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Max e Hamilton estão sob a lente do microscópio da FIA. Não podem fazer nada de errado na corrida que definirá o campeão

Livio Oricchio

Hamilton e Verstappen duelam em Interlagos - Foto: Reprodução/Band
Hamilton e Verstappen duelam em Interlagos - Foto: Reprodução/Band

Olá, amigos.

Max Verstappen e Lewis Hamilton que se cuidem na etapa final do campeonato, neste fim de semana, no Circuito Yas Marina, em Abu Dhabi, onde o que está em jogo é nada menos de o título mundial. Estão empatados com 369,5 pontos. Devem estar bem atentos ao que a FIA considera permitido e não autorizado a fazer na pista nas lutas por posições, apesar da subjetividade do tema, como temos visto este ano.

Os três comissários desportivos parecem ter sido escolhidos a dedo para a missão de controlar o comportamento dos pilotos nos três treinos livres, na sessão de classificação e ao longo das 58 voltas da corrida no novo traçado da pista árabe. Os três se enquadram no que bem podemos chamar de linha-dura.

A começar pelo australiano Garry Connelly, o mais experiente deles, nesse trabalho para a FIA desde 1989, e nas mais distintas competições, rali, carros de turismo e F1. É quase um comissário fixo, pois está presente em muitas etapas do calendário. Já expressou não apreciar o estilo agressivo demais de Max.

Foi um dos que votou, domingo, pelas duas punições ao piloto holandês no GP da Arábia Saudita: 5 segundos por ter levado Hamilton a sair da pista na curva 1, na 37ª volta, de um total de 50, a fim de evitar o choque entre ambos na luta pelo primeiro lugar, e 10 segundos por, na passagem seguinte, frear no instante em que cedia a liderança para o piloto da Mercedes, exatamente pela manobra ilegal de defesa de posição pouco antes.

Outro comissário da 22ª etapa do campeonato é o alemão Felix Holter, líder da classe no ultradisputado Campeonato Alemão de Turismo, mais conhecido como DTM, membro do grupo internacional da FIA desde 2018. Ele promove cursos de formação de comissários desportivos. Também tem fama de não ser condescendente com pilotos que tenham reações extremas nas lutas com seus adversários.

Apesar de o texto do regulamento da FIA sobre ultrapassagens permitir interpretações diferentes, tanto Connelly quanto Holter têm histórico de serem rigorosos nas análises e interpretações do comportamento dos pilotos.

Regras deverão ser revistas

O candidato com maiores chances de assumir a presidência da FIA, na eleição do dia 17, em Paris, o inglês Graham Stoker, atual secretário geral da entidade, já disse que as regras sobre o que é permitido aos pilotos fazer e não fazer nas disputas de posição serão simplificadas, “a fim de melhor compreensão dos fãs”. Tomara seja mesmo assim.

Há ainda o comissário local, Mohamed Alhashmi, na área desde 2009, sempre presente como representante das confederações árabes nos GPs não somente de Abu Dhabi como do Barein. A FIA o homenageou por seu trabalho na melhoria da segurança estradal dos Emirados Árabes Unidos, em 2017. Ele administra, ainda, cursos de formação de comissários.

Para auxiliar no julgamento de eventuais casos de transgressão das regras, a FIA convidou como piloto-consultor do GP de Abu Dhabi o experiente Derek Warwick, 67 anos, com 162 GPs de F1 no currículo, de 1981 a 1993, tendo pilotado para Toleman, Renault, Brabham, Arrows, Lotus e Footwork.

Já exerceu a função em várias ocasiões. O piloto-consultor não vota, apenas opina. As decisões cabem aos três comissários que as encaminham para o diretor de prova, o cada vez mais criticado Michael Masi, 42 anos, da Austrália.

Michael Masi, diretor de provas da FIA (Divulgação/Fórmula1.com)

Em casos extremos, destituir o campeão

Outro sinal de que a FIA vai estar ainda mais atenta a tudo o que acontecer no Circuito Yas Marina, no seu comunicado distribuído às equipes, nesta quarta-feira, Masi lembrou a prerrogativa da entidade de, acredite, tirar pontos dos pilotos e das equipes nos casos de desrespeito ao estabelecido pelos regulamentos, esportivo e técnico. É mais um alerta de que o campeão de 2021 deverá sair de uma disputa limpa.

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Eu me lembro com grande clareza de uma conversa com Max Mosley, então presidente da FIA, no distante ano de 1997, em Jerez de la Frontera. Havia um grupo de jornalistas ao seu redor, horas depois da bandeirada. Estava lá.

Você se lembra do que aconteceu? Como já havia sido realizado o GP da Espanha, sexto do calendário, e havia espaço para mais uma prova de F1 no país, a 17ª e última foi disputada na pista da Andaluzia, com o nome de GP da Europa.

Max e Lewis duelam pelo título da F1 em 2021 - F1

Jacques Villeneuve, da Williams-Renault, se apresentou com 77 pontos na classificação, um a menos do sedento por títulos para a Ferrari, Michael Schumacher. Não eram campeões desde 1979. Na 48ª volta de um total de 69, Villeneuve colocou o carro por dentro na curva 6, no fim de uma reta, para tentar ultrapassar Michael Schumacher e assumir a liderança. Terminar na frente do alemão lhe garantiria o título.

