Dias após a Rússia ter invadido a Ucrânia em grande escala, em 24 de fevereiro de 2022, o Ocidente impôs sanções rigorosas a Moscou, na esperança de cortar sua capacidade de financiar a guerra. As medidas, que se dirigiram a políticos e oligarcas, incluíram o congelamento de reservas em moeda estrangeira, limitação do acesso a tecnologia ocidental e exclusão de bancos russos do sistema internacional Swift de transações bancárias.
De início, a cotação da moeda russa, o rublo, despencou, e a economia russa minguou 1,2% em 2022. No ano seguinte, contudo, o crescimento econômico ultrapassou tanto o dos Estados Unidos quanto o da União Europeia, com 3,6%, e em 2024 o país está a caminho de outro ano forte.
Grande parte desse crescimento se deve ao comércio com a China, a qual agiu como contrapeso ao Ocidente, recusando-se a impor sanções e tornando-se um importante comprador da energia russa. Apesar das pressões americanas e europeias, ambas a nações aprofundaram sua aliança desde o começo da guerra na Ucrânia.
Putin em terceira viagem a Pequim; sanções avançam
Em 2023, o presidente chinês, Xi Jinping , chegou a falar de uma "nova era" para os laços entre a China e a Rússia. Seu homólogo russo, Vladimir Putin , iniciou visita a Pequim nesta quinta-feira (16/05), sua terceira no ano corrente, com o objetivo de fortalecer as relações. Ele estará ainda na 8ª Expo China-Rússia, na cidade de Harbin, no nordeste do país asiático.
"Para a Rússia, sitiada por sanções e isolamento global, a China é uma corda de salvamento vital para sua economia de guerra", observa Philipp Ivanov, fundador a consultor-chefe da empresa Geopolitical Risks + Strategy Practice. "A China é o destino principal do comércio de energia russo e grande fornecedora de equipamento e tecnologia críticas, os quais a Rússia não tem mais acesso no Ocidente."
À medida que as marcas europeias e americanas abandonaram o mercado russo, a fim de evitar sanções internacionais, Moscou intensificou a aquisição de mercadorias chinesas, de automóveis a smartphones. Esse aumento das importações ajudou a elevar para 240 bilhões de dólares o comércio bilateral em 2023, mais de 25% acima do ano anterior, segundo dados da alfândega chinesa.
Embora a Rússia tenha se transformado no principal fornecedor de petróleo bruto para a China, segundo certos analistas, foram as exportações de tecnologia as principais responsáveis pelo incremento do comércio bilateral. Afinal, os acordos energéticos com a China envolveram descontos consideráveis nos preços, depois de o Ocidente ter parado de confiar no petróleo e gás russos.
"A Rússia não teria suficientes caminhões, chips eletrônicos, drones ou bens intermediários sem a China, pois ela é o único país que exporta esses produtos para os russos, no momento", afirma Alicia García-Herrero, economista-chefe para a Ásia-Pacífico do banco de investimentos francês Natixis.
Muitos países temem as repercussões das sanções dos EUA e UE, porém, esse não é o caso da segunda maior economia do mundo. "Os pagamentos comerciais para a Rússia são feitos em remimbi [moeda nacional chinesa], através do sistema chinês de pagamentos internacionais [análogo ao Swift], então é mais difícil rastrear as transações", explica García-Herrero.
O sinal mais recente de que Washington está aumentando a pressão sobre a China foi a ordem executiva assinada pelo presidente Joe Biden em dezembro, permitindo sanções secundárias contra instituições bancárias estrangeiras que negociem com a máquina de guerra russa. Desse modo, o Departamento do Tesouro fica autorizado a isolá-los do sistema financeiro global baseado no dólar americano, deo qual todos os bancos dependem seriamente.
Mudança de curso chinesa improvável
Desde o começo de 2024, diversos bancos chineses suspenderam ou reduziram as transações com clientes russos, a fim de limitar o risco de serem atingidos pelas sanções. Negócios transnacionais estão sendo submetidos a checagens adicionais que podem durar vários meses, podendo arruinar os exportadores menores.
"Os EUA tiveram sucesso em impedir que os bancos chineses financiem exportações para a Rússia", afirma García-Herrero. "Agora é muito importante o país manter essa pressão; que as sanções incluam qualquer companhia que exporte para a Rússia também produtos de uso duplo [empregados tanto para fins militares quanto civis] e bancos que estejam financiando esses acordos."
Durante visita recente a Pequim, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, acusou a China de "alimentar" a máquina bélica russa, suprindo eletrônica, produtos químicos para munições e propulsores de foguetes. Ele acenou com novas medidas punitivas, caso sua maior concorrente não restrinja as exportações ligadas à defesa para a Rússia. Pequim tem rechaçado repetidamente as acusações.
Embora o governo chinês possa ser moderado ao descrever os laços com Moscou durante a visita de Putin, vai ser preciso mais persuasão até que a China reduza seu apoio econômico à Rússia. Ela própria está sujeita pelos americanos a sanções e a restrições às exportações, como parte da guerra comercial entre as duas potências.
Frisando que Moscou e Pequim estão "agindo de modo concertado para minar o sistema global atual", Ivanov afirma que a dupla está também ávida de "assegurar suas economias para o futuro", à medida que se desacopla do Ocidente, sob uma nova ordem geopolítica multipolar.
"A China não vai limitar dramaticamente seu apoio econômico, mas buscará canais mais velados para fornecê-lo, através de trânsito e transações por países terceiros, como já está acontecendo pelos da Ásia Central", completa o também fundador do Programa China-Ásia do Centro de Análise da China do Asia Society Policy Institute.
Autor: Nik Martin