Poucos minutos após a tentativa frustrada de atentado em Butler, Pensilvânia, corria mundo a foto do pré-candidato presidencial Donald Trump, de rosto sujo de sangue e punho em riste, diante da bandeira dos Estados Unidos. Desde então, muitos comparam essa imagem com os blecautes mentais do presidente Joe Biden.
Dois dias mais tarde, a convenção nacional do Partido Republicano formalizava em Milwaukee a candidatura de Trump, sob aplauso ensurdecedor. A impressão é que agora nada mais se interporá no caminho dele até a Casa Branca.
Isso é o que também creem – ou melhor, temem – muitos políticos alemães. Alguns não fazem segredo de sua aversão ao magnata nova-iorquino. O chanceler federal Olaf Scholz deixou bem a entender, na cúpula do G7 na Itália, em junho, que bem preferiria a continuação da presidência Biden.
O especialista em relações transatlânticas Dominik Tolksdorf, da Sociedade Alemã de Política Externa (DGAP), desaconselha esse tipo de tomada de partido pública: "Todo mundo sabe o que está em jogo, ao mesmo tempo os políticos alemães não têm qualquer influência sobre as eleições americanas. Eles devem estar preparados, mas é melhor conter a retórica anti-Trump."
Desencadeou ainda mais apreensão a nomeação de J.D. Vance como eventual vice-presidente. Por exemplo, em relação ao apoio à Ucrânia na guerra provocada pela Rússia: na Conferência de Segurança de Munique (CSM), em fevereiro, Vance "deixou bem claro quão rápido Trump e ele vão entregar a Ucrânia a Putin", comentou na rede social X a copresidente do Partido Verde alemão, Ricarda Lang. Num podcast, em 2022, ele dissera abertamente: "Na verdade, para mim tanto faz o que vai acontecer com a Ucrânia."
Falando à agência de notícia Reuters, o presidente da CSM, Christoph Heusgen, confirmou ser essa a posição de Vance: "No futuro, os EUA vão definir outras prioridades, a Europa precisa se ocupar da própria defesa e também retirar dos EUA a carga principal da assistência à Ucrânia."
Antecipando exigências americanas
Certas opiniões do senador do Ohio sobre a Alemanha seguramente desagradaram à maioria dos políticos locais. Além de criticar a suposta insuficiência dos esforços de defesa de Berlim, ele classificou a política de energia alemã como "idiota".
Numa entrevista, em fevereiro, Vance atribuiu a ascensão do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) a "uma resistência crescente à imigração em massa": as elites europeias simplesmente não estariam escutando os cidadãos simples. Assim como Trump, ele defende a imposição de uma taxa aduaneira geral, a fim de proteger a indústria americana. Essa taxação atingiria sobretudo a Alemanha, cuja economia depende das exportações.
O argumento de que a Alemanha e a Europa devem fazer mais pela própria defesa não é novo: já durante sua presidência, de 2016 a 2020, Trump o repetia incessantemente. E o programa aprovado agora em Milwaukee confirma: "Os republicanos vão fortalecer alianças assegurando que seus aliados cumpram seus deveres e invistam em nossa defesa conjunta."
"O problema é que hoje a Alemanha e a Europa são muito mais 'vulneráveis' do que em 2016", aponta Tolksdorf, "pois a Rússia não ameaça apenas a Ucrânia, mas toda a Europa, e esta continua sendo muito dependente dos EUA na política de segurança." A única vantagem é que agora os europeus sabem julgar Trump melhor do que em 2016.
"Mais convém o governo alemão estar pronto para um eventual cenário Trump, ampliando o apoio à Ucrânia e se preparando para, no futuro, ter que prestar muito mais assistência e se organizar ainda mais", aconselha o especialista em assuntos transatlânticos.
A Alemanha já deu partida a uma guinada, e está gastando consideravelmente mais com defesa – mesmo que seja por causa da ameaça russa. O chefe de governo Scholz deu mais um passo numa cúpula recente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), ao acordar com o Biden quanto ao estacionamento de armas americanas de longo alcance em solo alemão.
"Muitos dos sistemas armamentistas de que agora se trata já tinham sido iniciados justamente sob Trump", afirma Tim Thies, do Instituto de Pesquisa da Paz e Política de Segurança da Universidade de Hamburgo (IFSH), comentando o acordo. "Além disso, segundo o ministro da Defesa Boris Pistorius, a própria Alemanha deverá financiar o estacionamento. É quase como se Berlim estivesse antecipando eventuais exigências de um governo Trump."
Apesar de tudo, relações "mais ou menos construtivas"
Diversos políticos alemães se lembram com horror do primeiro mandato de Trump. Sua vitória eleitoral pegou a maioria de surpresa, que contava com a democrata Hillary Clinton como presidente. Um indicador de quão profunda era – e ainda é – o fosso separando o magnata e a política alemã, foi a declaração pouco diplomática do então ministro do Exterior e atual presidente Frank-Walter Steinmeier, definindo Trump como "pregador de ódio". Por sorte, este nunca chegou a fazer uma visita oficial à Alemanha.
Desta vez Berlim pretende estar mais bem preparado. O coordenador para relações transatlânticas do Ministério do Exterior, Michael Link, do partido neoliberal FDP, participa da convenção republicana em Milwaukee, assim como diversos representantes das bancadas parlamentares e o embaixador alemão em Washington.
"Vamos ter que trabalhar com todo e qualquer presidente, pois nas relações transatlânticas não se trata de preferências individuais, mas da constante central, inegociável, da política externa da República Federal da Alemanha", declarou Link à rede jornalística RND.
Por muito tempo os partidos da coalizão governamental – Social-Democrata (SPD), Verde e Liberal Democrático (FDP) – deixaram se arrastar os contatos com os republicanos dos EUA, pois as diferenças ideológicas são grandes demais. Agora, porém, políticos como o porta-voz para assuntos estrangeiros do SPD, Nils Schmid, voltam a atenção para esse relacionamento.
Em sua estada recente nos EUA, a ministra do Exterior alemã, a verde Annalena Baerbock, também visitou especificamente o Texas, sob governo republicano. Como disse numa entrevista, sua intenção é criar contatos em níveis estaduais ou municipais. Ao que tudo indica, o mais tardar agora o governo federal deu partida a um plano B.
Os líderes em Berlim continuam torcendo para que um democrata vença a eleição de 5 de novembro. Perante a debilidade de Biden, contudo, as dúvidas crescem, e o governo alemão começa a se preparar para o pior dos casos. O que um Trump 2.0 significaria para a Alemanha? Dominik Tolksdorf estima: "As relações esfriariam bastante, mas é preciso procurar meios de manter laços mais ou menos construtivos."
Autor: Christoph Hasselbach