O governo alemão apresentou nesta quarta-feira (23/08) seu projeto de reforma da lei de cidadania. O objetivo é facilitar o processo para que pessoas que moram na Alemanha obtenham a cidadania do país europeu e permitir o acúmulo de passaportes de diferentes países.
"Essa reforma mostra o compromisso com uma Alemanha moderna", disse a ministra do Interior, Nancy Faeser, a jornalistas em Berlim.
Ela ressaltou que a iniciativa está ligada à ampla revisão das normas de imigração da Alemanha para incentivar a vinda de trabalhadores qualificados de outros países, considerados essenciais para suprir a enorme escassez no mercado de trabalho do país europeu.
"Só atrairemos as pessoas mais qualificadas do mundo se elas puderem se tornar parte integral de nossa sociedade, com todos os direitos democráticos em um futuro próximo", disse Faeser.
A reforma vem sendo elaborada desde que a coalizão que governa o país, formada pelos partidos Social-Democrata (SPD), Verde e Liberal Democrático (FDP), assumiu o poder no final de 2021.
Estas são as principais mudanças:
- Os imigrantes que vivem legalmente na Alemanha poderão solicitar a cidadania após cinco anos no país, em vez dos atuais oito. Se demonstrarem uma integração excepcional, como no domínio do idioma, em atividades voluntárias ou no desempenho escolar ou profissional, o prazo poderá ser reduzido para três anos.
- As crianças nascidas na Alemanha de pelo menos um dos pais que esteja vivendo legalmente no país há cinco anos ou mais receberão automaticamente a cidadania alemã. Hoje esse prazo é de oito anos.
- Os imigrantes com mais de 67 anos de idade poderão ter seus conhecimentos do idioma alemão testados apenas por uma prova oral, sem a necessidade de uma prova escrita.
- Será permitido acumular a cidadania alemã com a de outros países.
Os imigrantes que dependem integralmente do apoio do Estado para viver não terão direito à cidadania alemã. O passaporte alemão também será negado a pessoas que tenham cometido crimes antissemitas, racistas, xenófobos ou outros crimes difamatórios que sejam considerados "inconciliáveis com o compromisso com a ordem básica democrática livre".
A nova legislação será agora debatida no Parlamento e poderá ser aprovada até o final do ano.
Múltiplas cidadanias
De acordo com o Ministério do Interior, cerca de 14% da população do país europeu não têm passaporte alemão, ou pouco mais de 12 milhões de pessoas. Cinco milhões delas moram na Alemanha há pelo menos 10 anos. Em 2022, 168.545 pessoas solicitaram a cidadania alemã, abaixo da média dos países da União Europeia (UE).
Até o momento, a dupla cidadania é possível na Alemanha apenas para cidadãos de outros países da UE e da Suíça, de países que não permitem que as pessoas renunciem à cidadania (como Irã, Afeganistão, Marrocos), filhos de pais com dupla cidadania alemã e de outro país, refugiados ameaçados de perseguição em seu país de origem e israelenses. Os sírios que vieram para a Alemanha como refugiados e são considerados bem integrados também podem ter acesso rápido à cidadania alemã.
A reforma alinhará as regras da Alemanha sobre o tema com as de outros países europeus. Na UE, a Suécia teve a maior taxa de naturalização em 2020, com 8,6% de todos os estrangeiros que vivem lá naturalizados. Na Alemanha, a taxa foi de 1,1%.
De acordo com o Departamento Federal Alemão de Estatísticas (Destatis), há cerca de 2,9 milhões de pessoas com mais de uma cidadania vivendo atualmente na Alemanha, ou cerca de 3,5% da população. Mas é provável que o número real seja maior, pois 69% dos novos cidadãos alemães mantiveram seu passaporte original. Pessoas com passaportes poloneses, russos ou turcos estão no topo da lista.
Oposição às mudanças
O partido de oposição União Democrata Cristã (CDU), de centro-direita, que bloqueou reformas semelhantes no passado, é contra as mudanças. "A cidadania alemã é algo muito precioso e devemos tratá-la com muito cuidado", disse o líder da CDU, Friedrich Merz, à emissora pública ARD quando o primeiro esboço do projeto foi apresentado, em dezembro de 2022.
