Mais famosa, mais citada e mais frequentada, a mais Paulista das avenidas, talvez até a mais brasileira, por reunir o passado, presente e futuro, com seus acertos e defeitos, representando as nossas riquezas e desigualdades, a avenida Paulista está completando 130 anos nesta quarta-feira (8).
Imensa mata dos índios, lar da elite paulistana no começo do século 20 e palco dos protestos, da cultura e do lazer na virada do século 21, a Paulista já era grande quando não era nem avenida, já era elegante quando era apenas um projeto e será, para sempre, o coração de São Paulo.
Veja a linha do tempo da avenida Paulista e suas curiosidades:
Caaguaçu
Os índios já conheciam a avenida Paulista quando tudo era mato. E põe mato nisso. Todo o morro e o seu topo, por onde hoje corre a avenida, eram chamados pelos nativos de Caaguaçu, o que quer dizer “mata grande”. Uma parte bem pequena do que um dia foi essa floresta segue viva no parque Trianon. Muito perto do centro, onde nasceu a capital, o Caaguaçu também estava no caminho de antigas trilhas indígenas, que com o tempo foram sendo incorporadas pelos primeiros paulistanos, que faziam dali um local de passagem e travessia de bois.
Idealizador estrangeiro
O topo plano, a vegetação densa e os caminhos abertos propiciaram a formação de grandes chácaras na região ao longo do tempo. As propriedades foram passando de mão em mão até o fim do século 19, quando o engenheiro e jornalista uruguaio Joaquim Eugênio de Lima e seus sócios decidiram comprar todas aquelas terras. Ali eles projetaram a construção de uma grande e larga avenida, a primeira via planejada da capital e que já nasceu com o propósito de ser um elegante boulevard. Mesmo sem moradores, a Paulista já foi inaugurada com linha de bonde e depois ganhou ligações de luz, água e esgoto. Em 1909, se tornou a primeira via asfaltada da capital, com material importado.
Lar da elite
A Paulista foi inaugurada em 8 de dezembro de 1891, sem nenhuma construção em pé, mas com grandes lotes à venda, que logo seriam comprados pelos barões do café e prósperos comerciantes. Foram as mansões construídas para ser o lar dessas famílias, com arquitetura eclética e suntuosa, que deram a primeira cara da avenida Paulista: a dos grandes casarões.
Quando o progresso mudou de dono e a industrialização formou os novos ricos, os proprietários das grandes fábricas se mudaram para a Paulista, assumindo não só o poder, mas a moradia da antiga elite. Poucos exemplares da época dos casarões seguem preservados e lutam para sobreviver, como a Casa das Rosas, agora um centro cultural, e o Palacete Franco de Mello, de 1905, último remanescente do primeiro loteamento e que vai virar museu.
Com a Paulista, outras vias paralelas e transversais foram sendo abertas e batizadas em sua homenagem, como as alamedas Santos, Campinas, Tietê, Lorena, Itu... que representam cidades do estado de São Paulo.
Janela para o centro
Duplo retângulo verde da Paulista e herdeiro do Caaguaçu, o parque Trianon foi aberto em 1892. Do outro lado da calçada, em 1916, foi inaugurado um belvedere, que é a forma francesa de falar mirante. Mas esse era mais do que isso. Com seus salões para reuniões e festas, logo virou uma atração para a elite e os visitantes. O belvedere Trianon permitia enxergar do vale do Anhangabaú até a serra da Cantareira, seguindo os olhos pelo curso da atual avenida 9 de Julho, que na época era um córrego. Em 1968, esse terreno virou o Masp, que foi erguido sobre quatro pernas de concreto, dando origem ao seu famoso vão livre e conservando a grande janela da Paulista para o centro.