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Schumacher não teve dúvida e repetiu a manobra de 1994, com Damon Hill, da Williams-Renault, em Adelaide, última etapa: jogou o carro deliberadamente no de Villeneuve para que ambos abandonassem. O seu ponto a mais no campeonato, 78 a 77, lhe permitiria ser campeão pela primeira vez com a Ferrari, terceiro título na carreira.

Só que dessa vez as coisas não fluíram como o planejado. Em Adelaide deu certo, em Jerez, Schumacher acabou na caixa de brita. O terceiro lugar de Villeneuve lhe deu o mundial.

Mensagem clara da FIA

Eu dizia de Mosley. Não vou recordar exatamente suas palavras, até porque conversou informalmente conosco. Mas disse-nos que a exclusão do título de vice-campeão de Schumacher, decidida por ele, apesar de parecer apenas simbólica tinha como principal objetivo passar uma mensagem. “Não mais é permitido ser campeão na F1 colocando o adversário com menos pontos para fora da pista, como vimos acontecer várias vezes no passado. Se isso acontecer, nós simplesmente lhe tiramos o título.”

Ele se referia à edição de 1989 da F1, quando em Suzuka Alain Prost provocou o choque com Ayrton Senna, na chicane, para gerar o abandono de ambos, pilotos da McLaren-Honda. E o troco de Senna, na curva 1 de Suzuka, no ano seguinte, com ele ainda na McLaren-Honda e Prost, Ferrari. Prost foi campeão em 1989 e Senna, 1990.

O atual presidente, ainda, da FIA, Jean Todt, apesar de ser em 1997 diretor geral da Ferrari, defende hoje a postura assumida por Mosley naquele ano.

Você reparou quantos filtros estão presentes na empolgante luta entre Max e Hamilton, Red Bull-Honda e Mercedes, no GP de Abu Dhabi? Comissários e piloto-consultor amantes da disputa sem controvérsias, experientes, o diretor de prova instruindo a todos dos direitos da FIA, sobre alterar a classificação, retirando pontos, e o histórico da entidade de colocar no passado distante ações ilegais deliberadas de pilotos para garantir a conquista do título.

Tudo isso para desestimular qualquer tentativa como a de Max, domingo, no GP da Arábia Saudita, no temível Circuito de Jeddah. Na 37ª volta, Hamilton tentou ultrapassá-lo na curva 1, para assumir a liderança, mas o holandês obrigou o piloto da Mercedes a ir para a área de escape a fim de evitar o choque entre ambos, como mencionei.

Holandês surpreendeu

Masi orientou o diretor esportivo da Red Bull-Honda, Jonathan Wheatley, no rádio, a pedir a Max para ceder o primeiro lugar a Hamilton, caso contrário encaminharia o ocorrido para os comissários. Ao ouvir seu diretor, Max reduziu a velocidade antes da freada da 27ª e última curva, esperou o piloto da Mercedes se aproximar e freou, fez o brake test, como o vídeo abaixo atesta:

O objetivo era provocar um acidente, levando-os a, por exemplo, abandonar a corrida, o que permitiria a Max estar agora em Abu Dhabi com os oito pontos a mais que tinha na classificação. Não deu certo também. Hamilton venceu, fez a melhor volta e Max recebeu a bandeirada em segundo.

Até a prova saudita, Max havia sido duro, sim, nas disputas com os adversários, mas nunca desleal. No meu entendimento, essa foi a primeira vez que procurou tirar Hamilton da pista de propósito. Muitos não esperavam reação semelhante.

Os dois pilotos mais espetaculares da temporada têm, como citado, o mesmo número de pontos, 369,5, mas o da Red Bull-Honda conta com uma vantagem que pode ser decisiva, dependendo do que acontecer no Circuito Yas Marina: obteve nove vitórias no ano diante de oito de Hamilton. Se os dois não marcarem pontos, Max fica com o título, por esse ser o primeiro critério de desempate.

Essa questão ajuda a explicar as muitas medidas tomadas pela FIA para evitar de uma edição tão especial do mundial de pilotos e construtores de F1 terminar sem respeito àquilo que a entidade mais procura observar, razão mesmo de sua existência secular: a lisura da disputa.

Como possuem a mesma pontuação, quem chegar na frente do outro, entre os dez primeiros, celebra o título. O primeiro de Max, o oitavo de Hamilton.

Os treinos livres começam nesta sexta-feira, às 6h30, com transmissão ao vivo pelo Bandsports. Boa definição do campeonato para todos nós!

Opinião

O que penso que dará? Não fico em cima do muro, você sabe, mas vejo Max e Hamilton com 50% de chances cada um, sem favoritos, apesar de a dupla Hamilton-Mercedes vir de três vitórias seguidas nas três últimas etapas do calendário, em São Paulo, no Catar e na Arábia Saudita.

O importante é que seja com Max ou Hamilton o título ficará com os melhores pilotos, destacados, do campeonato, haja vista que o terceiro colocado, Valtteri Bottas, companheiro do inglês, soma 218 pontos, ou 151,5 a menos dos líderes.

Mais: Mercedes e Red Bull-Honda se mostraram muito mais eficientes que a terceira colocada, Ferrari, como atestam os números. Os alemães, da equipe de Hamilton, lideram com 587,5 pontos, seguidos pelo time austríaco de Max, 559,5, enquanto os italianos somam 307,5, ou 280 a menos da Mercedes. Falta bem pouco para a Mercedes vencer seu oitavo mundial de construtores seguido. É reconfortante ver que tanto o mundial de pilotos quanto o de construtores ficarão com os melhores, de fato.

Abraços.

Livio Oricchio

Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.