BandNews FM

SP: Pedras sob viaduto, ferros sobre degrau, a arquitetura hostil da capital paulista

Intervenções no espaço urbano segregam moradores de rua na maior cidade do País

Reni Ravaneli

Edificação no Centro de SP tem ferros sobre os degraus
Edificação no Centro de SP tem ferros sobre os degraus
Foto: Google Maps

Cacos de vidro incrustados em muros, pedras pontiagudas debaixo de viadutos, arames e ferros retorcidos em acessos e passagens. Esse tipo de design urbano tem um nome: arquitetura hostil.

A hostilidade pode ser a qualquer um de nós, mas essas intervenções são feitas geralmente para segregar alguns grupos, como as pessoas em situação de rua. A Rádio BandNews FM identificou um exemplo em um casarão da Rua Venceslau Brás, perto da Praça da Sé, no Centro da capital paulista.

O prédio está para alugar e o dono instalou ferros sobre os degraus das entradas. Em conversa com a reportagem, o representante da imobiliária admitiu a intenção do proprietário: “aquilo foi colocado pelo proprietário anterior ainda, porque, como o imóvel estava vazio, para ninguém ficar dormindo ali. Depois, esse prédio foi vendido e quem comprou nem tirou”.

Na Zona Sul, próximo ao Parque do Ibirapuera, outro cartão postal de São Paulo, há um caso parecido, mas em uma estrutura pública. Na saída do Complexo Viário Jorge João Saad para a Avenida Ibirapuera, pedras foram colocadas embaixo do viaduto e impedem qualquer um de transitar por ali.

O cenário contrasta com a intervenção da artista plástica Amélia Prado, que usou grandes rochas - algumas coloridas - para embelezar a mesma área. Questionada, a Subprefeitura da Vila Mariana não se manifestou.

Pedras ásperas sob viaduto em Moema, na Zona Sul de São Paulo

No início do ano, um caso semelhante ganhou as manchetes, quando o Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, quebrou a marretadas blocos de paralelepípedos que haviam sido cimentados embaixo de dois viadutos na zona leste da cidade.

Para Júlio Lancellotti, falta um olhar cuidadoso do poder público e da população em geral para os moradores de rua. “As pessoas precisam de um lugar e, muitas vezes, elas não vão, porque qual é a lógica desse sistema? A pessoa é feita para o centro de acolhida e não o centro de acolhida para a pessoa. Numa realidade como São Paulo, quem dá o tom na administração é o mercado imobiliário, que tem ódio à população de rua, que afugenta os empreendimentos. Além disso, a população, como um todo, não vê com humanidade a população em situação de rua.”

Na opinião do professor de urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), João Sette Whitaker, uma cidade melhor pode ser construída se os espaços forem pensados para estimular a presença das pessoas - de todas elas. “Muitas das ações que são feitas para resolver problemas, só acentuam os problemas. Por exemplo, quando tem um problema de segurança, em vez de eu abrir e tornar a rua mais usada e democrática, eu faço o contrário, eu aumento os muros. A gente tem que eliminar essas políticas que enxergam a coisa ao contrário e que veem nas pessoas um perigo”.

Dois projetos de lei, um federal e outro estadual, tramitam no Legislativo para proibir o emprego de arquitetura hostil em espaços livres de uso público. Em São Paulo, o último censo da prefeitura, divulgado em 2019, apontou que 24 mil pessoas viviam nas ruas, mas os movimentos de moradia dizem que hoje este número pode ser quase três vezes maior, impactado pela pandemia de covid-19. No primeiro semestre de 2022, a prefeitura deve divulgar uma nova edição do censo.

Tópicos relacionados