Esta quinta-feira (18) é marcada como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual. A data foi instituída após o caso do desaparecimento e morte da menina Araceli Cabrera Crespo, em maio de 1973, há exatos 50 anos.
Araceli foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada no Espírito Santo. Os acusados, dois homens de famílias influentes em Vitória, teriam deixado o corpo da menina em uma mata. Ela foi encontrada dias depois do desaparecimento, totalmente desfigurada. O caso teve tamanha repercussão que se tornou a data que marca o combate ao abuso e exploração sexual infantil.
Para Luciana Temer, presidente-diretora do Instituto Liberta, ONG que combate a violência sexual contra menores, a data serve para relembrar o tamanho da violência que Araceli sofreu.
Assista a entrevista com Luciana Temer
“A data serve para lembrar do tamanho dessa violência, que ela existe e que precisa ser discutida o ano inteiro. A gente ainda está enfrentando a impunidade, os estupradores e acho que vamos ter que enfrentar essa questão por muito tempo”, explica Luciana Temer.
Luciana também comenta sobre o trabalho do instituto, que auxilia a conscientizar sobre a questão da violência sexual contra menores. “O Instituto Liberta não lida com vítimas, a gente lida justamente com o processo de comunicação e conscientização sobre este problema”, diz. Confira a entrevista completa com Luciana Temer no vídeo acima, ou no link.
50 anos depois, violência sexual é rotina na vida de crianças e adolescentes
O combate ao abuso e violência sexual contra menores de idade enfrenta números alarmantes. Segundo o último balanço do Fórum Nacional de Segurança Pública, pelo menos quatro meninas com menos de 13 anos são estupradas por hora no Brasil. Para Luciana Temer, o assunto é pouco abordado e precisa de maior zelo da sociedade.
"São mais de quatro crianças com menos de 13 anos estupradas por hora no país. Como é que a gente não está falando disso o tempo todo?", questiona. Felipe Quintino, um dos autores do livro ‘O Caso Araceli - Mistérios, Abusos e Impunidade’, da Editora Alameda, lamenta que após 50 anos do crime, ainda há impunidade no país.
“A triste evidência é que os crimes seguem existindo e muitos deles terminam em impunidade. Acho que a ideia de que a Justiça, órgãos de proteção precisam se aprimorar, mas claro que as políticas melhoraram, mas é só o zelo, o compromisso e a responsabilidade de todos na proteção das crianças, estes crimes não aconteceriam”, afirma Quintino.
O repórter cita que o dado das quatro meninas estupradas por hora pode ser ainda mais grave. “Estima-se que apenas 10% desses casos chegam na delegacia, onde estão esses casos?”, pontua.
Caso Araceli se tornou livro
O crime bárbaro contra Araceli, arquivado pela Justiça após dezenas de reviravoltas, se tornou a data e livro que reconta o caso. Felipe Quintino diz que o livro “faz a relação com o presente, pela permanência das violências contra crianças e adolescentes no Brasil”.
"Contamos o passado, mas refletimos sobre o presente, com a continuidade das violências 50 anos depois", afirma Felipe Quintino.
O livro, escrito em parceria com Katilaine Chagas, traz todos os detalhes do crime, a investigação, a denúncia, a Justiça, as reviravoltas, até chegar ao arquivamento e a impunidade do caso. “Tivemos acesso ao processo judicial, fizemos mais de 50 entrevistas, várias pessoas ligadas ao judiciário, a família da Araceli também, para tentar contar esse enredo marcado por muitos dilemas e mistérios até hoje”, afirma.
Segundo Felipe Quintino, a apuração dos jornalistas traz erros da investigação e conta o caso a partir do processo e traz o contexto da época. “É preciso entender que o crime ocorreu em 1973, auge da ditadura militar, período em que ocorreram outras mortes de crianças. Mas o caso Araceli teve uma repercussão pela brutalidade que ela sofreu”, pontua.
O repórter conta que erros no caso também geraram uma dor maior para a família de Araceli. “O corpo de Araceli demorou três anos para sair do Instituto Médico Legal de Vitória. Então imagine, a dor de uma família durante três anos, esperando os restos mortais da criança”, afirma.
Para Quintino, o livro serve para resgatar o passado, já que ele perdeu a repercussão de 50 aos atrás. “O 18 de maio se tornou esse símbolo no Dia Nacional, foi uma lei criada em 2000 e desde então, várias instituições têm feito campanhas neste 18 de maio. Muitas vezes o caso não é lembrado, porque perde sua força, muitos desconhecem o crime, mas acredito que o livro vem para isso, resgatar o passado e entender o crime”, afirma.
“Dedicamos o livro à memória dela e esperamos que ele pode causar uma reflexão na sociedade”, completa Quintino.