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Nem todos se deram conta, mas Max tem um match point no próximo GP, na Arábia Saudita

Livio Oricchio

Max Verstappen com o troféu de segundo lugar no GP do Catar - Foto: Twitter Max Verstappen
Max Verstappen com o troféu de segundo lugar no GP do Catar - Foto: Twitter Max Verstappen

Olá, amigos.

O que mais me impressionou na corrida deste domingo, na estreia do GP do Catar no calendário da F1, não foi a vitória de Lewis Hamilton, da Mercedes, mas como a obteve. O piloto inglês manteve o primeiro lugar na largada, pois era o pole position, e em nenhum instante das 57 voltas da prova Max Verstappen, da Red Bull-Honda, chegou sequer perto. Fiquei com a nítida impressão de que Hamilton correu com reservas.

A diferença entre ambos na classificação, agora, ficou em somente 8 pontos, 351,5 a 343,5, restando os GPs da Arábia Saudita, dia 5, no preocupante Circuito de Jeddah, explico a seguir, e de Abu Dhabi, no Circuito Yas Marina, de traçado modificado, 12.

Mas apesar de Hamilton vir de duas convincentes vitórias nas duas últimas etapas do campeonato, poucos se deram conta de que Max tem chance matemática de ser campeão já na próxima corrida do mundial, algo não possível ao inglês, ao menos em Jeddah. No fim do texto apresento as combinações de resultados que garantem a esse notável piloto de 24 anos a conquista do título em menos de duas semanas.

A resignação de Max quanto ao melhor ritmo do modelo W12 de Hamilton em relação ao seu RB16B-Honda, no Circuito de Losail, ficou evidente na 28ª volta, metade da competição, quando não escondeu o que sentia ao compreender não ser possível reduzir a diferença que os separavam naquele instante, 6 segundos e 980 milésimos: “Aparentemente vamos chegar em segundo, não há muito o que fazer”, afirmou o holandês ao time, no rádio.

Max largou em sétimo, apesar do segundo tempo na definição do grid, no sábado, por não diminuir a velocidade sob duas bandeiras amarelas agitadas em razão de o carro de Pierre Gasly, da Alpha Tauri-Honda, estar parado na pista no final do Q3.

Avançou rápido na classificação

Mas já na quinta volta Max assumiu o segundo lugar, depois de ultrapassar os cinco pilotos à sua frente no grid, Valtteri Bottas, Mercedes, sexto, também punido por não respeitar a bandeira amarela, Carlos Sainz Júnior, Ferrari, quinto, Lando Norris, McLaren-Mercedes, quarto, Fernando Alonso, Alpine, terceiro, e Gasly, segundo.

Completou a quinta volta 3s791 atrás de Hamilton, sempre líder. Quando muitos pensaram que talvez pudesse se aproximar do concorrente ao título – dentre eles, eu - eis que o piloto da Mercedes começou a ampliar a diferença entre ambos. Na décima volta, por exemplo, já era de 5s536. Na 16ª, uma antes do primeiro pit stop de Max, 8s258. Na 43ª uma depois da segunda parada de Hamilton, sendo que Max fez o segundo pit stop na passagem anterior, a vantagem do inglês era de 8s447.

O traçado do Circuito de Losail sugeria não provocar uma diferença grande de performance entre Mercedes e Red Bull-Honda, com seus 5.380 metros, 16 curvas, sendo o último setor dotado de curvas longas e rápidas, cenário ideal para a maior eficiência aerodinâmica média do carro da equipe austríaca. Não foi definitivamente o que vimos.

E nem utilizou todos os recursos

E o que talvez esteja preocupando ainda mais Max, seu engenheiro, Gianpiero Lambiase, e Toyoharu Tanabe, diretor técnico da Honda, é que Hamilton não disputou o GP do Catar com a temida unidade motriz usada pela primeira vez em Interlagos.

Os seus cavalos a mais tiveram boa responsabilidade na impressionante velocidade final de Hamilton nas retas, uma das razões de as muitas ultrapassagens realizadas na sprint race do sábado e depois na prova principal, no domingo, terem sido na freada do S do Senna, após longo trecho de 1.100 metros de aceleração plena. Sem que com isso, por favor, Hamilton não tenha todos os méritos pelas façanhas de Interlagos.

