Imagina ser uma criança nos anos 2000 que cresceu na divisa do Norte e Nordeste. Culturalmente, imagina beber da fonte de duas regiões que contribuem, consideravelmente, para formação da identidade brasileira. A Pabllo Vittar, minha conterrânea, foi uma dessas, mas deu um passo além. Agora, ela produz, divulga, revive e enaltece, em nível nacional, tudo aquilo que nós, então LGBTQIA+, achávamos o auge da música pop, enquanto o restante do país desconhecia ou preferia não dar atenção.
Antes de entender o que era uma diva pop nacional, tais quais conheço hoje, a exemplo da Anitta, Ludmila, Iza, Luisa Sonza…, todas do eixo Sul e Sudeste, Mylla Karvalho, ex-vocalista da “Cia do Calypson” (Pará), já era ícone musical, com potência vocal e coreografias babadeiras, entre os LGBTQIA+ nortistas e nordestinos. E atire a primeira pedra aquela gay maranhense, assim como a Pabllo, paraense, sergipana, amazonense, cearense que nunca performou, mesmo mentalmente, a presença de palco da Paulinha Abelha ao cantar “Baby Doll” naquele DVD gravado em Belém.
Os álbuns Batidão Tropical 1 e 2, talvez, possam possibilitar a muita gente, assim como eu, o retorno de uma liberdade de expressão, por muito tempo reprimida devido à homofobia. Quantas vezes não fui julgado ao simular uma jogada de cabelo invisível, enquanto cantava “Pra Te Esquecer”, da Joelma, regravada pela Pabllo. E quando eu promovia uma autocensura no trecho “Eu sou sua mulher, e você é o meu homem” da música “Não Desligue o Telefone”, da Banda Djavú e DJ Juninho Portugal?
Será que a Pabllo, assim como eu, enclausurava-se na própria mente para fugir do mundo em que era proibido ser você mesmo, naquele Norte e Nordeste em que “qualiragem” era praticamente crime? Cabe a ela responder. Se sim, certamente, aproveitou o tempo para planejar dar a volta por cima. Afinal de contas, não é qualquer um que bate 4,7 milhões de reproduções no Spotify, em 24 horas.
Batidão Tropical 2 é mais que a celebração do tecnobrega e forró eletrônico, auge nos anos 2000 no Norte e Nordeste, para o Brasil da década de 2020. É o resgate de uma liberdade tardia, mas necessária, de quem passou parte da vida escondido sob julgamentos criminosos de um período em que a homofobia era, praticamente, institucionalizada.