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Entre o trem e a plataforma: vãos irregulares põem em risco passageiros

Clientes pedem respostas da SuperVia há pelo menos oito anos

Por Gustavo Sleman

Entre o trem e a plataforma: vãos irregulares põem em risco passageiros
Distância entre as composições e a plataforma da SuperVia não é segura
Gustavo Sleman

"Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma". Um alerta comum no transporte ferroviário. No entanto, mais de um ano após a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que constatou que um dos principais ramais de trem do Rio só tem duas estações seguras em relação à distância entre as composições e a plataforma, nada mudou.

Há anos, o tamanho desse espaço não só preocupa, mas também é alvo de queixas de quem utiliza diariamente o transporte, que corta cidades da Região Metropolitana do Rio.

A BandNews FM esteve na estação Silva Freire, no Méier, na Zona Norte do Rio, considerada pela SuperVia uma das 23 com adequação para acessibilidade. Mas a reportagem constatou que a distância da plataforma para uma composição do modelo série 4000, da fabricante francesa Alstom, chega a 23 centímetros, o que dificulta a circulação dos passageiros, principalmente daqueles que possuem alguma dificuldade de locomoção.

É o caso da estudante de medicina Mylenna Teixeira, que usa muletas. A jovem, de 22 anos, precisa da ajuda de outras pessoas para desembarcar.

“Preciso pegar o trem todo dia para chegar até minha universidade e, assim, eu uso muleta e, assim, já é aquela coisa que tudo é de difícil acesso, seja dentro do trem, para sentar... E aí pra piorar a situação da SuperVia, que já não é uma das melhores, ali na estação de Silva Freire, o espaço entre o vão e a plataforma é praticamente um precipício, né? Então assim, o que que acontece? Eu tenho que ficar pedindo ajuda das pessoas pra praticamente me pegarem no colo pra eu conseguir sair do trem. E eu acho isso uma humilhação. Que assim, não é um vão, é literalmente é um precipício. E aí fica muito complicado”

O vão já era motivo de reclamação em 2015, quando um usuário questionou a SuperVia na Internet sobre melhorias no local. A empresa afirmou em uma rede social que a distância se devia à estação ter sido construída em curva. Já em 2017, a empresa respondeu outro comentário na Internet. Dessa vez, disse que estaria estudando projetos para reduzir o espaço, que, até agora, parecem não ter saído do papel.

No ano passado, uma CPI da Assembleia Legislativa do Rio apurou os recorrentes problemas nos trens do estado.

Segundo o relatório final, nos casos dos espaços entre os trens e as plataformas das estações em curva, a concessionária opta por seguir as recomendações da Rede Ferroviária Federal, que são mais permissivas do que aquelas definidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, que determina vãos de 10 centímetros.

O texto da CPI dos Trens da Alerj também trouxe um levantamento da assessoria técnica do colegiado e do grupo Observatório dos Trens, que mostrou que, na estação Engenho Novo, na Zona Norte da capital, o espaço entre o trem e a plataforma é de 40 centímetros, o maior da lista. O estudo mensurou os vãos e desníveis do ramal Deodoro/Santa Cruz.

Dos 32 casos estudados, somente duas estações foram classificadas como minimamente seguras para a operação nos quesitos vãos e desníveis, o que representa uma porcentagem de 6,25% do universo de probabilidades aferidas.

Membro da CPI, o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa alerta para possíveis acidentes e elenca o que poderia ser feito para solucionar o problema.

“São objetos de muitos acidentes ou tombos ou muitas vezes enfiar a perna em um desses buracos. O relatório da CPI do qual eu participei fez um debate intenso da necessidade urgente de reduzir esses desníveis que são possíveis. Ou colocando platibandas nas estações para aproximar o máximo possível do trem ou enchendo ou colocando até rampas e de qualquer material nas estações pra também terminar com o desnível vertical”

O documento também citou a compra, na última década, de cerca de 100 trens chineses da série 3000, considerados inadequados a diferentes estações da malha, devido a comprimento e geometria. O diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, ressalta que as compras das composições deveriam ser melhor planejadas.

“Isso é uma questão da compra, né? Do planejamento da compra, do dimensionamento do material rodante em função da plataforma que já existe. Então, uma vez a plataforma existindo, dependendo do trem que você comprar, se não for totalmente customizado para aquela plataforma, você certamente terá problema. Então quando a plataforma é mais baixa que o trem, poderia até haver uma obra ali em algumas estações pra nivelar, o problema é quando a plataforma tá mais alta. Nesse caso você teria que quebrar toda a plataforma, o que é um problema sério”

Em 2018, em outra CPI, dos Transportes Públicos, deputados constataram que na plataforma 11 da Central do Brasil, o vão entre um trem da antiga série 700 e a área de embarque e desembarque do Ramal Belford Roxo tinha 30 centímetros de largura, e o desnível do vagão ao chão, 25 centímetros.

O trabalho na época ainda mostrou que outros dois terminais que atendem à mesma linha, Mercadão de Madureira e Del Castilho, além de ter vão muito superior às normas da ABNT, ainda têm degraus que foram montados nos locais.

Em abril de 2017, a estudante universitária Joana Bonifácio Gouveia, de 19 anos, morreu após cair no vão, enquanto tentava embarcar em um trem na estação Coelho da Rocha, na Baixada Fluminense. O caso aconteceu por volta das 11h50. Ela foi atropelada, depois de ter sido arrastada pela composição por 100 metros. O corpo da jovem só foi removido da linha por volta das 18h. Inicialmente, a SuperVia chegou a dizer que o episódio se tratou de suicídio.

Se não fosse pela luta e persistência de parentes de Joana, a morte da estudante poderia ser mais um caso esquecido, à espera da apuração das causas ou da deliberação do Conselho da Agetransp.

A prima da jovem, Rafaela Albergaria, idealizou o Observatório dos Trens, iniciativa que acompanha e fiscaliza o transporte no estado e responsável também por realizar debates e apresentar denúncias. Ela cobra melhorias no sistema.

“Importante dizer que quando você pensa em acessibilidade, esse é um é o debate que está dentro de política pública. Acho que é importante e apontar que acessibilidade não é só elevador. Nem as estações que a gente chama de alimentadoras, que são essas estações que tem integração com outros modais, por exemplo São Cristóvão, Maracanã, também não podem ser consideradas estações acessíveis porque falta sempre esses mecanismos de garantia de acessibilidade. ”

As mortes em decorrência da inadequação entre trens e plataformas foi assunto levantado nas CPIs dos Transportes, em 2018, dos Trens, em 2022. No ano passado, em audiência na Alerj, o diretor-presidente da Supervia, Antônio Carlos Sanches, chegou a apontar uma possível solução: a instalação no degrau do trem de uma espécie de rampa.

Em outras ocasiões, a concessionária mencionou em relatórios outras sugestões para o problema, como a correção do traçado da ferrovia, para aproximar os vagões das plataformas e a instalação de cantoneiras metálicas. No entanto, ao fim do trabalho da última CPI, os deputados ressaltaram que a SuperVia ainda não tinha finalizado os estudos necessários.

Procurada pela reportagem da BandNews, a SuperVia afirmou que iniciou obras que vão garantir a acessibilidade em todas as 104 estações do sistema e que esse projeto vai implantar os itens de acordo com a necessidade de cada uma delas, como rampas, escadas rolantes, entre outros.

A concessionária também ressaltou que vai fazer melhorias de acessibilidade em 20 composições de responsabilidade dela.

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