Karen Watters tinha 18 anos de idade, era recém-casada e tinha um filho pequeno quando começou a vender Tupperware na década de 1970.
"Naquela época, eu não conseguia nem ter um cartão de crédito. O banco não me dava, mesmo que eu fosse a única que estivesse trabalhando. Eram tempos diferentes para as mulheres", disse à DW.
Antes de 1974, mulheres casadas nos Estados Unidos não podiam solicitar um cartão de crédito em seu próprio nome.
Watters organizava reuniões para suas amigas e conhecidas, conhecidas como "festas da Tupperware", ganhando uma comissão por tudo o que vendia. Com o dinheiro que conseguia, ela ajudou o marido a concluir a universidade.
"Ele estudava engenharia elétrica, e eu comprei todas as suas ferramentas. Tudo o que ele tinha vinha do dinheiro que eu ganhava vendendo Tupperware. E nós precisávamos do dinheiro."
Para Watters, como para muitas outras mulheres, vender os potes de plásticos herméticos era uma forma de ajudar a família a sobreviver. A festa da Tupperware, uma nova abordagem de vendas introduzida na década de 1950, levou milhares de mulheres a começar seus próprios negócios.
A empresa anunciou recentemente sua falência, mas isso não diminui sua relevância para a história e e para o empoderamento de muitas donas de casa.
O fenômeno
Os icônicos recipientes plásticos foram criados pelo empresário e químico americano Earl Tupper. De acordo com o site da empresa, em 1946, ele "teve uma fagulha de inspiração enquanto criava moldes em uma fábrica de plásticos". Descobriu assim uma maneira de fabricar plástico flexível e durável capaz de vedar tão bem quanto uma lata de tinta.
No entanto, quando seus recipientes foram lançados, não tiveram o sucesso que o empresário esperava. Donas de casa estavam céticas em relação ao baixo custo e à textura oleosa do produto, além de confusas sobre a necessidade de "arrotar" os recipientes para liberar o ar, o que proporciona a vedação.
Foi necessário um exército de vendedores amadores, principalmente donas de casa do subúrbio, para ajudar a marca a se popularizar. Milhares de mulheres nos EUA, e eventualmente em todo o mundo, começaram seus próprios negócios vendendo vasilhas em reuniões caseiras conhecidas como festas da Tupperware. O fenômeno se espalhou pelos EUA e atingiu seu auge nas décadas de 1950 e 60.
A grande responsável pelo sucesso do império Tupperware foi Brownie Wise, uma mãe solteira com pouca educação formal que Tupper escalou como vice-presidente e chefe de vendas. Gênio do marketing com talento especial para vendas, ela ajudou a revolucionar a marca com seus métodos exclusivos.
Anteriormente, Wise havia trabalhado em uma empresa de produtos de limpeza chamada Stanley Home. Ela organizava o que a empresa chamava de "festas em casa" – reuniões entre amigas para vender produtos. Wise logo enxergou ali um mercado para a Tupperware.
Suas animadas demonstrações, que incluíam jogos e arremesso de potes pela sala para mostrar que não se quebravam, educavam os compradores sobre o produto. Na sede da empresa, na Flórida, Wise treinou outras mulheres em seus métodos de venda, criando manuais e introduzindo generosos incentivos para atrair mais vendedoras. Em pouco tempo o produto estava decolando.
Para incentivar seu time de vendas, a empresa criou promoções criativas nas quais as vendedoras competiam por "tudo, desde novos ferros elétricos até uma viagem à Europa com Brownie Wise", conforme descrito em um artigo da emissora pública americana PBS.
Em meados da década de 1950, Wise era o ícone da empresa e a primeira mulher a estampar a capa da revista Business Week. Ela também apareceu em revistas populares, como a Cosmopolitan e a Women's Home Journal.
De dona de casa a empreendedora
As condições socioeconômicas da década de 1950 eram perfeitas para o sucesso dessa estratégia de marketing. As mulheres que haviam entrado no mercado de trabalho durante a Segunda Guerra voltaram a ser cobradas para que ficassem em casa com as crianças durante o "baby boom".
Vender Tupperware era uma forma de obter renda para mulheres cujos maridos não queriam que elas trabalhassem fora de casa, além de ser uma maneira de escapar da rotina doméstica suburbana e socializar.
A anfitriã de uma festa convidava uma vendedora da Tupperware para ir à sua casa e, em troca, recebia produtos gratuitos, enquanto a vendedora ganhava uma comissão com base na quantidade de itens vendidos.
Dessa forma, as festas da Tupperware impactaram simbolicamente e encarnaram a cultura de uma época em diferentes níveis. Elas deram autonomia a donas de casa, que se tornavam consultoras, gerentes e distribuidoras do produto.
De certa forma, as festas pareciam subversivas. Ao mesmo tempo, o modelo de negócios reforçava a ideia de que o verdadeiro lugar da mulher era em casa.
O fim das tigelas herméticas
Apesar da narrativa de empoderamento feminino por trás da ascensão da marca, com Brownie Wise celebrada como ícone da inserção das mulheres no mercado de trabalho – a história não terminou bem para a empresária pioneira. Ela foi expulsa da empresa que ajudou a construir em 1958, após um desentendimento com Tupper, sem sequer receber ações.
No mesmo ano, Tupper vendeu a empresa, chamando-a de "Tupperware Home Parties", para a Rexall Drug Company por 16 milhões de dólares, e acompanhou o sucesso de sua marca da Costa Rica, onde se aposentou.
De fato, o modelo de negócios da empresa fez com que os produtos se expandissem rapidamente para a Europa, Ásia e América Latina.
Há muito tempo, novos formatos fazem parte da estratégia da marca: a Tupperware recebeu mais de 280 prêmios de design por seus projetos e funcionalidade de produtos desde 1982.
No entanto, a marca entrou recentemente com pedido de falência, citando a diminuição do interesse em seus produtos e a redução das margens de lucro. Entre os motivos para o pedido de recuperação judicial, a Tupperware alega não ter conseguido atrair tanto os consumidores mais jovens.
Ainda assim, de cosméticos a brinquedos sexuais, muitas outras empresas adotaram o método de festas para vender produtos, seguindo o modelo de sucesso da Tupperware.
Embora possa ser o fim de uma era, a Tupperware continua incorporada à vida de milhões de pessoas e entrelaçada à história do século 20.
Autor: Sarah Hucal