação”.

O texto, inclusive, destaca que a declaração “não implicará na adoção de medidas restritivas unilaterais ao comércio, coerentes com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)”.

Compromisso do Brasil na COP26

A declaração assinada pelo Brasil em abril menciona outro documento que o país também referendou, o Compromisso Global sobre Metano.

Em novembro 2021, durante a COP26, em Glasgow, na Escócia, foi lançada a iniciativa Global Methane Pledge (GMP; Compromisso Global sobre Metano, em tradução livre), convidando os países a tomarem ações voluntárias para contribuir com o objetivo coletivo de reduzir as emissões de metano em pelo menos 30% até 2030, em comparação com os níveis de 2020.

Nesta ocasião, o Brasil, ainda no governo Bolsonaro, assumiu outros compromissos. O primeiro, de reduzir 50% de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030, usando como linha de base o ano de 2005 e como referência o Quarto Inventário Nacional de Emissões. O outro, em relação à Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, que estabeleceu o objetivo principal de acabar com o desmatamento até 2030.

O terceiro compromisso, e o que mais nos interessa nesta verificação, é o já citado acima Compromisso Global sobre Metano, estabelecendo o objetivo de reduzir as emissões de gás metano em 30% até 2030.

O gás metano

Uma avaliação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Coalizão Clima e Ar Limpo, divulgada em 2021, mostra que o metano é o principal contribuinte para a formação do ozônio ao nível do solo, sendo um poluente perigoso do ar e gás de efeito estufa. Conforme a pesquisa, a agricultura é fonte predominante do gás metano, principalmente em razão das emissões de animais, como o esterco, responsável por 32% do metano liberado no meio ambiente.

O gás metano também surge por meio de outras fontes, como o processo de produção de combustíveis fósseis (gás e carvão). Entretanto, o impacto é muito inferior em comparação ao que é gerado pela agropecuária.

Ainda conforme a pesquisa, um dos principais motivos para a preocupação em relação ao metano é o fato de ele ser o responsável por cerca de 30% do aquecimento global desde a época pré-industrial.

O metano (CH4) é o segundo gás que mais impacta o aquecimento global, perdendo para o CO2. Uma pesquisa do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a Análise das Emissões Brasileiras de Gases De Efeito Estufa 2020, mostra que a emissão global de CO2 em 2020 foi de 52 bilhões de toneladas e a de metano, 364 milhões.

Os dados reforçam que o setor que mais emite metano no Brasil é a agropecuária, com 72% das emissões, por meio de processos como a digestão do gado, ou o “arroto do boi”, que responde por metade das emissões do país.

Brasil não se comprometeu a reduzir produção agropecuária

O assunto sobre a importância de reduzir a produção do metano como forma de combater o aquecimento global, escancarando, sobretudo, o impacto causado pela agropecuária, tem sido amplamente divulgado e repercutido na mídia nacional e internacional. Desse modo, o acúmulo dessas informações constrói uma narrativa que permite realizar a seguinte interpretação: se houver redução da produção agropecuária, pode-se reduzir o gás metano.

Entretanto, destaca-se que o Brasil não se comprometeu em reduzir a produção agropecuária. Além disso, o estudo da PNUMA aponta para outras possibilidades de soluções, como a mudança de alimentação dos animais, o uso de tecnologias inovadoras para a produção e, até mesmo, a identificação de novas formas de administrar o esterco, usando-o para outras finalidades.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o autor do tuíte, mas não houve retorno até o fechamento desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que peças de desinformação, para somar evidências verossímeis as suas alegações, direcionem os leitores a publicações na internet que se parecem com sites de notícias. Ao se deparar com esse tipo de publicação, sobretudo em casos de veículos desconhecidos, busque informações sobre a propriedade e localização do site, verifique se o site segue padrões de transparência como a publicação de seu expediente, endereço e telefone, se os autores dos artigos são nomeados ou se é possível consultar seus princípios editoriais e política de correção de erros. Nem todos os sites oferecem essas informações, mas a presença delas é um indicador que pode reforçar a confiança.

Ainda assim, tente fazer uma busca rápida na internet para encontrar informações que refutem ou confirmem a veracidade dos fatos em sites de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou outros conteúdos de desinformação afirmando que Lula quer prejudicar o agronegócio, como a publicação que afirma falsamente que ele teria dito que o agronegócio deveria ser eliminado da terra e o vídeo engana ao atribuir ao PT proibição de plantio de soja em Mato Grosso.