Postura, improviso e inclusão: Escola de Papai Noel prepara idosos para viver o “bom velhinho”

Não é só vestir vermelho e ter barbas brancas; é preciso tornar o Natal das crianças ainda mais mágico, e eles sabem como fazer isso

Por Hanna Rahal

Postura, improviso e inclusão: Escola de Papai Noel prepara idosos para viver o “bom velhinho”
Escola de Papai Noel
Arquivo Pessoal

Fundada em 1993 por Limachem Cherem e mais dois amigos, a Escola de Papai Noel do Brasil deu tão certo que, hoje, treina idosos para se tornarem verdadeiros “profissionais do Natal”, com direito a aulas de música, interpretação, dicção, postura e até um letramento LGBTQIAP+. A ideia é que as crianças e suas famílias se sintam verdadeiramente acolhidas.

“Quando o curso começou, não havia muitas exigências. Hoje, por exemplo, se não estiver dentro do perfil, o candidato é eliminado na inscrição. Então, o curso vem se adaptando para que os alunos cheguem mais perto do personagem Papai Noel”, explica Limachem Cherem, 68, em entrevista a Band.com.br.

A cada ano, uma aula nova é incorporada na grade do curso, que acontece sempre em outubro, para ajudar os “bons velhinhos” a se tornarem ainda melhores. Aulas de improvisação, postura, figurino, dinâmica de grupo, maquiagem e caracterização são o básico. Além disso, há uma aula com uma psicóloga, por exemplo.

Os alunos, que costumam ter entre 60 e 80 anos, recebem orientações para lidar com situações embaraçosas. Limachem explica que um dos maiores desafios é quando as crianças pedem o que eles não podem dar. 

“Para além de um videogame de última tecnologia — que, por vezes, a gente nem sabe o que significa —, às vezes as crianças pedem o pai ou a mãe de volta. E o Papai Noel não sabe o que aconteceu: se a pessoa faleceu, está presa ou simplesmente foi embora. Então, é preciso ter jogo de cintura para não deixar a criança sem resposta”, diz.

Operação Papai Noel

Além disso, é preciso lidar com outros percalços. Os figurinos — secos — podem pesar mais de 10 kg. Contudo, no calor do Rio de Janeiro, o peso das peças molhadas pode aumentar consideravelmente. Então, é preciso saber como vestir e sustentar o figurino ao longo do trabalho.

Conforme o professor, um figurino de luxo pode custar mais R$ 3.000. Dinheiro esse, que não está disponível na conta bancária da maioria dos alunos, que costumam procurar o curso para ganhar uma renda extra. 

O curso é gratuito e o interessado não precisa comprar nada. O aluno pode completar as aulas e trabalhar por conta própria, ou ele acaba trabalhando com a escola — que tem uma agência que indica cada Papai Noel para trabalhos em shoppings, lojas, clubes, residências, hospitais, escolas, empresas e comerciais de TV durante os meses de novembro e dezembro. 

“A agência empresta o figurino, monta uma agenda, coloca o Papai Noel para trabalhar e no fim, recebe um percentual com esse trabalho. Todo mundo ganha”, explica o fundador. Desde o início, a instituição já formou mais de mil profissionais.

Os preços da visita podem variar de R$ 300 até mais de R$ 1.000 e no fim dos dois meses de trabalho, Cherem garante que tem profissional que recebe mais de R$ 20 mil. Mas, para isso, é preciso dedicação. Nos dois últimos meses do ano, cada Papai Noel precisa abdicar dos vícios — se tiverem — para conseguirem bons trabalhos. 

O professor explica que não é preciosismo, tudo tem um motivo. Para ser um Papai Noel é preciso ter mais de 60 anos, uma boa higiene, não fumar, não beber, ter a barba e os cabelos brancos ou grisalhos e – o mais importante – adorar crianças.

A nicotina do cigarro, por exemplo, deixa a barba amarelada e causa cheiro, o que é muito ruim para um profissional que lida com crianças. Bebidas também são um problema, porque, além do odor, interferem na disposição do Papai Noel no dia seguinte. E até a alimentação deve ser alterada. A gente sugere que evitem coisas pesadas, para que o profissional não acabe passando mal ou deixando o trono. Eles precisam começar e terminar essa missão, explica Limachem.

