Astro brasileiro do violoncelo, Antônio Meneses morre aos 66 anos

Poucos instrumentistas brasileiros alcançaram seu renome internacional. Do alto do primeiro escalão da música erudita, violoncelista nascido em Recife permaneceu um professor generoso e ser humano afável.

Por Deutsche Welle

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Morreu na manhã deste sábado (03/08), na Basileia, Suíça, o renomado músico brasileiro Antônio Meneses. Ele tinha 66 anos e tratava um câncer.

No início de julho de 2024, seus representantes haviam divulgado um comunicado anunciando o cancelamento de sua agenda de concertos e o afastamento dos cargos de docência. Diagnosticado com glioblastoma multiforme, um tipo de tumor cerebral agressivo, ele se encontrava sob cuidados paliativos na Suíça, onde vivia há muitos anos com a família.

O panteão moderno dos violoncelistas é povoado por artistas transcendentais: Pablo Casals, Pierre Fournier, Jacqueline Dupré, Mstislav Rostropovich, János Starker, entre tantos outros. E ao lado deles está instalado, confortavelmente, um pernambucano: Antônio Meneses.

Uma prova? Entre tantos virtuoses do instrumento, de 1998 até a extinção do grupo, em 2008, foi ele o escolhido para dar continuidade a uma das formações camerísticas mais conceituadas do mundo, o Beaux Arts Trio, ao lado do fundador, pianista Menahem Pressler, e do violinista Yung Uck Kim (mais tarde Daniel Hope).

É mesmo possível que, entre todos os instrumentistas eruditos brasileiros que alcançaram renome internacional nos séculos 20 e 21, o gabarito de Meneses só seja comparável ao do pianista Nelson Freire – aliás, um de seus tantos parceiros ilustres na música de câmara.

"Tocar bem é comunicar"

Antônio nasceu em Recife em 23 de agosto de 1957. Já em seu primeiro ano de vida, o pai, João Gerônimo, foi contratado como primeiro trompista da Orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e os Meneses se mudaram para lá.

Aos dez anos, "Toinho" (seu apelido de infância) começa a estudar violoncelo. A escolha talvez não tenha sido inteiramente espontânea: o pai "proibia piano" na casa, relataria numa entrevista: "Dizia: 'Já tem pianista demais no mundo, tem que tocar outros instrumentos'".

Aos 16 anos conhece o violoncelista italiano Antonio Janigro, então em turnê pela América do Sul, que o convida para ser seu aluno em Düsseldorf e mais tarde em Stuttgart. Já em 1977 faz sua estreia internacional, tocando em Washington a Fantasia para violoncelo e orquestra do brasileiro Heitor Villa-Lobos.

No mesmo ano vence em Munique o Concurso Internacional de Música da emissora ARD. E em 1982 cabe-lhe uma distinção rara: primeiro prêmio e medalha de ouro do conceituado Concurso Tchaikovsky de Moscou.

Pressões paternas à parte, numa Conversa de Intervalo do canal da Sala Cecília Meireles no YouTube, Meneses revelou ligações profundas com o instrumento eleito. Indagado sobre a tão propalada proximidade do timbre do violoncelo com o da voz, revelou: "Eu costumo dizer que nada pode se comparar à voz humana, que é o instrumento mais maravilhoso, mais perfeito que existe."

E talvez esteja aí o segredo do jeito menesiano de fazer música: tocar como quem canta, cantar como quem fala. Na mesma entrevista, ele comentou sobre a versão instrumental de seis canções de Johannes Brahms, que ia apresentar: "Essas transcrições foram feitas durante a vida dele, Brahms deve ter sabido delas. Quem fez isso viu que elas são perfeitas para o violoncelo, realmente: o instrumento canta... só falta eu dizer também o texto!"

O virtuose já abordara essa relação entre música e mensagem numa entrevista de 2010 ao Correio Braziliense: "Tocar bem é comunicar. Quando você tenta demais ser bom, você está se concentrando em ser bom, enquanto o que o público espera é comunicação. O público se emociona com a comunicação."

Um who's who da música erudita

A partir da vitória no Concurso Tchaikovsky, a carreira de Meneses não conhece fronteiras. Enumerar suas parcerias musicais é quase fazer um who's who exaustivo da elite da música erudita de quatro décadas.

