Adeus a Neymar

O que quer um discípulo de Cristo na ditadura da Arábia Saudita? Neymar representa como ninguém a perversão do futebol moderno explorado por regimes opressivos. Ele nunca seguiu critérios esportivos, mas sim financeiros

Por Deutsche Welle

Neymar Jr. é um grande jogador de futebol, mas um homem pequeno. A decisão dele de jogar no calor do deserto da Arábia Saudita é o desfecho lógico de sua carreira, que não será lembrada por qualquer sucesso desportivo, mas por suas aventuras dentro e fora do campo.

De Pelé, por exemplo, existem fotos icônicas. Ele dribla, marca gols, torce, ergue troféus no ar. As imagens que ficarão de Neymar são: suas intermináveis quedas durante a Copa do Mundo de 2014 no Brasil; Neymar com relógios, roupas, carros e casas de luxo; Neymar usando uma faixa de Jesus na cabeça; Neymar fazendo campanha para a reeleição do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro; Neymar rindo com o líder saudita, que comanda uma ditadura retrógrada.

Neymar não será lembrado por títulos importantes. Porque além do título da Liga dos Campeões em 2015, ao lado de Lionel Messi e Luis Suárez no Barcelona, ele não ganhou nenhum outro. Teve ainda menos sucesso esportivo que outro grande incompleto do futebol brasileiro: Ronaldinho.

Assim como Ronaldinho, Neymar foi (e ainda é) um dos jogadores de futebol mais técnicos e astutos do mundo. Mas suas jogadas quase nunca tiveram impacto decisivo num jogo; sempre pareceram mais manobras circenses projetadas para serem reproduzidas milhões de vezes em vídeos curtos nas redes sociais para aumentar ainda mais o valor da marca Neymar. Em 2017 ele foi transferido do Barcelona para o Paris Saint-Germain por 222 milhões de euros, a maior quantia já paga por um jogador de futebol. Mas o investimento não rendeu: o PSG não ganhou a Liga dos Campeões.

Futebol, passatempo de bilionários

Neymar nunca amadureceu, sempre lhe faltou seriedade dentro e fora do campo. Aparentemente ele segue sob influência do pai, que o vê como uma máquina de fazer dinheiro. A trajetória de Neymar, portanto, nunca seguiu critérios esportivos, mas sim financeiros.

Como nenhum outro jogador de futebol, Neymar representa a perversão do futebol moderno megacomercializado, que se tornou um circo global que regimes antidemocráticos e opressivos – da Rússia à China, Catar à Arábia Saudita – exploram para melhorar sua imagem. O futebol, que já foi um esporte das classes operárias e mais baixas, tornou-se um passatempo de bilionários e um brinquedo de governos.

O fato de Neymar, assim como várias outras estrelas (Cristiano Ronaldo, Benzema, Firmino, Kanté, Mané, Henderson, Mendy, Mahrez), estar agora seguindo o chamado do dinheiro para a Arábia Saudita, não representa, portanto, uma ruptura em sua carreira, mas coerência.

É claro que se pode perguntar o que o suposto discípulo de Cristo, Neymar, está procurando em uma ditadura salafista-wahabista; mas isso basicamente só mostra que a fé evangélica de Neymar aparentemente também era apenas um artifício de marketing. O fato dele ter dito, após sua chegada a Riad, que "nunca foi por dinheiro", mas que seguiu seu coração, ressalta o grau de negligência moral. Mentira ou verdade? Não importa, o que importa são os negócios.

Garoto-propaganda de um regime criminoso

É inútil, portanto, tentar apelar para a consciência de Neymar e fazê-lo perceber que ele se tornou o garoto-propaganda de um regime criminoso. O estimado colega jornalista Jamil Chade escreveu uma carta a Neymar descrevendo as condições na Arábia Saudita: opressão das mulheres, perseguição da oposição, falta de liberdade pessoal, execuções, assassinato de um jornalista, a guerra no Iêmen. Acrescente a isso o recente relatório da Human Rights Watch sobre massacres de centenas de migrantes etíopes pelas forças de segurança sauditas.

É necessário continuar chamando a atenção para isso. Mas cobrar Neymar? O Ocidente ignora essas condições há décadas e financia o regime de Riad com petrodólares.

Neymar pode ter se dado conta de que não ganhará mais nenhum título importante. Uma vitória na Liga dos Campeões com o PSG lhe escapou por cinco anos. Um título da Copa do Mundo para a seleção legionária do Brasil em 2026 parece irrealista, especialmente por ser improvável que Neymar se desenvolva mais como jogador de futebol na Arábia Saudita.

Neymar poderia ter conquistado respeito e reconhecimento mundial se tivesse decidido publicamente não ir para o Al-Hilal, citando a falta de direitos humanos na Arábia Saudita. Isso teria dado à sua imagem uma reviravolta totalmente nova. Mas daí não teria sido Neymar.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Autor: Philipp Lichterbeck

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