Com Javier Milei, Argentina volta a ser uma opereta

Um tratamento de choque liberal faria até muito bem para a Argentina. Mas com esse palhaço de TV que se tornou presidente, um empreendimento tão audacioso fica ainda mais difícil.

Por Deutsche Welle

Com Javier Milei, a América Latina produziu novamente um personagem verdadeiramente esdrúxulo, cujas bizarrices fogem às regras até mesmo para os já elásticos padrões latino-americanos. Em menos de três anos, o economista com penteado do Wolverine, que vive com quatro cães clonados, saiu dos programas de entrevistas barulhentos tipo operetas para a Casa Rosada.

Na TV, ele podia filosofar animadamente sobre sexo tântrico, futebol e rock. E, além disso, soltar os cachorros na "casta parasitária" da política e dos negócios. Agora, em breve estará no comando de um país em crise permanente.

Suas receitas soam simples, como é de praxe para um populista: ele quer detonar o Banco Central e podar o Estado e suas instituições. Para isso, o fã de Mick Jagger viajou pelo país com uma jaqueta de couro e uma motosserra. Essas atuações são perfeitas para o TikTok e o Instagram. Como ele pretende implementar tudo isso está escrito nas estrelas.

Suas fantasias de destruição soam como vindas de um messias furioso que desceu à Terra vindo diretamente do Antigo Testamento. Ele até mesmo disse que venceu com "o poder do céu", como declarou na noite da eleição.

Queda por figuras messiânicas

Milei não é nenhuma novidade. Os argentinos têm uma queda por figuras de opereta com senso missionário messiânico. Che Guevara, Diego Maradona e Eva Perón são apenas alguns exemplos. Todas essas figuras tiveram um fim trágico, mas seguem vivas nos corações dos argentinos até hoje.

O que é novidade em Milei é sua autodenominação como libertário: ou seja, o Estado deve ser afastado da vida das pessoas, a liberdade do indivíduo está acima de tudo. Porém, como no caso de muitos políticos latino-americanos que abraçam a causa da liberdade, isso acaba rapidamente quando não se trata de economia, mas da vida pessoal dos outros.

Em especial das mulheres. Aí sim o Estado acredita que pode e deve interferir, por exemplo no planejamento familiar feminino. Uma das poucas coisas boas na Argentina nos últimos anos foi a legalização do aborto, por meio de uma legislação moderna. Agora Milei quer voltar no tempo.

Nesse aspecto, ele se assemelha a Jair Messias Bolsonaro, que também se tornou conhecido após participar de programas barulhentos de televisão. Milei convidou, ainda na noite da eleição, o ex-presidente brasileiro para ir à sua posse, em 10 de dezembro.

Dupla estranha

É uma dupla estranha que se forma. Milei esbraveja em seu país contra a "casta parasita" de políticos e empresas corruptas, com qual ele quer acabar, e tem em Bolsonaro um perfeito exemplo dessa casta.

Há décadas o clã Bolsonaro vive às custas dos contribuintes brasileiros, enquanto espalha teorias da conspiração, fake news e todo tipo de bobagens e tagarela fórmulas de liberdade embrulhadas em citações bíblicas. A promessa de promover as tão necessárias reformas econômicas liberais, porém, não saiu do papel. Terá Milei o mesmo destino?

Tanto o Brasil quanto a Argentina estão entre as economias mais fechadas do continente. Uma abertura de mercado seria urgente e necessária para dar aos países um impulso de modernização e torná-los mais competitivos.

Mas uma das grandes tragédias da América Latina é que as reformas liberais ou são defendidas por ditadores sanguinários, como o general Augusto Pinochet, no Chile, ou por palhaços como Bolsonaro ou Milei. Nada disso soa sério.

Já dá agora para especular sobre a reação dos empresários argentinos se Milei, como anunciado, cortar relações com o Brasil e a China – nada menos que os principais parceiros comerciais da Argentina. Ou se ele retirar as subvenções para gás e energia da metade mais pobre. Engraçado isso não vai ser.

Mas como me disse um amigo argentino: a escolha era entre a máfia e o louco. E a maioria optou por "El Loco". E é o que eles vão ter.

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Autor: Thomas Milz

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