A redução da taxa de juros básica no Brasil, a Selic, anunciada no início do mês pelo Banco Central, deve-se à queda da expectativa da inflação deste ano no país, mas se insere em um cenário mais amplo de flexibilização monetária na América Latina.
Uma semana antes da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) que reduziu a taxa para 13,25% ao ano, o Chile também reduziu a sua, para 10,25%. Outros países da região, como Uruguai e Costa Rica, também cortaram suas taxas, e há expectativa que Peru, Colômbia e México sigam a trilha nos próximos meses.
Enquanto isso, o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco Central dos Estados Unidos, o Fed, elevaram em julho as suas taxas básicas de juro, e cogitam novos aumentos nas próximas reuniões.
Um dos motivos desse descompasso é que o último ciclo de alta de taxas de juros na América Latina começou mais cedo, em 2021, do que nos Estados Unidos e na Europa, onde esse processo foi iniciado um ano depois. Por isso, a subida dos juros já teve resultado no controle da inflação, segundo economistas ouvidos pela DW.
Esse último ciclo de alta dos juros acompanhou a alta da inflação provocada pela desorganização das cadeias de suprimento na pandemia e pelo impacto da guerra na Ucrânia nos preços da energia e de commodities agrícolas.
Joan Domene, economista-chefe de América Latina da consultoria Oxford Economics, afirma à DW que os países da América Latina começaram antes a aumentar as taxas pois seus governos e sociedades têm experiências recentes com descontrole inflacionário, de modo que os bancos centrais da região geralmente são mais rápidos para reagir.
"Além disso, os mecanismos de transmissão [da taxa de juros para a inflação] são mais lentos e rasos devido à menor penetração financeira e alta informalidade, o que requer uma ação mais contundente do que em outros países", diz.
Ele menciona também que esforços de governos da região para adotar planos para buscar o equilíbrio nas contas públicas contribuíram para a redução da expectativa de inflação, e ajudaram os bancos centrais a reduzir ou considerar reduções nas suas taxas de juro.
No Brasil, o sinal mais importante nesse sentido foi a aprovação do novo arcabouço fiscal pelo Senado no final de junho – como os senadores fizeram mudanças no texto que havia passado pela Câmara, ainda falta uma última análise pelos deputados.
Efeitos no câmbio e riscos
O ciclo de alta nas taxas de juros beneficiou as moedas da América Latina, inclusive o real, que na primeira metade deste ano estiveram entre as mais valorizadas do mundo frente ao dólar.
Isso ocorre porque taxas de juros mais altas atraem capital estrangeiro, que compram títulos da dívida pública em busca de maior rentabilidade. Para comprar os títulos da dívida pública no Brasil, por exemplo, esses investidores precisam trocar seus dólares por reais, o que provoca esse efeito no câmbio.
Por outro lado, quando há queda da taxa de juros, os títulos da dívida pública se tornam menos atrativos para o capital estrangeiro, e o impacto no câmbio vai no caminho inverso. Após os recentes cortes em suas taxas de juros, as moedas do Brasil e do Chile desvalorizaram-se em relação ao dólar.
Ricardo Hammoud, professor de macroeconomia do Ibmec de São Paulo, diz que a tendência do câmbio dependerá da diferença entre a taxa de juros dos países da América Latina e a taxa de juros norte-americana. Atualmente, o Fed adota uma taxa de 5,25% a 5,50%. Analistas e dirigentes da autoridade americana já sugeriram que novas elevações da taxa são possíveis neste ano.
A alta da taxa de juros nos Estados Unidos torna os títulos da dívida daquele país mais interessantes para os investidores, reduzindo também a atratividade dos títulos de países latino-americanos – que têm risco maior. "Se o Fed subir mais a taxa de juros e o risco desses países aumentar, existe uma probabilidade que as moedas desses países se desvalorizem", diz.
Ernesto Revilla, economista para América Latina do banco Citi, avalia que os mercados, em geral, têm se comportado de forma estável, e que houve ampla comunicação do Fed e dos outros bancos centrais sobre suas ações.
Sobre a possibilidade de a inflação voltar a subir, o que pressionaria a taxa de juros, Revilla crê que isso pode acontecer se os preços das commodities avançarem novamente, como ocorreu com o petróleo nas últimas semanas ou se o El Niño se tornar mais forte em 2024 e empurrar os preços dos alimentos para cima.
Pressão política
As taxas de juros, que passaram dos dois dígitos em países como Brasil, Colômbia, Chile e México, foram alvo de críticas de políticos nos últimos meses.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu homólogo colombiano, Gustavo Petro, estiveram entre os dirigentes que questionaram publicamente as taxas de seus respectivos países.
Eles fizeram isso pois taxas de juros altas tendem a inibir o crescimento econômico. Tanto no Brasil como na Colômbia, os bancos centrais têm autonomia em relação ao governo – ou seja, os presidentes não conseguem interferir diretamente na definição das taxas.
Para Hammoud, esse tipo de pressão pública feita pelos presidentes prejudica a atuação dos bancos centrais, pois provocaria desconfiança nos mercados, forçando as autoridades monetárias a manter a taxa de juros mais alta por mais tempo. "O Banco Central fica entre a cruz e a espada, ou seja, se ele manter a taxa de juros elevada ele fica em confronto com o governo, e se ele reduz, ele perde a credibilidade. É um malefício para a economia", diz.
Argentina é principal exceção
No mundo, entre os países que compõem o G20, a Argentina lidera com os maiores juros nominais, seguida por Turquia, Brasil, Rússia e México.
Com uma taxa de juros de referência que passou de 97% para 118% nesta semana e inflação acima dos 100% ao ano, a Argentina aparece como a grande exceção da América Latina no cenário atual.
Santiago Manoukian, economista-chefe da consultoria local Ecolatina, não acredita em cortes nos juros argentinos neste ano, e avalia que, diante de um cenário de incertezas que envolve as eleições locais, novas altas das taxas podem ocorrer.
No entanto, ele diz que, ao contrário de outras economias, o aumento das taxas de juros na Argentina não produz tantos efeitos recessivos ou que punam o consumo ou a demanda por investimentos. "A profundidade do sistema financeiro na Argentina é muito pequena", diz.
Autor: Matheus Gouvea de Andrade