No início de setembro, quando o tufão Haikui varreu partes do leste da Ásia, as colossais pás de 123 metros de uma turbina eólica giraram furiosamente na costa de Fujian, na China. Elas geraram eletricidade suficiente para abastecer cerca de 170 mil residências – o máximo já produzido em um único dia por uma turbina.
Quando entrou em operação no mês de junho, a turbina fabricada pela Goldwind era a maior do planeta. Poucas semanas depois, porém, ela foi superada por outra estrutura gigantesca, também construída na China. O segundo país mais populoso do mundo também abriga outros grandes projetos de energias renováveis, incluindo algumas das maiores usinas solares do mundo.
Mas os projetos de energia verde da China não são impressionantes apenas em termos de escala. O país também registrou um enorme crescimento na capacidade de energias renováveis nos últimos anos, disse Yan Qin, analista-chefe da Refinitiv, empresa fornecedora de dados do mercado financeiro.
Em 2022, quase metade da nova capacidade de energia solar, eólica e hidrelétrica do mundo foi implantada pela China, de acordo com a Agência Internacional de Energia.
"O setor de energia chinês se move de maneira muito veloz. O crescimento das energias renováveis é espetacular", disse à DW Yan Qin, que também é pesquisadora associada do Instituto Oxford de Estudos Energéticos.
Apesar de sua liderança global em energias renováveis, a China é o maior emissor mundial de gases de efeito estufa, em grande parte causados pela queima de combustíveis fósseis. Cerca de 81% de sua energia primária é proveniente de carvão, petróleo ou gás. Para se ter uma ideia, as emissões do país explodiram de cerca de 800 milhões de toneladas anuais em 1960 para 11,5 bilhões em 2021.
Portanto, neste momento em que os líderes mundiais se reúnem para a Conferência do Clima da ONU, em Dubai, com o objetivo de chegar a um acordo sobre metas climáticas mais ambiciosas e evitar assim os impactos indesejados do aquecimento global, será que tudo se resume ao que a China faz ou deixa de fazer?
China: Vilã ou visionária do clima?
De fato, a China emite atualmente mais CO2 do que qualquer outro país no mundo. Mas em termos históricos, o primeiro lugar ainda fica com os EUA, responsáveis por 17% das emissões que contribuíram para a crise climática desde 1850 – a China emitiu 12%. No comparativo per capita, as emissões também são muito menores no país asiático: 8,73 toneladas na China contra 14,24 toneladas nos EUA em 2021.
Para substituir o combustível fóssil, a China anunciou planos de expandir maciçamente suas fontes de energia renovável. Em novembro, durante uma reunião paralela à cúpula da APEC, o líder chinês, Xi Jinping, e o presidente dos EUA, Joe Biden, reafirmaram o compromisso de triplicar a capacidade de energia renovável em todo o mundo até 2030.
Pequim já superou algumas de suas metas de energia verde. A energia não fóssil, como a solar e a eólica, já representa mais da metade da capacidade total da China – meta anteriormente prevista só para 2025. Até lá, a nação asiática deverá dobrar sua capacidade solar e eólica, ultrapassando sua meta cinco anos antes do previsto, de acordo com um relatório da ONG Global Energy Monitor, sediada em São Francisco (EUA).
Por trás desta capacidade impressionante de construir rapidamente uma infraestrutura de energia limpa num período tão curto, estariam, sobretudo, políticas estatais favoráveis. A avaliação é de Li Shuo, novo diretor do China Climate Hub do think tank Asia Society Policy Institute. Para Li, a experiência chinesa tem muito a ensinar para os outros países.
O crescente setor de fabricação de energia solar da China, por exemplo, produz até 80% de todos os painéis solares do mundo. Isso foi responsável por uma redução significativa de custos em nível global, tornando a energia solar a fonte renovável mais barata em diversos países.
"A China é o maior investidor em manufatura, sendo também responsável pela implementação de algumas das tecnologias limpas mais importantes do mundo", disse Li à DW.
