O governo brasileiro vem pressionando os países ricos a darem mais dinheiro para a proteção da Floresta Amazônica. Preservar a mata tropical é crucial para reduzir as mudanças climáticas, e há certo consenso na comunidade internacional que as nações que poluíram mais o planeta têm mais responsabilidade em pagar essa conta.
A questão é como viabilizar isso. Iniciativas globais, como o Fundo Verde do Clima, têm demorado para decolar diante da falta de doações dos países ricos. Esse fundo tem em seu escopo 148 países e até agora autorizou a destinação de 12,8 bilhões de dólares (R$ 62 bilhões), o que dá uma média de R$ 419 milhões por país. É pouco.
O Brasil conta desde 2008 com um fundo próprio para atrair doações destinadas à proteção da floresta: o Fundo Amazônia. Seus recursos já alcançaram R$ 5,7 bilhões, e outros R$ 3,4 bilhões já foram prometidos em novas doações, totalizando R$ 9,1 bilhões. Isso equivale a duas vezes e meia o orçamento do Ministério do Meio Ambiente proposto para 2024.
O Fundo Amazônia foi paralisado em 2019 depois que o governo Jair Bolsonaro tentou alterar a sua estrutura de governança, ferindo o estatuto do fundo. Neste ano, ele foi reativado e é uma das apostas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para financiar a preservação da floresta e o incentivo a atividades produtivas sustentáveis na região.
A gestão do fundo é realizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A DW entrevistou Nabil Kadri, superintendente a área de meio ambiente do BNDES, responsável pela gestão do Fundo Amazônia, para detalhar o cenário atual e projeções futuras do instrumento.
Kadri participou nesta quinta-feira (14/09) em Berlim de um ciclo de debates sobre a Amazônia organizado pela embaixada brasileira na Alemanha. Uma das prioridades do evento foi reforçar a mensagem de que a proteção da floresta depende da geração de atividades econômicas sustentáveis na região.
De onde vem o dinheiro?
No final de 2022, o Fundo Amazônia alcançou a cifra de R$ 5,7 bilhões. Nessa soma, estão R$ 3,3 bilhões de doações e R$ 2,4 bilhões de rendimentos da aplicação dos recursos não utilizados.
Dos R$ 3,3 bilhões doados, 93,8% vieram do governo da Noruega, 5,7% do governo da Alemanha e 0,5% da Petrobras. As doações são vinculadas à redução do desmatamento no Brasil.
Até agora, o fundo liberou R$ 1,5 bilhão para 102 projetos, e R$ 200 milhões já foram aprovados e estão em fase de desembolso. Portanto, há no momento R$ 4 bilhões sem destinação.
Após a vitória eleitoral de Lula no final de 2022 e a sinalização de que o fundo seria reativado, novas doações foram anunciadas: 35 milhões de euros da Alemanha, 500 milhões de dólares dos Estados Unidos, 20 milhões de euros da União Europeia, 80 milhões de libras do Reino Unido, 5 milhões de francos suíços da Suíça e 150 milhões de coroas dinamarquesas da Dinamarca. Essas novas doações anunciadas somam cerca de R$ 3,4 bilhões, e ainda não chegaram ao fundo.
Somado o valor hoje disponível no fundo mais as doações recém-anunciadas, seriam R$ 7,4 bilhões disponíveis.
Quais são os planos do governo?
Os recursos do fundo podem ser destinados a projetos realizados por associações civis ou a ações de governos estaduais e do governo federal. Em fevereiro, o BNDES retomou a análise de 14 dos projetos que estavam represados, no valor de R$ 500 milhões, ainda não aprovados.
Mas a principal aposta do governo Lula para acelerar o uso dos recursos é utilizá-los no plano de ação para a prevenção e controle do desmatamento na Amazônia (PPCDAm), lançado em junho. "Temos uma demanda bastante significativa de apoio ao PPCDAm", disse Kadri.
Uma das ações do PPCDAm é destinar R$ 600 milhões do fundo a municípios hoje campeões de desmatamento que se comprometerem com a redução da derrubada da floresta. Os recursos serão destinados ao longo de 2023, 2024 e 2025, de acordo com a performance de cada município na redução do desmatamento, e deverão ser utilizados em medidas ambientais e de regularização fundiária.
O PCCDAm também prevê usar recursos do fundo para articular a produção sustentável de alimentos na Amazônia ao fornecimento de merenda para escolas públicas da região, entre outras iniciativas.
Uma proposta controversa para o uso do Fundo Amazônia foi feita no final de agosto pelo ministro dos Transportes, Renan Filho: asfaltar um trecho da BR-319, que conecta Manaus a Porto Velho – um projeto que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aponta como de "altíssimo" impacto ambiental. Kadri diz que o BNDES ainda não recebeu nenhum projeto nesse sentido e que desconhece o conteúdo da proposta.