O partido de ultradireita e anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD) é radicalmente contra as mudanças. "No momento em que dois terços dos alemães não querem que a naturalização seja simplificada, um 'saldão da cidadania' tem como objetivo apenas encobrir a falta de integração e 'falsificar' as estatísticas", disse o deputado Gottfried Curio, da AfD, durante um debate parlamentar em maio de 2023.
Para muitos, reforma chega tarde
A discussão sobre a reforma da lei da cidadania é antiga. Marc Young, que relata estar morando na Alemanha há 20 anos, diz que há muito cansou de acompanhar o debate político sobre o tema.
"No passado, eu teria sido o cidadão alemão mais entusiasmado que você poderia imaginar", disse à DW. "Mas me recusei a abrir mão do meu passaporte americano. Manter sua antiga cidadania não significa que você dividiu sua lealdade, como muitos alemães conservadores afirmam. Ela apenas reflete quem você realmente é. Mudar isso já passou da hora."
"A lei de cidadania alemã baseia-se no princípio de evitar múltiplas cidadanias", disse Greta Agustini, uma advogada alemã especializada em imigração, à DW em dezembro. "Outros países europeus, como Itália, Suécia, Irlanda, França, etc., permitem a dupla cidadania e têm leis menos burocráticas nessa questão."
Muitos dos clientes de Agustini estavam enfrentando dificuldades para encontrar uma maneira de obter a cidadania alemã. "Eles se recusam a abrir mão da cidadania de seu país de origem, mas também querem obter a cidadania alemã", disse.
Comunidade turca é a mais impactada
O grupo que mais sentiu os efeitos das leis de cidadania da Alemanha foi a comunidade turca, composta por muitas pessoas que imigraram na última vez em que o país europeu precisou de um grande contingente de trabalhadores, na década de 1960.
Naquela época, a Alemanha Ocidental, que crescia rapidamente, assinou acordos com vários países para recrutar "trabalhadores convidados", principalmente para trabalhos braçais no setor industrial. A maioria veio da Turquia, e estima-se que hoje 3 milhões de pessoas de origem turca vivam na Alemanha, 1,45 milhão das quais ainda têm cidadania turca.
Aslihan Yesilkaya-Yurtbay, co-líder da organização da Comunidade Turca na Alemanha (TGD), disse que as reformas chegaram "tarde demais" para muitos daquela primeira geração, "mas antes tarde do que nunca".
"Para a geração de trabalhadores convidados, essa reforma significa reconhecimento e respeito por suas vidas e seu trabalho neste país e para este país", disse Yesilkaya-Yurtbay à DW. "Muitos turcos da segunda e terceira geração se sentirão fortalecidos com isso, pois sempre tiveram um dilema de identidade."
"Muitas pessoas esperaram por isso e talvez tenham perdido a esperança", disse ela. "E se isso realmente acontecer, acho que muitos se tornarão alemães."
Yesilkaya-Yurtbay acredita que a Alemanha seria um país diferente hoje se a reforma tivesse sido implementada antes. "As pessoas teriam se identificado mais com a Alemanha se essa possibilidade tivesse existido", explicou. "Tenho certeza de que as pessoas teriam se interessado mais politicamente e seriam mais ativas na sociedade se essa oportunidade tivesse existido há 20 ou 30 anos."
Marc Young afirma que sua experiência pessoal lhe deu uma "pequena noção" do que as pessoas com raízes turcas tiveram que suportar por décadas. Ele afirmou que teve filhos alemães e não tem intenção de deixar o país, e que provavelmente pedirá a cidadania alemã quando as reformas fossem aprovadas – mas com outra motivação.
"Ainda solicitaria se a Alemanha permitir a dupla cidadania, mas veria isso hoje de forma muito mais pragmática", disse. "Paguei meus impostos e um dia serei um aposentado alemão, quer o líder da CDU, Friedrich Merz, goste ou não. Talvez isso mude quando eu me tornar alemão, mas no momento, para mim, o desabrochar da rosa teutônica não existe mais."
Autor: Ben Knight