"Berlim é pobre, mas é sexy." O antigo slogan foi criado em 2003 pelo então prefeito Klaus Wowereit, que governou a capital da Alemanha entre 2001 e 2014 e foi um dos responsáveis por transformar Berlim em uma das cidades hypadas no mundo todo.
De lá para cá, muita coisa mudou: a cidade deixou de ser pobre e atrai investidores e especuladores. O preço dos aluguéis passou a subir vertiginosamente (eles praticamente dobraram na última década), a gentrificação faz com que muitas pessoas ou comerciantes tenham que mudar ou fechar as portas para que mais um café hipster seja inaugurado e torres gigantes de luxo são erguidas na orla do rio da nossa aldeia, o Spree. Turistas estão por todo lado, até nos bairros mais alternativos, como Kreuzberg, para desgosto dos residentes. Sim, os berlinenses são mal-humorados e muitos não gostam muito de turistas.
Mas o hype veio para ficar. Não tem jeito.
Prova disso: Berlim foi eleita a melhor cidade da Europa pela revista Time Out, que, com base nas opiniões de moradores, faz anualmente um levantamento das cidades mais legais do mundo. A nível global, a cidade ficou em terceiro lugar, atrás de Nova York e da Cidade do Cabo, respectivamente.
Como berlinense que adotou a cidade há quase dez anos (como li no livro Berlin, City of Exile, "todo mundo que mora em Berlim é de Berlim", portanto, um berlinense), preciso dizer que concordo.
Não conheço a Cidade do Cabo. Mas acho que Nova York e Berlim estão, sem dúvida, entre as cidades mais legais do mundo. Com a diferença de que eu jamais teria dinheiro para morar em Nova York, ou teria que me matar de trabalhar.
Ainda acessível e com ritmo lento
Explico: Berlim ainda é uma cidade relativamente barata quando comparada a outras capitais. É mais caro, por exemplo, ter uma vida confortável em São Paulo, pagando aluguel na zona central, mesmo com a conversão da moeda, do que em Berlim. E esse é um dos motivos que, acredito, fazem a minha cidade escolhida ser um dos lugares mais legais do mundo.
O ritmo da cidade ainda é mais lento do que em grandes metrópoles como São Paulo e Nova York. E, em geral, a ideia da maioria das pessoas não é se matar de trabalhar para ter uma bela carreira. Viver e ter tempo parece contar mais.
As pessoas não correm tropeçando pelas estações de metrô (que sim, funciona muito bem, pelo menos para padrões brasileiros). Agora, com o Deutschlandticket, que foi implantado em toda a Alemanha em maio do ano passado, podemos andar quantas vezes quisermos, inclusive em trens regionais por todo o país, pagando 49 euros por mês. E as estações não têm catraca. Claro, existem fiscais que aparecem de vez em quando e se você não pagar, vai ter que bancar uma multa alta.
Todos os bairros têm pelo menos um parque lindo e enorme, onde deitamos na grama, pessoas fazem esporte e trabalham em seus computadores. Sim, Berlim é uma cidade bastante segura, ainda mais para alguém que é carioca e morou 20 anos em São Paulo. Sabe o que vai acontecer se eu sentar com MacBook no parque do lado da minha casa? Nada. Ninguém vai nem me olhar. E isso é um dos outros encantos de Berlim. Você pode andar como quiser, fazer o que quiser. Ninguém liga.
Andar de noite na maioria dos parques não é perigoso. E no verão, diversos lagos, que ficam nos arredores da cidade, viram praias – há dezenas próprios para banho. Nos lagos, é possível, por exemplo, nadar pelado sem ninguém encher o saco.
Paraíso? No verão, andando de bicicleta no Schlachtensee, um dos lagos mais famosos, até acredito que sim.
Mas quando acaba o verão...
Mas pena que o verão só dura três meses, não é? Dito isso, Berlim pode até ser uma das três melhores capitais do mundo, mas não é um paraíso. É impossível não se deprimir com o cinza que toma conta da cidade a partir de novembro, quando escurece às 16h. Passamos cerca de quatro, cinco meses nesse desespero. Apenas com uns dias de sol aqui e acolá para nos consolar.
A grosseria das pessoas às vezes nos machuca de verdade. Sim, eu já saí do supermercado chorando depois de ser maltratada pela caixa. Algumas delas são muito bravas e não se importam de gritar com os clientes. Não é exagero. E é o jeito deles, o tal "Berliner Schnauze", literalmente "focinho berlinense", famoso em toda a Alemanha. Cada vez mais eu acho que eles se divertem brigando. Sério.
E o fato de ninguém olhar para ninguém ou ligar para o que os outros pensam é legal, mas também pode ser extremamente frio (em todos os sentidos). Raramente alguém vai te perguntar se está tudo bem se você estiver chorando na rua. E isso pode piorar o nosso ânimo, que já não anda lá essas coisas, no inverno quando, como diz a melhor banda indie da cidade, o Isolation Berlin (o nome não é coincidência): tudo é "cinza, cinza, cinza, frio, frio, frio".
E até o transporte, considerado tão maravilhoso mundo afora (Berlim foi eleita ano passado a cidade com melhor transporte público do mundo) nos deixa na mão. No momento, o S Bahn (os trens urbanos que conectam a zona central da cidade) praticamente não funcionam: um dia é greve, em outro dia, reparos. Até esqueci que eles existem. "Você será uma berlinense de verdade quando começar a reclamar do transporte público", me disse um alemão, quando eu, recém-chegada, era só elogios ao transporte da cidade. É verdade. Hoje, eu reclamo, como a maioria dos berlinenses, de tudo.
Por isso mesmo, preciso corrigir o ranking da Time Out, que diz, entre outras coisas, que um dos aspectos que faz Berlim ser uma das cidades mais legais do mundo é o fato dos berlinenses serem... simpáticos. Ok, eles até são, mas só às vezes.
Mas, apesar disso tudo, ainda te amo, Berlim. Você é, sim, um dos lugares mais legais do mundo.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
Autor: Nina Lemos