O recente pedido de prisão do candidato da oposição à presidência da Venezuela, Edmundo González Urrutia, sepultou as dúvidas remanescentes sobre a legitimidade democrática das eleições realizadas em 28 de julho, afirmou à DW um dos coordenadores da Aliança Progressista, plataforma que reúne 145 partidos e organizações de esquerda e centro-esquerda de todo mundo.
O pedido de prisão de González, feito pelo Ministério Público a um tribunal especializado em crimes de terrorismo, mostra que Maduro "insistiu no caminho de desconsiderar o voto popular, (...) fraudando resultados eleitorais e envolvendo distintos poderes da República nessa farsa", afirma Esteban Paulón, deputado federal da Argentina pelo Partido Socialista e coordenador da Aliança Progressista nas Américas.
A Aliança Progressista foi criada em 2013 por iniciativa de diversos partidos, com impulso especial do Partido Social Democrata alemão (SPD), que consideravam que a Internacional Socialista – tradicional aliança de partidos de esquerda e trabalhista – dava guarida a legendas não comprometidas com a democracia e tinha uma estrutura resistente a mudanças. O secretariado da Aliança Progressista é sediado em Berlim.
Entre os partidos que integram a aliança, estão três legendas venezuelanas que se opõe a Maduro, o PT e PSB do Brasil, a maioria dos partidos social-democratas europeus e o Partido Democrata dos Estados Unidos.
DW: Como avalia a ordem de prisão contra Edmundo González?
Esteban Paulón: Pouco mais de um mês após as eleições na Venezuela, as dúvidas sobre confiabilidade do sistema eleitoral, transparência dos resultados, correto escrutínio e respeito ao voto popular se transformaram na certeza de que nada disso esteve presente.
O governo de Nicolás Maduro insistiu no caminho de desconsiderar o voto popular, fraudando resultados eleitorais e envolvendo distintos poderes da República nessa farsa – o que é da maior gravidade, porque implicou inclusive o Tribunal Superior de Justiça nessa manobra.
Isso é gravíssimo. A comunidade internacional já expressou claramente que não crê nos resultados das eleições e não vai convalidar o governo de Maduro, que reforçou a perseguição contra a oposição. A recente ordem de prisão contra o presidente eleito Edmundo González é um fato novo muito grave na escalada antidemocrática na Venezuela, e a comunidade internacional não pode ficar indiferente a isso.
É uma violação do respeito à vontade popular que gerou um precedente muito grave para a região e colocou o país em uma armadilha. Será muito difícil sair dela e recuperar a paz sem que, primeiro, se restaure a confiança e a a garantias constitucionais e os resultado eleitoral seja respeitado pelo próprio governo.
A Aliança Progressista divulgou nota pública em 1º de agosto expressando preocupação com a eleição venezuelana e pedindo a publicação dos resultados, mas até agora os boletins de urna não foram divulgados. Como vocês avaliam isso?
Muitos de nós acreditamos que, ainda que os boletins fossem divulgados hoje, isso não seria crível. O que estamos ouvindo de nossos parceiros na Venezuela é que há uma situação muito complicada e uma tensão crescente. Haverá mais mobilizações populares, e muitas pessoas já foram detidas. Vários países já reconheceram o triunfo de Edmundo González, e seguiremos em escalada de violência. Não vejo Maduro reconhecendo sua derrota e o governo insistirá em reivindicar vitória, mas ele não tem credibilidade nacional nem internacional.
Como foi a articulação na Aliança Progressista para se posicionar sobre a Venezuela?
A nossa prioridade foi chegar a uma nota que contemplasse nossos membros venezuelanos, que são três partidos opositores a Maduro: o Movimento Socialismo, a Avanzada Progressista e o Cambiemos. Para nós, o marco geral é o respeito à vontade popular e o questionamento da falta de transparência e da violência com a qual o processo eleitoral foi conduzido. O governo tem a obrigação de garantir uma transição democrática pacífica. A nota representa toda a Aliança Progressista, mas o PT não participou da reunião na qual definimos o seu conteúdo.
O PT explicou por que não participou dessa reunião?
Eles têm duas linhas de trabalho no âmbito internacional, uma delas é mais próxima da Mônica Valente e do Foro de São Paulo, e outra é mais próxima da Aliança Progressista. O PT participa de algumas atividades da Aliança Progressista, mas não do cotidiano dela.
O principal momento da participação do PT na Aliança Progressista foi quando o Lula foi preso, pois a aliança liderou uma campanha internacional de apoio à libertação de Lula. Eles participaram mais ativamente nesse momento, e após a sua libertação não seguiram tão ativos.
O PT reconheceu a vitória de Maduro, mesmo sendo membro da Aliança Progressista.
Isso foi no partido. O Lula, como presidente do Brasil, foi muito mais cauteloso. O partido tem um vínculo mais próximo com o chavismo, eles são membros do Foro de São Paulo. O mesmo aconteceu em relação à Nicarágua quando o Ortega foi reeleito. Tivemos uma reunião [com o PT] para perguntar o que eles iriam fazer sobre o Ortega, pois era uma preocupação da nossa rede e de muitos países democráticos. Eles disseram que compartilhavam da preocupação, mas que estavam agindo nos bastidores para não expor Ortega porque seria pior – porém o regime foi ficando cada vez mais duro e o PT segue o reconhecendo. São posições muito tradicionais na esquerda, [na linha] "como é um dos nossos, não podemos questionar". Talvez com a Venezuela aconteça o mesmo.
Como surgiu a Aliança Progressista?
O impulso veio do SPD e de outros partidos, que em 2013 concluíram que a Internacional Socialista tinha uma estrutura muito complicada para representar a esquerda democrática e progressista no nível internacional.
Nos final dos anos 80, a Internacional Socialista passou a ser coordenada por Luis Ayala [secretário-geral da Internacional Socialista de 1989 a 2022], um militante chileno que foi refugiado político na época de [do ditador Augusto] Pinochet. Ele montou uma estrutura muito burocrática e fechada, que se sustentava principalmente com os votos de partidos da África. Nesse período, ele incorporou muitos partidos que comandavam ditaduras, não eram democráticos.
Houve um questionamento muito forte, que não conseguimos resolver pela via democrática, então muitos de nós decidimos fundar a Aliança Progressista, que hoje tem 145 integrantes. Temos o apoio inclusive do Partido Socialista Europeu [que reúne partidos sociais-democratas e trabalhistas de países europeus].
Meu partido também participou do Foro de São Paulo, que no princípio foi muito interessante para os partidos do Sul Global, mas depois assumiram posições radicais para sustentar determinados processos que não podemos acompanhar, como por exemplo na Nicarágua. Um dos partidos da Aliança Progressista é o Unamos, que reúne ex-sandinistas que estão na resistência, no exílio. A Nicarágua não é uma democracia.
Como a Aliança Progressista vê a defesa da democracia eleitoral na esquerda?
Defendemos a democracia eleitoral e vigência dos direitos humanos sempre, não só quando nossos amigos não estão no governo – costuma haver muito padrão duplo no tema de direitos humanos. Estamos convencidos de que a democracia é a via da paz e de que o diálogo político é o caminho para a construção de uma sociedade melhor, progressista e moderna. Também temos um compromisso com o meio ambiente e com direitos LGBT e à igualdade de gênero.
Autor: Bruno Lupion