Quando a política esquerdista alemã Sahra Wagenknecht anunciou em 2023 que fundaria seu próprio partido, comentou-se que quem tinha mais motivos para se preocupar era a populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD). As eleições legislativas europeia deste domingo (09/06) serão o primeiro grande teste para essa teoria.
Para diversos analistas, a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) ocupa uma posição ímpar no cenário político alemã: esquerdista em assuntos econômicos, porém mais próxima da extrema direita em questões como imigração e diversidade de gênero. Numa coletiva de imprensa em Berlim, no fim de abril, a protagonista explicou seu próprio fenômeno, numa típica combinação de termos precisos, porém simples.
"Está claro que temos um governo muito impopular. A economia alemã está em crise [...] temos tido inflação acima da média, e os partidos do governo perderam seriamente popularidade. E isso, é claro, fortaleceu muito a AfD e a extrema direita do espectro político."
A decisão de Wagenknecht de se separar da legenda A Esquerda, da qual já foi líder de bancada parlamentar, esfacelou a representação do partido no Bundestag, e talvez tenha destruído suas chances de ser uma força política significativa no futuro: dez de seus 38 deputados federais desertaram para a BSW. Wagenknecht diz que precisava seguir adiante porque o velho partido socialista "não estava mais chegando até a quem está insatisfeito e quer uma alternativa séria".
Ela admite que está pescando nas mesmas águas que os populistas de direita: "Nós acreditamos, e muitas consultas também demonstraram, que grande parte dos eleitores da AfD são eleitores por protesto. Não são ultradireitistas, não sustentam as posições radicais de direita [...] eles sentem que não estão sendo escutados. E não estão: não é só um sentimento, é a verdade."
Pedra no sapato do A Esquerda – e da AfD
Embora descarte formar uma coalizão com a extrema direita, Wagenknecht partilha algumas visões políticas com a AfD: sua sigla se opõe à exportação de armas para a Ucrânia e às sanções contra a Rússia, e quer desmilitarizar a União Europeia e remover as armas nucleares dos Estados Unidos do continente.
A BSW reivindica, ainda, uma solução diplomática para a Ucrânia – embora sua fundadora seja vaga à forma que poderá ter tal solução, uma vez que a agressora Rússia tem demonstrado pouca inclinação a participar de negociações de paz.
Na coletiva de imprensa, Wagenknecht propôs que o Ocidente se comprometa a suspender os envios de armamentos para Kiev, se Moscou concordasse com um cessar-fogo imediato – o que provavelmente forçaria os ucranianos a cederem os territórios invadidos.
Nos últimos anos, é possível que nenhuma personagem política tenha sido tão incômoda na Alemanha quanto Sahra Wagenknecht, tanto para seus aliados como para os adversários. Bem antes de abandonar A Esquerda, ela se tornara uma pedra no sapato para seus correligionários, cansados da atenção midiática em torno dela e de seu desprezo pela disciplina partidária.
Por diversas vezes, criticou a liderança da legenda por fazer o jogo dos que ela denomina "esquerdistas de lifestyle", cujas políticas de inclusão de comunidades marginalizadas estariam, por sua vez, marginalizando o eleitorado tradicional, sobretudo as classes operárias do Leste Alemão.
E é justamente nessa parte do país – pertencente de 1949 a 1990 à comunista República Democrática Alemã (RDA) –, que Wagenknecht se tornou mais popular. Uma pesquisa de opinião realizada em maio no estado da Turíngia pelo instituto Insa apontou, por exemplo, 16% de popularidade para a BSW, bem acima da média nacional de 7%.
Segundo o deputado federal da BSW Christian Leye, isso provaria que Wagenknecht é o maior temor da AfD no panorama político alemão. "Com razão, muita gente acha que o governo não vem adotando medidas no interesse dos trabalhadores. Tudo está ficando cada vez mais caro, a guerra e as sanções impulsionaram a inflação, e a infraestrutura pública está em péssimo estado", queixa-se o ex-presidente estadual do A Esquerda.
Conservadora no social, socialista na economia
Essa análise é confirmada pela pós-doutoranda em ciências políticas Sarah Wagner, da Universidade de Mannheim: seu estudo sobre a ascensão de Sahra Wagenknecht mostrou que a popularidade dela compete com a dos líderes da AfD, mesmo entre os próprios eleitores do partido ultradireitista.
"Estamos vendo que a questão da imigração está muito fortemente associada a Wagenknecht. No entanto, o potencial dela não se limita aos críticos da imigração: ela está também recebendo apoio de gente que é, no geral, conservadora. Por exemplo: críticos da proteção do clima ou opositores dos direitos das comunidades LGBTQI."
Segundo Wagner, grande parte dos atuais adeptos da AfD não são especialmente engajados, portanto podem ser conquistados: "São eleitores insatisfeitos com a democracia, conservadores e – embora muitos não se sintam necessariamente bem votando para a AfD – eles não veem outro partido em que possam votar."
Para certos analistas, Wagenknecht está oferecendo algo que nunca se viu antes no país: valores sociais conservadores aliados a valores econômicos socialistas. "Não se sabe exatamente quantos cidadãos se alinham com os valores conservadores de esquerda, mas dá para dizer que é um grupo significativo", observa Wagner.
A melhor analogia para a BSW no campo internacional talvez seja o Partido Socialista (SP) da Holanda, que adotou uma linha mais dura em relação à imigração; ou o Partido Comunista da Grécia (KKE), que votou contra a proposta de institucionalizar o casamento homossexual.
A guinada de Wagenknecht é também significativa para sua carreira política: nascida em 1969 em Jena, Turíngia, de mãe alemã e pai iraniano, ela passou praticamente toda vida no partido atualmente chamado A Esquerda – desde sua versão original, o comunista Partido Socialista Unitário da Alemanha (SED), que governava a RDA.
Já há quem projete o provável plano de batalha de Sahra Wagenknecht: à candidatura às eleições europeias deste domingo, se seguirão, no terceiro trimestre, campanhas em plena escala em três estados do Leste: Brandemburgo, Saxônia e Turíngia. Seu sucesso ou fracasso talvez venha a ditar muito do futuro político da Alemanha.
Autor: Ben Knight