Lembra? Largou em último no sábado, punido pelo DRS abrir 0,2 mm mais do autorizado, e chegou em quinto, numa corrida de somente meia hora, 29 voltas. E ao longo das 71 volta da competição principal, no domingo, saiu do décimo lugar no grid para ultrapassar Max, então líder na 59ª volta, e vencer espetacularmente o GP de São Paulo.

Pista árabe preocupa

Circuito de Jeddah, na Arábia Saudita - Foto: F1

Mencionei haver apreensão quanto ao Circuito de Jeddah. Primeiro pelo andamento das obras. As informações que obtive através da troca de mensagens com um amigo da Formula One Management (FOM) são de que o concluído será suficiente para a realização da prova.

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Mas o que mais preocupa é a característica do traçado, ultraveloz, e, claro, sua segurança. Isso porque, como já escrevi em outro texto, a média horária sinalizada nas simulações nessa pista de 6.174 metros, 27 curvas, é de 252 km/h, só perde para Monza. A pole de Bottas no último GP da Itália, com 1min19s555, teve a média de 262,1 km/h.

Hora da verdade para as unidades motrizes

Entre a curva 13 e a 27 do Circuito de Jeddah, uma antes da linha de chegada, são cerca de 3 mil metros de pé no fundo. Os pilotos vão reduzir a velocidade, pouco e não muito, somente nas curvas 16 e 22. Haja unidade motriz para suportar tamanha solicitação! É a prova de fogo para essas verdadeiras obras primas da engenharia automotiva.

Atente: a vida útil da unidade motriz da maioria dos pilotos está perto do fim e tem de encarar, agora, esse megadesafio. O GP da Arábia Saudita será o 21º do calendário.

Pessoalmente acredito que mais de uma equipe terá piloto punido no grid por recorrer a uma nova unidade motriz, além do limite de três por piloto para todo o campeonato.

Vi fotos do circuito e ratifico a primeira impressão: é perigoso. As velocidades são elevadíssimas, perto dos 350 km/h, e as áreas de escape são pequenas ou quase inexistentes em alguns pontos, em especial nas retas. No caso de choque do piloto contra o muro a tendência é de o carro voltar para o meio da pista, onde outros se deslocam nas velocidades mencionadas.

O problema é que estamos falando de uma quase reta de três quilômetros. Lindo, legal, diferente, necessário, mas com áreas de escape dos dois lados, não como vimos nas fotos. Torçamos para tudo correr bem.

A matemática do título

No começo falei que fiz os cálculos da matemática do título. O estudo trabalha com números, nada mais, não considera, por exemplo, que a vantagem técnica neste momento sugere estar com a Mercedes, já que Hamilton vem de ser primeiro em São Paulo e no Catar e com ritmo melhor que o de Max.

Vamos às combinações de resultados que definem o vencedor da temporada dia 5 no Circuito de Jeddah.

Primeiro, apenas Max tem chances – pequenas, é verdade -de sacramentar a conquista do campeonato no próximo evento do calendário. Hamilton, não. Mesmo que vença, faça a melhor volta e Max não some ponto algum.

Mais: para Max ser campeão, precisa necessariamente terminar o GP da Arábia Saudita em primeiro ou segundo. Irá depender, a seguir, da colocação de Hamilton. Se Max for de terceiro para baixo a definição do campeonato se estende para a corrida final, mesmo que Hamilton não faça pontos. Você entenderá melhor a seguir.

Hipótese 1

Max será campeão no GP da Arábia Saudita se vencer, estabelecer a melhor volta da corrida e Hamilton receber a bandeirada no máximo na sexta colocação. Entenda:

O primeiro lugar e a melhor volta dariam 26 pontos a Max (25 + 1), que somados aos atuais 351,5 o levariam a 377,5. Se Hamilton terminar em sexto, ganha 8 pontos. Adicionados aos 343,5 de hoje atingiria 351,5. A diferença entre a pontuação de Max e a de Hamilton, nesta hipótese, seria de 26 pontos (377,5 – 351,5).

Espera aí, você pode pensar, Hamilton pode somar 26 pontos na última etapa, em Abu Dhabi, caso Max abandone, por exemplo, levando os dois pilotos a um empate no número de pontos, 377,5.

Importante: aí entrariam em jogo os critérios de desempate. O primeiro deles é o número de vitórias do piloto no campeonato. Hoje, depois de 20 etapas, Max tem 9 vitórias diante de 7 de Hamilton. Por esse critério, portanto, Max seria declarado campeão do mundo.

