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Protagonista trans de Da Ponte Pra Lá diz que série ajuda com autoaceitação

Victor Liam trabalhava como caixa de supermercado quando foi encontrado no Instagram para fazer um teste e integrar o elenco do seriado da Max

Por Guilherme Machado

Victor Liam nem sonhava em trabalhar como ator. Ele trabalhava como caixa em um supermercado quando um dia recebeu uma mensagem inesperada no Instagram: “Você gostaria de fazer um teste para uma série?”. O rapaz passou então por algumas etapas do processo de seleção. Mais tarde, veio a resposta.

“Eles me deram a notícia de que eu tinha passado no teste e o papel ia ser meu. Como eu estava trabalhando registrado na época, eles foram conversar com o pessoal. Aí saí do mercado e começamos a trabalhar o personagem”, conta ele ao Band Entretê.  

O intérpreséé um dos protagonistas do seriado Da Ponte Pra Lá, que está disponível na plataforma de streaming Max. Nela, ele vive Ícaro, um rapaz que morre logo nos primeiros momentos da trama de forma misteriosa na Ponte Estaiada , em São Paulo. A partir de então, deflagra-se um “quem matou?”, e a narrativa vai se construindo a partir das lembranças da melhor amiga do jovem, Malu (Gabz).

O personagem trouxe um grande aprendizado para Liam. Homem trans na vida real, ele destacou que interpretar um alguém que passou por muitos dos mesmos processos que ele o permitiu ampliar suas perspectivas, apesar de saber diferenciar bem os caminhos que sua própria vida tomou.

“Foi muito difícil fazer a morte do Ícaro. Eu tinha que entender os processos da vivência de uma pessoa trans. Tive muita guerra comigo mesmo sobre aceitar a morte de mais um trans. Eu ficava: ‘Meu Deus, não sou eu, é o personagem, eu tenho que aceitar esse processo. Mas também tenho que passar para as pessoas que não é isso que eu quero’. Não quero corpos trans mortos, eu quero que a gente viva. É isso que a gente precisa: autoaceitação”, ressalta ele.

Ele me trouxe uma leveza muito absurda. Com esse papel aprendi a reavaliar vários atos meus. Acho que uma coisa chave é que não busco ser aceito por outro. Acho que eu que tenho que me aceitar. Eu não sou um problema. O Ícaro me ajudou muito nesse lugar.

O ator relata, por exemplo, que sua família, diferente da de Ícaro, teve um pouco mais de dificuldade de aceita-lo.

“Eu fui um cara muito aceito por amigos. Por família foi um processo um pouco mais difícil, tanto que dei uma afastada por um bom tempo da minha família por causa disso. Hoje é bem mais tranquilo”, afirma.

Representatividade

Da Ponte Pra Lá é um suspense, mas também é uma série que fala sobre os desafios da geração Z no mundo atual, sobre jovens que buscam seu lugar em um mundo hostil.

Justamente por isso, Victor enxerga que o seriado tem um peso grande e que pode ajudar pessoas a se aceitaram e aceitaram mais os outros. Ele cita como exemplo o impacto que a história de seu personagem teve em pessoas próximas a ele.

“Houve comentários de pessoas próximas sobre a relação homossexual do Ícaro. Para muitas pessoas, um homem trans não pode se relacionar com um homem. Eu fiquei: ‘Qual o problema?’. Fiquei muito feliz porque a série está provocando as pessoas, o público. Todo mundo que assiste está sendo provocado em alguma parte da série. Acho que a série vai ajudar muitas pessoas a se assumirem, a se conhecerem”, frisa ele.

Uma destas pessoas foi a avó do ator. “Foi muito bacana a forma como ela reagiu. Eu falei vó: ‘o gênero dele não tem nada a ver com a sexualidade dele’. Ela falou: ‘entendi’. Fiquei muito feliz. Mexeu com ela em algum lugar”, diz.

Por ser o único que não tinha uma experiência prévia como ator profissional, ele confessa que teve um pouco de dificuldade em se adaptar às gravações, mas que a identificação com a figura de Ícaro o auxiliou nesse processo.

“Minha maior dificuldade foi entrar em cena e sair leve da cena, não tomar isso para mim. O tempo em que gravei passei com um psicólogo para poder conversar sobre isso. Eu não tinha que trazer o peso do set para mim. O personagem trazia consigo um pouco da minha história, mas não era a minha história. Foi muito complicado para entender esse espaço”, destaca Liam.

Eu tenho 22 anos, me reencontrei com 16. Eu tinha muito esse conflito de ser aceito pelas pessoas. O Ícaro me ensinou que o problema não está em mim e nunca vai estar em mim. Ele me trouxe essa leveza de não deixar me atingir tanto por tanta coisa. Eu não sou um problema, eu não tenho que me ver como um. Se o outro me enxerga como um problema, é um problema dele.

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