Citem-se apenas as pianistas Maria João Pires e Cristina Ortiz; violinistas Anne-Sophie Mutter e Maxim Vengerov; quartetos Belcea e Vermeer; maestros Claudio Abbado, Charles Dutoit, Mariss Jansons, Isaac Karabtchevsky, Herbert von Karajan, André Previn, Christian Thielemann, regendo as orquestras Concertgebouw de Amsterdam; filarmônicas de Berlim, Moscou, Nova York; sinfônicas de São Paulo, Londres, Viena e da BBC, ou das rádios alemãs BR e WDR.

Com vários desses parceiros – e muitos outros – Meneses ergueu uma discografia extensa, tanto em gravadoras poderosas – Deutsche Gramophon, EMI/Angel, Bis, Naxos – como em selos independentes.

Enquanto instrumento clássico de tradição secular, o violoncelo ostenta um repertório nuclear que nenhum virtuose que se preze pode se recusar a explorar, possivelmente por diversas vezes e de perspectivas diferentes, ao longo de toda a vida.

No topo desse Olimpo estão, indiscutivelmente, as Seis suítes para violoncelo solo de Johann Sebastian Bach. Aí há as duas sonatas e o Concerto duplo de Johannes Brahms, as obras com acompanhamento de piano de Schubert, Beethoven, Schumann, os concertos de Joseph Haydn, Edward Elgar, os dois de Villa-Lobos – o qual, aliás, tinha o violoncelo entre seus instrumentos favoritos.

Galgar todos esses Everests não lhe bastava, porém: o incansável Meneses desbravou, no palco ou em estúdio. numerosas obras menos populares – Alfredo Piatti, David Popper, Eugen d'Albert, Federico Ghedini – e até inéditas.

"É a vida, e que bom"

Ainda assim, lá pelos anos 2000 Meneses detectou uma lacuna importante em seu repertório: os compositores contemporâneos de seu país. Na mesma Conversa de Intervalo de agosto de 2022, fez um mea culpa:

"Eu passei um grande período da minha vida praticamente sem tocar música brasileira, a não ser o Villa-Lobos. Aí um dia eu me dei conta que isso é um grande erro da minha parte, que eu deveria entrar em contato com os grandes compositores que nós temos e pedir para eles escreverem prelúdios para as Suítes de Bach."

Ele se referia às peças para violoncelo solo que encomendara a Almeida Prado, Edino Krieger, Marisa Resende, Ronaldo Miranda Marcos Padilla, e os também recifenses Marlos Nobre e Clóvis Pereira, apresentadas várias vezes em concerto e reunidas no CD Suítes Brasileiras, de 2009.

A intenção era "realizar um prolongamento, guardadas as proporções, da homenagem que Villa-Lobos fizera a Bach nas Bachianas Brasileiras". E "daí nunca mais parou", pois Meneses seguiu ampliando o repertório para seu instrumento com encomendas a seus compatriotas contemporâneos.

Paralelamente a sua agenda de festivais, turnês, recitais e concertos, Meneses manteve intensa atividade didática. Radicado na Suíça, de 2008 a 2024 lecionou no Conservatório de Berna. Porém sua ação se estendeu também a uma série de master-classes nas Américas, Europa e Japão.

Ainda na Sala Cecília Meireles, é com carinho e admiração que ele fala da nova geração de virtuoses que ajudava a formar: "Muitos alunos passaram pelas minhas mãos, mas eu estou muito contente com o fato de que nós temos agora violoncelistas jovens realmente magníficos."

Mesmo para quem não o conheceu, as entrevistas com Antônio Meneses deixam a impressão de um ser humano generoso, modesto, afável, sincero. É com simplicidade desarmante que comentava ao website Concerto.com.br, em 2022: "Eu não pensava tão longe quando era rapazola, mas é a vida, e que bom."

Assim, como se fosse aquele vizinho simpático, que sorri e dá "bom dia" a todo mundo. E no entanto, quem diria, era um que há décadas ocupava vaga cativa no panteão dos maiores músicos de todos os tempos.

Autor: Augusto Valente

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