Como a abrasão dos pneus impacta o meio ambiente

Milhares de toneladas de microplásticos são liberados no meio ambiente todos os anos através do desgaste dos pneus. As soluções existentes apenas contornam o problema.

Por Deutsche Welle

Um cruzamento no meio de Berlim. O semáforo fica verde, os carros que aguardavam aceleram e os pneus rolam no asfalto. No ar e no solo, permanece quase invisível uma mistura de partículas de plástico, aditivos e pavimento – resultado da abrasão dos pneus. Somente na Alemanha, são produzidas 110 mil toneladas dessas partículas todos os anos. Disso, tudo o que não é levado pela chuva ou pelo vento, escorre pelo bueiro mais próximo. A partir daí, indiretamente, as partículas acabam chegando aos rios, aos solos e aos oceanos.

Em Berlim, há um total de 1,24 milhão de carros registrados – e o número vem aumentando continuamente nos últimos anos. Mesmo com cada vez mais carros elétricos em circulação – há mais de 24 mil na capital alemã –, o problema do desgaste dos pneus não deve diminuir tão cedo. Como geralmente são mais pesados, os carros elétricos acabam gerando ainda mais abrasão.

Centenas de milhares de toneladas de microplásticos

Foi com o intuito de medir poluentes como esse que surgiu a empresa Emission Analytics. "A cada ano, diminui a quantidade [de poluentes] que sai do escapamento [dos carros], e aumenta a quantidade que sai dos pneus, pois os veículos estão ficando mais pesados", disse Nick Molden, fundador da Emission Analytics, em entrevista à DW.

Cerca de 500 mil toneladas de microplásticos são liberadas no meio ambiente todos os ano devido à abrasão de pneus. Cada vez que freamos, aceleramos e seguimos adiante, um pneu perde matéria, liberando em sua vida útil cerca de quatro quilos de microplásticos. Mas e então, o que nos resta a fazer?

"Não se trata de tentar minimizar [o problema] ou de mantê-lo sob controle. O problema está aí e também está claro que a abrasão é inevitável. Hoje em dia, existe um consenso de que não se pode resolver isso sozinho", afirma Daniel Venghaus, cientista da Universidade Técnica (TU) de Berlim que pesquisa formas de reduzir a abrasão com o projeto Urbanfilter. O problema, aponta, só pode ser resolvido através de uma cooperação estreita entre a ciência, a pesquisa e a indústria – que, para Venghaus, teria o dever de reduzir a abrasão.

Os serviços de saneamento básico, bem como de planejamento de tráfego urbano, também desempenham um papel importante. Em última análise, até mesmo indivíduos podem contribuir ao dirigir de forma mais defensiva ou até mesmo ao optar pelo ônibus ou trem em vez do carro.

Pneu sem abrasão – uma realidade distante

A fabricante de pneus Michelin tem buscado soluções para o problema na medida em que desenvolve pneus mais duráveis. Segundo Cyrille Roget, diretor científico e de comunicação da empresa, isso reduziria em média 5% do desgaste. "Mas ainda não descobrimos como fabricar um pneu que seja seguro e durável e ao mesmo tempo não cause emissões de partículas", disse em entrevista à DW. O objetivo atual, acrescentou Roget, é encontrar materiais renováveis ??ou mesmo reciclados para substituir os aditivos químicos nos pneus.

Um pneu de carro é feito de borracha sintética, preenchimento e aditivos químicos. O aditivo 6PPD, por exemplo, busca garantir mais segurança. Mas quando vão parar nos rios, tais partículas oxidam e são altamente tóxica para o salmão prateado, por exemplo. Esse mesmo 6PPD também se acumula nas folhas de alface, conforme comprovado por pesquisadores da Universidade de Viena num estudo publicado em 2023 na revista Environmental Science & Technology. Uma análise da revista suíça K-Tipp, voltada ao consumidor geral, chegou a conclusões semelhantes: por meio de amostras, a publicação concluiu que a alface absorve substâncias tóxicas ao ar livre. A alface e o salmão são apenas dois exemplos de como as partículas dos pneus podem ingressar diretamente na cadeia alimentar.

No entanto, Cyrielle Roget não enxerga uma alternativa ao 6PPD muito em breve. "As pesquisas necessitam de muito tempo, pois antes de um material ser substituído, é preciso garantir que o novo não seja altamente tóxico para outras espécies ou reduza a segurança do pneu", diz.

Soluções que buscam minimizar o impacto

Até que surja um pneu livre de abrasão, portanto, são necessárias outras soluções que amenizem o problema ao máximo. Na ciência e na pesquisa, isso vai desde ideias rápidas e práticas até aquelas menos funcionais. Um exemplo é o protótipo "Zero Emission Drive Unit – Generation 1" (ZEDU-1) com aro de roda fechado do Centro Aeroespacial Alemão (DLR). Ainda que prometa uma mobilidade quase completamente livre de poluição, ele ainda deve levar alguns anos para ser construído. Não por falta de interesse, garante o diretor do projeto, Franz Philipps, mas sim devido à falta de um consenso na União Europeia (UE) sobre valores-limite para o desgaste dos pneus.

Através de um dispositivo fixado diretamente na borda do pneu, a start-up londrina Tire Collectives busca capturar essas partículas diretamente na fonte. Em seu site, a empresa afirma que um modelo piloto foi testado em 2021, mas ainda resta saber se ele também pode ser implantado em larga escala.

A fim de contornar o problema, Daniel Venghaus participa de um projeto em parceria com a Fundação Ambiental Audi na área de saneamento – ou, mais especificamente, de escoamento de esgotos. Para isso, foram testados e desenvolvidos diversos tipos de filtros, que são então instalados em bueiros em pontos críticos de abrasão – cruzamentos e curvas no centro da cidade.

Testes em ambientes controlados foram capazes de filtrar até 66% das partículas particularmente finas e 97% de toda a poluição. Já os testes em campo indicaram uma retenção três vezes maior nos bueiros com filtros. O projeto deve terminar em julho de 2024, mas, até lá, o plano é criar uma empresa sem fins lucrativos para sistemas de filtragem. Segundo Venghaus, alguns municípios já manifestaram interesse na ideia.

A soluções mais radical – e eficiente

"Os sistemas de filtros são a solução mais simples para a indústria. No final, são os municípios e os contribuintes que pagam", diz Thilo Hofmann, pesquisador da Universidade de Viena que liderou o estudo sobre os efeitos do desgaste dos pneus na alface. "O que nós realmente precisamos com urgência é de alternativas verdes aos aditivos plásticos que não sejam tóxicas".

Os efeitos tóxicos do desgaste dos pneus, aliás, rendem cada vez mais discussões em Bruxelas. Com a norma Euro 7, por exemplo, a União Europeia quer estabelecer valores limites para a abrasão pela primeira vez, embora o texto final ainda esteja em debate. A proposta também requer a definição de um procedimento padronizado para medir a abrasão. Hoje, as medições são feitas através de um método desenvolvido pelas próprias fabricantes de pneus.

Por fim, ainda resta a forma politicamente mais desconfortável de reduzir o desgaste dos pneus, aponta Thilo Hofmann. Tal solução começaria com o transporte individual que, a seu ver, precisa ser drasticamente reduzido. A lógica, diz Hofmann, é simples: um pneu que não rola não produz abrasão.

Autor: Lisa Stüve

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