- Conteúdo verificado: Tuíte segundo o qual reportagem do Fantástico teria mostrado que e-mails de Anthony Fauci revelaram que o coronavírus foi criado em laboratório, chamando a pandemia de “fraudemia”.
É enganoso o tuíte segundo o qual o Fantástico teria mostrado que e-mails do virologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos Estados Unidos e principal autoridade de saúde no país, revelem que o novo coronavírus foi criado em laboratório.
“Um amigo que me criticou o ano de 2020 inteiro, me acusando de teórico da conspiração, acaba de me ligar para pedir desculpas, pois, segundo ele, o Fantástico acaba de revelar os e-mails do Dr. Fauci, revelando a criação do vírus em laboratório. Fraudemia revelada! Grande dia!!!”, escreve o autor do post um dia após a exibição do programa da Globo.
Porém, a reportagem não fez tal afirmação. De acordo com o programa dominical, o que se descobriu nas mensagens foi que, “já em fevereiro de 2020, em segredo, alguns dos principais virologistas do mundo mostravam desconfiança sobre as origens do vírus”. Ou seja, o Fantástico não afirmou que os e-mails revelavam que o vírus fora criado em laboratório. Inclusive, a menção a Fauci é bem rápida.
Em outro momento da matéria, sem relação com os e-mails, o jornalista reforça que está falando em hipóteses. Após mostrar um vídeo que retrata morcegos supostamente em cativeiro no Instituto de Virologia de Wuhan, na China, e, depois, explicar que, diferentemente do que se dizia no Ocidente, pode haver, sim, esses animais no complexo, ele diz: “Isso pode reforçar a possibilidade, vou repetir, a possibilidade, de que o vírus da covid-19 não tenha vindo de um animal na natureza, mas, sim que ele tenha escapado de um laboratório chinês”.
Além disso, como recentemente mostrou o Comprova, os e-mails de Fauci não comprovam nada sobre a origem do vírus. O cientista com quem ele trocou mensagens havia escrito que, baseado em análises preliminares, o Sars-CoV-2 parecia “(potencialmente) manipulado”. Mais tarde, o pesquisador concluiu em artigo publicado na Nature Medicine em março de 2020 que o patógeno “não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente”.
O Comprova tentou contatar o autor do tuíte, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.
Como verificamos?
No site do Fantástico, encontramos as reportagens que haviam sido exibidas em 20 de junho, um dia antes do tuíte verificado aqui e, entre elas, a que abordava uma “polêmica sobre origem da covid”.
Também pesquisamos verificações anteriores do Comprova sobre os e-mails de Anthony Fauci e as mais recentes reportagens sobre este assunto e sobre a origem do coronavírus.
Por último, deixamos um comentário no tuíte de @AlanLopesRio pedindo para conversar com o autor do post – sem resposta.
O Comprova não fez verificação da reportagem do Fantástico, somente da declaração do tuíte sobre o teor da reportagem.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de junho de 2021.
Verificação
A reportagem
O tuíte verificado aqui cita uma matéria que o Fantástico, da Globo, levou ao ar em 20 de junho, intitulada “Polêmica sobre origem da covid esquenta após imagens de morcegos em laboratórios”.
O repórter Álvaro Pereira Junior inicia a reportagem citando “um evento grandioso”, “a inauguração, em dezembro de 2017, de um laboratório de segurança biológica máxima em Wuhan”. Ele se refere ao Instituto de Virologia de Wuhan, na cidade chinesa que registrou os primeiros casos de covid-19 no mundo.
Em uma reportagem de pouco mais de 10 minutos, Pereira Júnior conta que um grupo virtual de detetives amadores chamado Drastic encontrou um vídeo da inauguração do laboratório de Wuhan em que aparecem imagens de morcegos vivos no que seriam as instalações internas do local, algo que “os chineses e seus parceiros científicos aqui do Ocidente sempre negaram”, como diz o repórter. As imagens contrariam a posição do laboratório, que, ainda segundo Pereira Júnior, afirmou não manter estudos internos com o animal.
Nesse momento, o jornalista afirma: “Então, se os morcegos estão mesmo lá e, ainda por cima, estão na área de segurança máxima, isso pode reforçar a possibilidade, vou repetir, a possibilidade, de que o vírus da covid-19 não tenha vindo de um animal na natureza, mas, sim, que ele tenha escapado de um laboratório chinês”.
A construção da matéria é baseada em entrevistas com pessoas a favor e contra a suposição de que o vírus teria surgido naquele laboratório.
Os e-mails
Já na parte final da reportagem, é citado um dos e-mails trocados por Anthony Fauci e o pesquisador Kristian Andersen, professor do Departamento de Imunologia e Microbiologia da Scripps Research – os e-mails de Fauci foram obtidos por jornalistas e publicados nos veículos Washington Post, Buzzfeed e CNN no início de junho. A troca de mensagem referida no Fantástico ocorreu em 1º de fevereiro de 2020, e mostra uma resposta de Andersen a Fauci.
O repórter dá ênfase a dois pontos da mensagem. Primeiramente, ao título, que faz referência a um artigo compartilhado no e-mail anterior, não divulgado na matéria, “Explorando genomas de coronavírus em busca de pistas das origens do surto”. O Fantástico mostra a expressão “origens do surto” em evidência, assim como a palavra “inconsistente” que aparece na frase “Devo mencionar que, após as discussões de hoje, Eddie, Bob, Mike e eu descobrimos que o genoma é inconsistente com as expectativas da teoria da evolução”. Ao mostrar as imagens, o repórter narra: “Em fevereiro de 2020, em segredo, alguns dos principais virologistas do mundo mostravam desconfiança sobre a origem do vírus. Mas nunca disseram isso em público”.
Como já mostrado pelo Comprova, os e-mails trocados entre Fauci e Andersen não provam que o vírus tenha sido manipulado em laboratório, como infere o autor do tuíte. Apenas reflete as considerações iniciais do cientista sobre o assunto. Em 17 de março de 2020, mais de um mês depois da troca de mensagens, Andersen e outros pesquisadores publicaram um artigo científico na revista Nature Medicine. Nele, dizem que “nossa análise claramente mostra que o Sars-CoV-2 não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente”.
Investigação
Um relatório publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em fevereiro de 2021, após expedição à China, não chegou a considerar a hipótese de criação artificial e indicou que a possibilidade de o vírus ter escapado de um laboratório era “extremamente improvável”.
Alguns cientistas, incluindo o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, defendem que a teoria de escape de laboratório deve ser melhor investigada. Em maio, 18 pesquisadores assinaram uma carta na Nature em que dizem que o vazamento acidental “permanece viável”. Depois que esta possibilidade passou a ser mais debatida, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu que agências de inteligência americanas investigassem as origens da pandemia.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Até 20 de junho, o tuíte verificado aqui foi compartilhado mais de 2,1 mil vezes e teve cerca de 7,5 mil curtidas.
Ao usar uma reportagem do Fantástico para concluir algo que não foi informado, o autor do tuíte segue a linha do ex-presidente Donald Trump e de Jair Bolsonaro (sem partido) e culpa a China pela pandemia. Além disso, ao se referir à pandemia como “fraudemia”, o autor menospreza a realidade do coronavírus, que já matou mais de 3,8 milhões de pessoas ao redor do mundo, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.
O Comprova já fez outras verificações sobre a suposta criação do coronavírus em laboratório, como a já citada que descontextualizava os e-mails de Fauci e a que enganava ao dizer que a China havia testado o Sars-CoV-2 como arma biológica.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.