O presidente do Quênia, William Ruto, decidiu nesta quarta-feira (26/06) arquivar o controverso projeto de lei proposto por seu governo que previa aumentos de impostos, e que se tornou o estopim de violentos protestos que culminaram na invasão e depredação da sede do Parlamento por manifestantes.
"Eu desisto. Não assinarei o Projeto de Lei de Finanças de 2024. Será completamente retirado", disse Ruto em coletiva de imprensa na sede da Presidência, em Nairóbi, após os protestos mais violentos contra o governo queniano em décadas.
O presidente disse que ouviu "atentamente o povo do Quênia, que disse em voz alta que não quer ter nada a ver com o Projeto de Lei de Finanças de 2024". "O povo falou", disse Ruto ao defender uma "conversa sobre como gerir em conjunto os assuntos do país e a situação da dívida", assim como "um compromisso com os jovens".
A Assembleia Nacional (câmara baixa do Parlamento), onde a coligação de governo possui maioria, aprovou preliminarmente o projeto da reforma fiscal do governo nesta na terça-feira, com 195 votos a favor e 106 contra.
Repressão policial
A aprovação deixou a situação nas ruas de Nairóbi fora de controle. Milhares de manifestantes invadiram o Parlamento e incendiaram parte do edifício, o que provocou uma repressão brutal por parte das forças de segurança.
Os protestos iniciados na semana passada eram majoritariamente pacíficos. Ao contrário de atos anteriores contra o governo, muitas vezes violentos e conduzidos por líderes políticos, as manifestações deste mês foram convocadas por grupos de jovens.
A revolta contra o aumento de impostos e a insatisfação com a crise gerada pela alta no custo de vida incensaram os protestos e pegaram o governo de surpresa. Mas, enquanto o movimento crescia, aumentavam os distúrbios e os atos de violência na capital queniana, com as multidões investindo contra barricadas e entrando em confronto direto com os policiais.
As Forcas Armadas foram enviadas para dar apoio à polícia. ONGs em Nairobi disseram que as forças de segurança abriram fogo contra os manifestantes utilizando munições reais.
Mortos e feridos
"Após a aprovação, o país testemunhou uma expressão generalizada de descontentamento com o projeto de lei, infelizmente causando perda de vidas e destruição de propriedades e profanação de instituições constitucionais”, lamentou Ruto.
O presidente condenou o "ataque sem precedentes" e advertiu que não tolerará qualquer ameaça que represente um perigo existencial para o país. "Envio as minhas mais profundas condolências às famílias daqueles que perderam os seus entes queridos desta forma infeliz", disse o presidente. Ele, no entanto, apenas reconheceu as mortes de seis jovens nos distúrbios desta terça-feira.
Contudo, uma plataforma formada por 20 ONGs, incluindo a Anistia Internacional, denunciou nesta quarta-feira que pelo menos 23 pessoas foram mortas a tiros pela polícia nos protestos em várias cidades do Quênia, 14 delas em Nairóbi.
Oposição mantem protestos
As falas de Ruto não serviram para aplacar o ânimo dos manifestantes, que ainda exigem sua renúncia e prometem manter os protestos nas ruas.
O ex-vice-presidente e líder da oposição Kalonzo Musyoka afirmou em postagem no X que a retirada do projeto de lei não é suficiente e pediu a renúncia de Ruto. "Muitos quenianos morreram. Muitos sofreram ferimentos graves. Isso já vai além da Lei de Finanças", sublinhou.