"Esse ardifício arto"
A capital incha com a industrialização e passa de 65 mil habitantes, em 1890, para 1,3 milhão, em 1940. Vem a verticalização e a avenida conhece seus primeiros prédios no fim dos anos 1930, que eram luxuosos, baixinhos e exclusivamente residenciais, como mandava a lei. O edifício Regina, na esquina com a avenida Brigadeiro Luiz Antônio, é um exemplar dessa época que segue de pé
Esse processo ganha força nas décadas seguintes, mas com mudanças: surgem os apartamentos menores, para a classe média, e com espaços comerciais. Esse impulso é dado pelo Conjunto Nacional, de 1956, que também antecipa a onda dos shoppings. É a partir dali que a Paulista mostra o seu talento para os negócios. A avenida ganha escritórios e vira sede de bancos, empresas e associações; passa a ser o local de trabalho de advogados e médicos; e movimenta a vida social, com restaurantes e cinemas.
Nova Paulista
A avenida entra nos anos 1960 e 1970 querendo crescer a todo custo. Os terrenos se valorizam e os casarões que restam, segundo conta a Associação Paulista Viva, viram alvos de uma ação que une vandalismo e demolição para arruinar as construções e impedir o seu tombamento pelo patrimônio histórico. Para alargar a via e a calçada, a prefeitura decide desapropriar o recuo dos prédios. É aqui que surge o projeto Nova Paulista, para ampliar a avenida e reorganizar o trânsito. Uma das versões previa separar o tráfego com uma pista local e outra expressa, que seria rebaixada e livre. O plano ficou pela metade, mas um pedaço dele virou o anel viário com o seu túnel semiaberto na ligação com a Consolação-Rebouças-Doutor Arnaldo.
Caminho subterrâneo
Ainda nos anos 1970, a população que trabalha na Paulista passa a superar em número a de moradores. A diferença cresce nos anos 1980, com o avanço do comércio, dos serviços e dos ambulantes. Embora previsto desde os tempos do Nova Paulista, o Metrô só chega em 1991, trazendo o seu poder de transportar multidões e ocupando o subterrâneo da Paulista. Esse era o único espaço ainda inexplorado diante da superfície tomada de gente e de veículos, e do céu, repleto de coberturas, antenas e helipontos.
Mais humana
Demandas que se tornaram mais urgentes no século 21, as reivindicações sobre o transporte alternativo e a ocupação dos espaços públicos atingiram em cheio a Paulista. Depois de muito protesto (de ciclistas favoráveis e motoristas contrários), a avenida ganhou uma ciclovia em 28 de junho de 2015. A data é importante porque foi também neste mesmo dia que a Paulista foi fechada para os carros e aberta ao público pela primeira vez, ainda como um evento-teste. Agora, todos os domingos, um mar de gente toma a avenida em busca de lazer e diversão, que ganhou mais expressão com a chegada de novos centros culturais. Essas mudanças vencidas no grito também consolidaram outra vocação da Paulista, a de palco de manifestações, que vão da Parada Gay à fúria dos black blocs, dos protestos de trabalhadores e estudantes aos atos políticos que têm polarizado o Brasil.
Outras curiosidades da Paulista
- 2,8 km de extensão tem a avenida Paulista, que vai da praça Marechal Cordeiro de Farias, em Higienópolis, até a praça Oswaldo Cruz, no Paraíso
- 9,8 mil pessoas moram na avenida Paulista
- 6,7 mil pedestres passam pela avenida Paulista a cada hora no período da manhã
- 1 em cada 10 furtos de celular na capital ocorre em algum ponto da avenida Paulista
- 4,8 mil veículos trafegam por hora nos dois sentidos no pico da tarde. A via também recebe 100 ônibus municipais por hora nas 35 linhas que passam pela Paulista 1
- 24 mil passageiros embarcaram diariamente na Brigadeiro, Trianon-Masp e Consolação, as três estações do Metrô na Paulista
- 95 edições da corrida de São Silvestre já foram realizadas. A mais tradicional prova do atletismo brasileiro, que fecha o calendário esportivo do país, em 31 de dezembro, tem a sua largada e chegada na Paulista, em frente à sede da Fundação Cásper Líbero