
Brigas familiares, traumas cumulativos ou o excesso de expectativas. Por essas e outras razões, tem muita gente que vê nas festas de fim de ano motivo para tristeza, angústia e depressão. Mas se as tradições representam união, celebração, renovação de valores e um sentimento de felicidade coletiva, por que essas pessoas sentem exatamente o oposto?
Band.com.br conversou com especialistas para entender os efeitos emocionais do Natal e do Ano Novo.
Para isso, é preciso ver o conceito das datas no Brasil. O Natal, por exemplo, é celebrado como uma festa de forte cunho familiar, reunindo pessoas ao redor de mesas fartas para trocar presentes e histórias. O que reflete a importância dos laços familiares e o valor simbólico da generosidade e da gratidão.
O Ano Novo, por sua vez, tem um caráter mais universal e coletivo, marcado por rituais que expressam esperança e renovação, como o uso de roupas brancas e as superstições ligadas à sorte e prosperidade.
Por esse motivo, as festas são momentos de recolhimento das pessoas. Christian Dunker, psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, explica que esse momento é muito importante por ser uma maneira de se conectar mais profundamente com a própria vida.
Contudo, ele explica que o grande problema se dá porque muitas pessoas só sabem fazer esse “balanço do ano” pelo crivo da comparação e da avaliação, e isso faz com que a pessoa esteja sempre no saldo negativo. “Não ganhei o dinheiro que eu queria, não conquistei o que havia planejado. A pessoa acaba tendo uma divisão subjetiva entre os sonhos nascentes e os sonhos morrentes, aqueles que não se realizaram”, diz.
Esse momento reflexivo, embora natural, pode despertar tanto sentimentos de realização quanto frustração, dependendo das expectativas individuais e da forma como as metas foram ou não cumpridas.
Dunker esclarece que é preciso encontrar uma espécie de “justa medida” para fazer o balanço e poder também comemorar as conquistas. Contudo, a notícia não é boa: “Poucos conseguem cultivar a si mesmos de forma não sádica e nem masoquista”, avalia.
Dessa maneira, as pessoas encontram todos os ingredientes necessários para fazer das festas de fim de ano um desafio para saúde mental. “Parece simples, mas não é fácil. A maioria das pessoas, diante desse desafio, se lança numa espécie de obsessão ou de obrigação em aproveitar cada segundo, e isso se transforma em excessos”.
Síndrome de fim de ano existe?
Não há um diagnóstico médico ou psicológico formal. No entanto, os sentimentos associados a esse estado são reais. Elton Kanomata, psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que o emprego da palavra “síndrome” se dá porque demanda um conjunto de sinais, sintomas ou padrões de comportamentos recorrentes e compatíveis, compartilhados por várias pessoas de uma forma semelhante.
A síndrome está geralmente relacionada a um estado principalmente emocional, como sintomas de tristeza, angústia ou ansiedade. Tudo isso tem a ver conflitos familiares, luto, solidão, pressão e sobrecarga.
Trauma cumulativo
O Grinch, personagem criado por Dr. Seuss no livro “Como o Grinch Roubou o Natal”, é uma figura que simboliza o desdém pelo Natal e tudo que ele representa — alegria, celebração, união e tradições. No entanto, a história do Grinch revela que sua aversão ao Natal vem de um lugar de dor e isolamento. Ele não odeia o Natal em si, mas o que ele sente estar fora do seu alcance: pertencimento e amor.
O mesmo acontece com pessoas que carregam traumas cumulativos. Esses traumas, que resultam da repetição de experiências dolorosas ao longo do tempo, muitas vezes tornam-se mais evidentes durante ocasiões emocionalmente carregadas como o Natal e o Ano Novo.
“Muita gente que já imagina que terá problemas nas festas de fim de ano, assume uma postura evitava. Algo como 'prefiro assistir Netflix a ter que comemorar o Natal com a minha família’”, avalia Dunker.
Essa sobrecarga pode levar a uma sensação de exaustão, conhecida como "bateria social baixa", na qual o esforço constante para se conectar com os outros acaba drenando as energias, e as pessoas escolhem desistir das comemorações. Os especialistas consideram ser difícil renunciar as expectativas e a cabeça acaba recheada de “e se eu tivesse ido?”, “e se esse ano desse tudo certo?”.
A psicóloga Vanessa Abdo explica que esse medo de ficar de fora é um sentimento importante, também conhecido como FOMO (fear of missing out, ou “medo de estar perdendo alguma coisa” em livre tradução). “Muitas pessoas se questionam: ‘Se eu não for a determinado encontro, será que ainda serei convidado? E se eu faltar à festa da empresa, isso afetará minha imagem no trabalho?’. Esse conflito de interesses e insegurança pode gerar um estresse adicional”, explica.