Hipótese 2

Max será campeão se vencer o GP da Arábia Saudita e não fizer a melhor volta desde que Hamilton se classifique no máximo em sétimo, podendo ser com ou sem a melhor volta. Entenda:

A vitória daria 25 pontos a Max, levando-o a 376,5 (351,5 + 25). Se Hamilton terminar em sétimo, recebe 6 pontos. Se somados aos seus atuais 343,5 chegaria a 349,5.

A diferença para Max seria de 27 pontos (376,5 – 349,5). Um a mais do que o piloto da Mercedes tem como obter em Abu Dhabi.

Pódio do GP do Catar - Foto: F1

Se Hamilton terminar em sexto e ainda fizer a volta mais rápida, ganha mais um ponto e atinge 350,5 (343,5 + 6 + 1). Neste caso a diferença para Max que venceu, mas não fez a melhor volta, iria para 26 pontos (376,5 – 350,5).

Vale a mesma explicação da hipótese 1: Max fica com o título porque Hamilton poderia no máximo igualar seu número de pontos no GP de encerramento do campeonato, uma semana mais tarde, e perderia por ter menos vitórias.

Hipótese 3

Max pode ainda ser campeão se chegar em segundo no GP da Arábia Saudita e estabelecer a melhor volta, desde que Hamilton não vá além do décimo lugar. Max somaria 18 pontos da segunda colocação e 1 da melhor volta, 19 no total. Ficaria com 370,5 (351,5+18+1).

Já Hamilton com 1 ponto da décima colocação chegaria a 344,5 (343,5 + 1). A diferença entre os dois pilotos seria de 26 pontos (370,5 – 344,5).

Se Max for segundo e não fizer a melhor volta, Hamilton não pode marcar pontos. O holandês levaria os 18 pontos do segundo lugar para ficar com 369,5 (351,5 + 18). Hamilton já tem 343,5 e não somaria nada na Arábia Saudita, por, digamos, abandonar a prova.

A diferença de Max para Hamilton seria de 26 pontos (369,5 – 343,5).

Citei que se Max receber a bandeirada em qualquer outra posição que não seja o primeiro ou o segundo lugar não há como matematicamente o título ser decidido em Jeddah. Veja: se Max for terceiro, soma 15 pontos, e ainda registrar a volta mais rápida, recebe mais 1 ponto. Seu total passaria para 367,5 (351,5+15+1).

Hamilton já tem 343,5. Se não somasse ponto algum, a diferença para Max seria de 24 pontos (367,5 – 343,5), ou dois a menos do possível ainda de o piloto inglês obter em Abu Dhabi.

Já aconteceu, este ano, alguma combinação de resultados como as necessárias, agora, para Max ser campeão? Sim, uma vez, no GP de Mônaco, com todas as suas particularidades. Max venceu e Hamilton não foi além do sétimo lugar, apesar de ter feito a melhor volta. Hamilton e seu engenheiro, Peter Bonnington, se perderam no acerto do carro, conforme assumiram depois. Mas Mônaco é Mônaco, sabemos.

Opinião

Para Max celebrar seu primeiro título mundial no GP da Arábia Saudita será preciso ocorrer alguma inconveniência com Hamilton, como uma pane no equipamento ou mesmo envolver-se em um acidente. Em condições normais, é bem pouco provável Hamilton ficar distante do pódio, por exemplo, se levarmos em conta o seu histórico no ano. Venceu sete vezes, foi segundo também em sete ocasiões e uma em terceiro.

Verstappen e Hamilton - Foto: F1

A velocidade do modelo W12 da Mercedes em Interlagos e no Circuito de Losail nos dois últimos domingos, associada às características do traçado de Jeddah, alta velocidade, nos leva a crer que Hamilton se apresenta para o GP da Arábia Saudita em uma condição de vantagem técnica na luta com Max.

A lógica sugere que há mais possibilidades de Hamilton reduzir a diferença de oito pontos existente hoje entre ambos do que Max conquistar o título. Mas, como sempre escrevo, a lógica da F1 é exatamente a ausência de lógica.

Dessa forma, tudo mesmo pode acontecer ao longo das absolutamente imprevisíveis 50 voltas do GP da Arábia Saudita, diante da singularidade da competição e do estágio de desgaste da maioria das unidades motrizes instaladas nos carros.

Abraços, amigos.

Livio Oricchio

Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.