
Cenário econômico similar à gestão Dilma Rousseff (PT), possibilidade de recessão e quebra na confiança internacional com a disparada no endividamento público. Esses foram alguns cenários projetados para a economia no próximo ano, segundo especialistas ouvidos pela equipe de reportagem do Grupo Bandeirantes. Mesmo com bons índices econômicos obtidos pela equipe econômica na primeira metade da gestão Lula 3, a base para as criticas realizadas é o cenário econômico para os próximos dois anos: desaceleração na economia, disparada histórica do dólar, inflação acima da taxa de margem limite da meta e uma projeção de Selic próxima dos 14% no fim do próximo ano.
Em meio ao cenário incerto, como o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, com uma promessa de um governo protecionista, crises políticas na França e Alemanha e guerras pelo mundo. Isso tudo em um ano pré-eleitoral. A reportagem conversou com economistas para entender o que o Brasil pode esperar nos próximos meses, e se estamos no rumo de uma desaceleração ou possível recessão.
Economia fora do controle?
Essa foi a definição usada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central na última ata da reunião de dezembro, protagonizada pelo grupo. Nela, os diretores do Banco Central sustentam que houve uma deterioração nas condições para controle da inflação. Com isso, a taxa Selic deverá seguir uma trajetória ascendente nos primeiros meses de 2025.
O grupo ainda cita que o governo federal estimulou a economia além do necessário através de uma "política fiscal expansionista" e que o governo pecou no anúncio do pacote de corte de gastos.
Para o economista Igor Lucena, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, o método utilizado pelo governo federal para crescer nos últimos dois anos pode ser classificado como um "voo de galinha", já que não deverá se sustentar pelos próximos anos.
"É muito nítido que grande parte do crescimento vem do aumento do gasto público. […] PEC de Transição, pagamento dos precatórios, super-salários, aumento da dívida/PIB. O Brasil cresce se endividando. É preocupante, estamos gastando dinheiro que não tem", afirma.
"Cada vez que passa, nossa dívida fica mais cara. Quando pegamos nosso custo de dívida em razão a proporção do que gastamos no orçamento, já temos 5,5% e quase 6% do PIB, pagos com custo de dívida. Por outro lado, o Japão, que tem mais de 200% de relação entre dívida/PIB, paga só 0,5%", completou Lucena.
Para melhor compreensão do leitor, a relação dívida/PIB é uma conta realizada entre o total da dívida de um país dividido pelo Produto Interno Bruto. Ou seja, a equação mede a saúde financeira do Estado. A capacidade que um país tem de honrar seus compromissos e pagar as suas contas.
Já o ex-Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e ex-Diretor-Executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Felipe Salto, entende que o crescimento do PIB nestes dois anos foram influenciados pelos juros mais baixos, além do pagamento dos precatórios que estimularam a economia. Em dezembro de 2023, o governo federal pagou quase R$ 100 bilhões em precatórios.
"Entendo que o impulso fiscal já está menor, neste momento, o que persistirá em 2025. A política monetária mais apertada vai cuidar de promover uma redução do crescimento econômico no ano que vem, mas estimo que possa ainda crescer pouco acima de 2% em 2025", diz Salto.
Lula comparado a Dilma
No início de dezembro, um relatório do banco alemão Deutsche Bank realizou um paralelo entre o terceiro mandato de Lula com o segundo mandato de Dilma Rousseff, na área econômica.
De acordo com a instituição bancária, o Brasil é um dos países mais vulneráveis entre os emergentes e se prepara para enfrentar dificuldades no crescimento e reformas fiscais. O banco alemão ainda prevê que a dívida pública deve alcançar 90% do PIB até 2027.
"A estratégia do governo de expandir as transferências para a classe média gera riscos fiscais, maior inflação e moeda mais fraca. [...] O governo Lula tem sido uma combinação de políticas baseadas na demanda para aumentar a popularidade", afirma o banco alemão antes de considerar que 2025 deve ser o "crucial" para o rumo econômico do Brasil.
Já Igor Lucena pontua que há risco de recessão na economia brasileira para os próximos anos. No entendimento do economista, o Brasil já encontra sinais que pode indicar um possível tombo e retração do crescimento.
"Acho que a recessão poderá vir porque a taxa de juros vai ser muito grande [nos próximos meses]. O nível de necessidade de financiar a rolagem de dívida vai ser muito maior. Os próprios títulos públicos que estão sendo rolados estão com dificuldades para serem comprados no exterior", pontuou.
Salto, também economista-chefe da Warren Investimentos, discorda da avaliação do Deutsche Bank sobre uma possível comparação com o último governo de Dilma Rousseff. O economista afirma que a atual gestão de Fernando Haddad tem maior preocupação com a responsabilidade fiscal do que os políticos que participavam da gestão petista no período pré-impeachment.)
O que esperar de 2025?
Salto ressalta que são mínimas as chances de uma recessão na economia brasileira nos próximos anos. O economista entende que a disparada nos juros protagonizada pelo Banco Central será o suficiente para "jogar água fria na fervura" da inflação.
"Se o governo promover o ajuste fiscal prometido, o câmbio pode melhorar e teríamos uma chance de mudança no curso da política monetária mais para o final do ano que vem. Então, em 2026, poderíamos vislumbrar um quadro econômico melhor, novamente. Por ora, entendo que as estimativas em torno de 2% para 2025 estão bem calibradas", disse.
Já Igor Lucena diz que um dos principais fatores para a dificuldade da retomada de um crescimento sustentável e longevo é a revisão do arcabouço fiscal, já que a medida é "impossível de ser executada" dentro dos moldes atuais.
"Mesmo que se arrecade mais, o governo tem os gastos obrigatórios. Não pode arrecadar mais para poupar. A estrutura do arcabouço fiscal o torna impossível de seguir vivo nos próximos cinco anos. O que vamos assistir é um aumento do endividamento. Vimos na Argentina que quanto mais um país se endivida, pior será para recuperar. Vimos isso em 2016, com o impeachment [ de Dilma Rousseff]. Ninguém quer isso de novo", disse.
Tanto Salto quanto Lucena afirmam que é preciso reequilibrar a estrutura entre dívida/PIB. Para o primeiro, além das mudanças estruturais, o governo de Lula também deve se atentar em recuperar o prestígio e a confiança de que pode resolver problemas estruturais na economia.
"Para reequilibrar o endividamento é preciso voltar a produzir superávit primário [quando o governo consegue pagar todas as contas, com exceção do pagamento de juros, e 'sobra' dinheiro]. Não precisa e nem é possível fazer isso da noite para o dia, mas é fundamental convencer os agentes econômicos sobre a viabilidade de atingir essa meta maior em alguns anos. Daí a importância da credibilidade e da persistência e ampliação na frente das medidas de ajuste fiscal", alertou.