Carvão ainda em alta
Apesar do considerável impulso por trás da energia limpa, Li vê a China como ainda "fortemente viciada" nos combustíveis fósseis poluentes, necessários para alimentar uma economia de elevado consumo energético. O carvão, por exemplo, é responsável por cerca de 60% da geração de energia chinesa e mais de 50% do seu consumo energético, de acordo com dados do governo.
"Nós queimamos, na verdade, mais da metade do consumo global de carvão todos os anos", aponta Li. "O país só poderá ser um líder climático com uma revolução limpa se encontrar maneiras de se livrar de sua dependência do carvão."
Apesar da meta de atingir o pico de emissões de carbono até 2030, o país aprovou várias novas usinas elétricas movidas a carvão, até duas por semana em 2022 e na primeira metade de 2023. As autoridades de Pequim justificaram o aumento como uma forma de garantir a segurança energética em face da crise energética global. Hoje, a China possui suprimentos domésticos de carvão em abundância.
Anteriormente, o país havia prometido "reduzir gradualmente" o uso de carvão a partir de 2026. Porém, há alguns meses, o principal representante climático da China, Xie Zhenhua, disse que uma eliminação completa dos combustíveis fósseis seria irrealista se o país quisesse manter o crescimento econômico e garantir um suprimento de energia de reserva quando os ventos não estiverem tão favoráveis e o sol não estiver brilhando.
Paradoxalmente, o país precisa que o carvão se torne verde para realizar sua transição para a energia limpa, diz Lin Boqiang, professor do Instituto de Estudos de Política Energética da China, da Universidade de Xiamen.
"Sem o carvão, as energias renováveis simplesmente não conseguem avançar rapidamente, pois não é possível fornecer uma fonte estável que permita essa [transição energética]", explica.
Mas Lin afirma que, embora a matriz energética baseada no carvão esteja aumentando, a capacidade das renováveis tem crescido ainda mais rápido.
No primeiro semestre de 2023, foram licenciados 52 gigawatts de novas usinas movidas a carvão, em comparação com o crescimento de 129 gigawatts na capacidade solar somente neste ano.
Mas Li Shuo, do China Climate Hub, afirma que o custo ambiental da queima de carvão é imenso, sugerindo que, em vez de colocar novas usinas em operação, a China poderia estar economizando energia em outros lugares.
"E todos esses custos não são necessariamente levados em conta no setor de energia chinês. Devemos também aproveitar a eficiência energética deste país", disse Li.
Novas usinas de carvão incompatíveis com as metas climáticas
De acordo com o Carbon Brief, site britânico dedicado à cobertura de temas relacionados ao clima, as emissões de CO2 da China provavelmente cairão em 2024 devido ao "crescimento recorde na instalação de novas fontes de energia de baixo carbono". As emissões poderão cair ainda mais "se os interesses do carvão não conseguirem deter a expansão" das energias renováveis.
"A primeira coisa que precisamos fazer é não aprovar a construção de mais usinas elétricas movidas a carvão, e a segunda é encontrar maneiras de reduzir gradualmente nosso consumo de carvão", disse Li. "Espero que haja mais progresso nos próximos anos e que finalmente vejamos o pico das emissões chinesas."
Ainda assim, o sinal verde para novas usinas de carvão ainda pode representar um obstáculo para atingir a meta de Pequim de ser neutra em carbono e alcançar 80% de fontes de combustível não fóssil em sua matriz energética até 2060, analisa Li.
Mas Lin Boqiang está confiante de que a China está no rumo certo.
"Se observarmos o aumento de renováveis, tudo está no caminho certo. Mesmo que a sensação seja de [um progresso geral] um pouco lento, é um país em desenvolvimento, onde a demanda de energia ainda está crescendo", disse Lin.
Para Yan Qin, manter as expectativas baixas é uma tática chinesa para garantir o sucesso: "Essas [metas] não são tão ambiciosas, o que é mais ou menos o que a China costuma fazer – não definir padrões muitos altos e depois superá-los", analisa.
Autor: Chermaine Lee