Como o fundo já provoca impacto?
A DW selecionou em conjunto com o BNDES cinco projetos do Fundo Amazônia que dão exemplos práticos de como os recursos podem ser utilizados, envolvendo diferentes atores, como povos indígenas, associações de extrativistas, governos estaduais e governo federal.
1) Fortalecimento do Ibama para combater incêndios
A posse do atual presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, em fevereiro, coincidiu com a conclusão de um projeto de nove anos do Fundo Amazônia para a estruturação de um centro do órgão para prevenção e combate a incêndios, o Prevfogo.
No total, o fundo destinou R$ 14,6 milhões ao projeto, o que abrangeu a compra de caminhões adaptados, equipamentos de combate a incêndio e sistemas de comunicação e a construção de um prédio de dois andares com área administrativa, sala de situação, almoxarifado e oficina de veículos, entre outros.
Uma avaliação independente realizada sobre o projeto mostrou, segundo Kadri, que áreas que tiveram o apoio do fundo registraram redução de focos de incêndio superior à de áreas não cobertas pelo projeto, no período de 2013 a 2019.
2) Apoio ao povo indígena Ashaninka na produção de polpa de frutas
O povo indígena Ashaninka vive na divisa entre o estado do Acre e o Peru. No Brasil, a maioria deles está na Terra Indígena Kampa do Rio Amônea, e tem um histórico de enfrentamento do desmatamento na região.
O projeto destinou R$ 6,6 milhões de 2015 a 2018 para a associação do povo indígena desenvolver sua produção agroflorestal, especialmente de frutas típicas da região, e proteger o território.
Os recursos do fundo financiaram a criação de um viveiro e banco de sementes para a produção de mudas, a elaboração de um plano de um manejo, a construção de instalações para o processamento das sementes e das frutas, a compra de uma barcaça refrigerada para transporte das frutas e a capacitação em marketing e comunicação de membros do povo Ashaninka.
"Foi o primeiro projeto de uma associação indígena que teve um contrato assinado diretamente com o BNDES", diz Kadri, que menciona que a venda de polpa de frutas congeladas é hoje uma das principais fontes de renda dos Ashaninka.
3) Melhoria das condições das quebradeiras de coco babaçu
A coleta e quebra do coco babaçu é uma atividade extrativista historicamente realizada por mulheres, organizadas em um movimento interestadual desde a década de 90. O babaçu tem grande versatilidade e resulta em até 20 subprodutos – suas amêndoas podem ser transformadas em farinha, e sua casca pode virar combustíveis.
O projeto receberá R$ 9,2 milhões, dos quais pouco mais da metade já foi desembolsado, para atividades em cidades do Maranhão, Tocantins e Pará.
Os recursos criaram um fundo à parte, gerido pela associação das quebradeiras, que destina verbas a projetos menores, apresentados pela comunidade e selecionados por meio de editais. Esse formato, diz Kadri, permite que iniciativas que não teriam estrutura para obter recursos diretamente do BNDES consigam acessar os recursos do Fundo Amazônia.
O objetivo é melhorar as condições de trabalho e de vida das quebradeiras de coco, apoiando por exemplo a construção de miniusinas para beneficiamento de palha ou extração de óleo.
4) Produção sustentável na Ponta do Rio Abunã
A área do projeto é a tríplice divisa entre Acre, Amazonas e Rondônia, uma região de muitos conflitos agrários e desafios ambientais. Quatro associações locais receberam recursos para desenvolver diversas atividades sustentáveis, como a produção de cupuaçu, açaí, pupunha e óleos vegetais, entre outros.
Foram destinados R$ 6,4 milhões do fundo, de 2015 a 2017, para estruturar unidades de processamento de frutas com máquinas apropriadas, câmaras frias, área de secagem e extração de óleo, por exemplo.
As associações envolvidas desenvolveram uma integração exemplar com cadeias produtivas maiores, diz Kadri, e hoje vendem seus produtos a grandes empresas de cosméticos e alimentos.
5) Combate ao desmatamento no Acre
Neste caso, o Fundo Amazônia apoiou diretamente o governo do Acre para melhorar sua capacidade de reduzir a derrubada de floresta.
Foram R$ 53 milhões, desembolsados até 2019, para a compra de sistemas de monitoramento e controle, treinamento de funcionários para análise de imagens de radar e promoção de práticas sustentáveis.
O projeto também beneficiou o Instituto do Meio Ambiente do Acre (IMAC), do governo estadual, com reforma de sua sede e aquisição de mobiliário, computadores e veículos, e envolveu a articulação de diversas secretarias estaduais. "O combate ao desmatamento necessita da coordenação de esforços, e o projeto no Acre demonstrou essa potencialidade", diz Kadri.
Autor: Bruno Lupion