Isso significa, que apesar de cada um fazer o melhor que pode com as cartas que a vida dá, é preciso abrir as caixinhas de traumas e entender se sua dor é parecida com a do Grinch e buscar ajuda para se curar.
Como o luto impacta emocionalmente uma pessoa durante as celebrações?
O luto ou a ausência de entes queridos pode ter um impacto profundo nas emoções durante as celebrações de fim de ano. Para muitas pessoas, essas festividades acabam ressaltando o vazio deixado por aqueles que partiram ou estão ausentes.
Para Dunker, o primeiro Natal depois que você perde sua mãe ou seu pai, por exemplo, é inesquecível. “Porque o Natal está muito ligado à condensação dos afetos que você tinha por essa pessoa. Ou seja, o seu Natal nunca mais será o mesmo”, explica o especialista. O esperado é que com o passar do tempo, a pessoa se acostume com a falta, mas ela nunca deixará de ser sentida.
No entanto, o psiquiatra Elton Kanomata, explica haver uma grande diferença entre o luto considerado normal e o luto patológico. É preciso entender a intensidade, duração e o impacto que a perda tem sobre a vida de quem a enfrenta.
Enquanto o luto normal é um processo natural de adaptação à perda, o luto patológico envolve dificuldades persistentes e incapacitantes em lidar com a ausência do ente querido.
O sentimento de culpa é tão desproporcional que afeta as funções sociais e faz a pessoa evitar lugares, pessoas ou situações que a lembrem do familiar ou, pelo contrário, se apegar de forma desmedida a esses elementos. Nesse caso, o médico afirma que é importante buscar ajuda de um profissional de saúde mental.
Como fazer para as festas de fim de ano causarem menos impacto na saúde mental?
“Entender que o Natal é um desafio psíquico e que as nossas neuroses se somam aos nossos problemas e dificuldades. Ou seja, não faça balanço de fim do ano mal feito. Seja gentil com a sua trajetória”, considera o professor.
Veja algumas dicas dos especialistas para “sobreviver” as festas de fim de ano:
- Evite se pressionar para criar a celebração ideal ou atender a todas as expectativas;
- Nem todo encontro precisa ser alegre e festivo. Permita-se viver o momento como ele é, com suas nuances;
- Não se sinta obrigado a participar de todas as reuniões ou atividades se elas forem emocionalmente desgastantes;
- Planeje presentes, refeições e compromissos com antecedência para evitar sobrecarga de última hora;
- Se o período traz tristeza ou saudade, valide essas emoções sem tentar suprimi-las. Se as tradições antigas são dolorosas, inicie novos hábitos que tragam conforto e alegria;
- Modere o consumo de álcool e comidas pesadas para minimizar o impacto no corpo e na mente;
- Procure por amigos e familiares que tragam apoio emocional e conforto;
- Concentre-se no que você pode fazer para o momento ser significativo para você.
Cuide das crianças
As celebrações de fim de ano têm o potencial de fortalecer os laços comunitários ao promoverem encontros, solidariedade e um senso de pertencimento. Assim como o Natal, em particular, tem um papel emocional poderoso, especialmente para as crianças, mas não apenas para elas.
Por outro lado, quando as expectativas não são bem dosadas, a sobrecarga emocional pode obscurecer esses benefícios. Por isso é importante se preocupar em preservar os pequenos nesse período e tentar fazer com que a data seja sempre especial.
É o que explica Vanessa Abdo, educadora parental pela Associação de Disciplina Positiva. “O Natal oferece para as crianças uma oportunidade de fortalecer os vínculos, criamos memórias afetivas e tudo isso serve como uma base de desenvolvimento emocional”.
Dunker acredita que a infância, em sua essência, também é revisitada pelos adultos nesses momentos. “Histórias de descobertas — como a existência do Papai Noel, a alegria ao ganhar o presente tão esperado ou o simples fato de participar de rituais familiares — criam memórias duradouras. E mesmo na vida adulta, essas lembranças emergem com força durante as celebrações, resgatando a “criança interior” de cada um”, considera.
Para os especialistas, entender esse momento é fundamental para tratar os traumas e aprender a conviver melhor com essas datas comemorativas. Afinal, as festas de fim de ano, apesar de desafiadoras, podem também ser uma oportunidade para ressignificar experiências e criar novas tradições mais alinhadas às necessidades emocionais de cada um.