Bom velhinho 

Nem só de trabalhos em shoppings sobrevivem os bons velhinhos. Cherem, por exemplo, conta que, além de fundador da escola, atua como Papai Noel há mais de 30 anos. Ele diz que, durante todo esse tempo, passou cada dia 25 de dezembro entregando presentes que arrecada para crianças em bairros periféricos.

“Visto a roupa, me preparo, saio pelo bairro caminhando com uma charrete e entrego cerca de 300 a 400 presentes”, conta o Noel, que explica que o número varia conforme as doações que recebe. Além disso, ele visita hospitais infantis para comemorar a data com as crianças.

Mas afinal, crianças ainda acreditam no Papai Noel?

Não só acreditam, como o mito é fundamental na primeira infância por estimular a imaginação e a criatividade. Vanessa Abdo, doutora em Psicologia e professora universitária, explica que o Natal é um período carregado de significados, além de ser uma oportunidade para as crianças fortalecerem vínculos, criarem memórias afetivas e servir como uma base de desenvolvimento emocional.

“O mito do Papai Noel estimula o pensamento mágico, que é essencial nessa primeira fase, por permitir que a criança explore a criatividade e a fantasia, além de tornar a criança mais resolutiva”, considera. Ou seja, acreditar em Papai Noel traz inúmeros benefícios, além de influenciar o comportamento das crianças em situações como “Eu só ganho o presente se eu for um bom menino”.

E, mesmo com tanta informação, é preciso fomentar essa fantasia. Não só pelos inúmeros Papais Noéis que se formam a cada ano, mas também porque os pequenos são sedentos por imaginação. 

O Papai Noel tem toda uma questão da metáfora e traz um espírito de união, generosidade. Então, quanto mais for alimentada essa questão da fantasia, melhor é para a criança, diz Abdo.

Além disso, existe a importância de um Papai Noel negro, por exemplo, que vai muito além da representatividade visual. Ele reflete a necessidade de tornar as tradições natalinas mais inclusivas e alinhadas à diversidade cultural e racial.

Por séculos, a figura do Papai Noel foi predominantemente representada como um homem branco, deixando de lado a pluralidade étnica que compõe os países, especialmente aqueles com populações majoritariamente negras, como o Brasil.

“Então, quanto mais for diverso, mais uma criança consegue se identificar e projetar aquela figura do Papai Noel na cultura dela — fazendo com que elas se sintam parte daquela tradição”, diz Vanessa.

Limachem concorda que o Papai Noel negro é muito poderoso, pois inúmeras crianças se identificam com ele: “É muito importante, não só para a criança, mas também para o próprio profissional, que se sente recompensado”, completa.

Papai Noel em apuros?

Contudo, um Papai Noel profissional não vive apenas cercado de crianças. Afinal, eles levam a sério o ditado “fazer o bem sem olhar a quem”. Limachem conta que, como são pagos pelas visitas, geralmente só pedem o endereço e pegam os presentes. No entanto, essa “falta de informações” já o colocou em diversos perrengues.

“Já fui surpreendido várias vezes. Uma vez, toquei a campainha para entregar os presentes e, quando abriram a porta, dois cachorros pularam em cima de mim — e eles eram os meus clientes. Eram cachorros imensos, que quase me jogaram no chão. Mas entrei, fiz carinho neles e dei os presentes, enquanto eles brincavam e mordiam as coisas”, conta Cherem.

Em outro dia, um pouco mais inusitado, o Papai Noel entregou os presentes em um motel. Ele conta que demorou para encontrar o endereço até perceber que precisaria entrar no lugar. 

Foi uma moça loira, muito bonita e toda produzida quem me atendeu. Ela estava de maiô, pronta para tomar um banho na piscina. Quando me viu, ficou toda feliz e até me convidou para entrar. Eu, meio sem jeito, respondi: ‘Ho! Ho! Ho! Papai Noel tem que presentear outras crianças’. Dei vários presentes para ela, e um deles era um anel de brilhante. Ela ficou ainda mais feliz, me beijou, tirou uma foto e eu fui embora, relembra.

O fundador da Escola de Papai Noel conta que, apesar das inúmeras situações embaraçosas que vive na profissão, ele ama o que faz. “Quando comecei, foi porque era jovem e precisava trabalhar. Hoje, continuo trabalhando pela paixão. Acho um trabalho gostoso, onde a gente pode levar a mensagem de paz, união e amor”, diz.

Ele ainda destaca o que é fundamental para quem deseja seguir na carreira: “É preciso gostar de crianças e amar o que faz”.

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