Projetos de preservação de florestas tropicais não servem para compensar emissões de carbono e uma abordagem diferente deveria ser aplicada para, de fato, proteger ecossistemas críticos para o planeta, como a Amazônia e a Bacia do Congo, aponta pesquisa da Universidade da Califórnia em Berkeley financiada pela ONG Carbon Market Watch.
O estudo, divulgado em reportagem publicada nesta sexta-feira (15/09) pelo jornal britânico The Guardian, baseou-se na análise de créditos de carbono em florestas tropicais certificados pela Verra, operadora do principal padrão internacional nesse mercado, e concluiu que os impactos ambientais alardeados são exagerados e os impactos, "questionáveis" do ponto de vista do impacto climático. Alguns projetos, inclusive, não ofereceriam garantias de segurança a comunidades locais vulneráveis.
Por esses motivos, os pesquisadores argumentam que os créditos de carbono não são instrumentos adequados para a compensação das emissões de carbono por parte de empresas.
O projeto avaliou critérios de qualidade do sistema de créditos de carbono da Verra, entre eles a durabilidade e a contabilidade de carbono florestal, bem como as salvaguardas para as comunidades locais.
A maioria dos créditos, segundo o estudo, não teve impacto positivo sobre o clima, além de subestimar o risco de deslocamento do desmatamento para outras áreas. A fiscalização do cumprimento das regras da empresa para a geração de créditos de carbono também seria deficiente. Alguns projetos teriam até mesmo provocado o deslocamento de comunidades vulneráveis ou as feito perder território.
Negócio "barato e inócuo"
O mercado de carbono é incensado por entusiastas da medida como uma solução viável para conter as mudanças climáticas e a destruição da biodiversidade. Empresas alegam poder neutralizar assim suas emissões, pagando pelo sequestro de carbono em florestas em outros lugares do mundo ou evitando o desmatamento em regiões ameaçadas – essas, frequentemente, localizadas em países em desenvolvimento no Sul Global.
Especialista em políticas públicas da Carbon Market Watch, que financiou o estudo, Inigo Wyburd afirma que "falta credibilidade" e "confiabilidade" aos projetos em análise. "Empresas estão compensando suas emissões de forma barata comprando créditos de carbono de baixa qualidade ligados a projetos de proteção de florestas no Sul Global", criticou Wyburd em pronunciamento publicado no site da ONG.
Segundo ele, "só um de cada 13 créditos de carbono representa uma redução real de emissões", o que torna a medida inócua. Os parâmetros duvidosos de qualidade, segundo a entidade, têm a ver com "metodologias elásticas". "Por exemplo, a pesquisa mostrou que as metodologias usadas para estimar o nível de (...) desmatamento que se espera que ocorra na ausência de um projeto de conservação podem levar a resultados que variam em mais de 1.400% entre as maiores e as menores estimativas. Uma margem dessas oferece um potencial enorme a donos de projetos para explorar a flexibilidade e manipular o sistema."
O estudo argumenta ainda que não é possível compensar emissões de carbono decorrentes da exploração de combustíveis fósseis que levaram milhares de anos para se formar com a captura de carbono por florestas, já que isso demandaria o sequestro e armazenamento de gases por centenas de séculos, milênios até – um papel que florestas sob risco iminente de desmatamento não podem cumprir.
A Verra reagiu ao estudo afirmando que os problemas apontados pelos pesquisadores, assim como as recomendações, devem ser contemplados na nova metodologia para geração de créditos de carbono, em estudo há dois anos, e a ser publicada nas próximas semanas.
Prevenção às causas do desmatamento e apoio a projetos de conservação tocados por comunidades locais como solução
Os pesquisadores recomendam a governos e empresas que foquem em prevenir as causas do desmatamento – citando as demandas por alimentos, combustíveis e outras commodities por parte de países industrializados e em ritmo acelerado de crescimento. Concretamente, os autores do estudo citam como bom exemplo a Lei Antidesmatamento da União Europeia, que prevê uma cadeia de fornecimento livre de desmatamento.
Os autores do estudo também defendem que, em vez de destinar dinheiro à aquisição de créditos de carbono, esses recursos estarão mais bem investidos em projetos de conservação de florestas tocados por comunidades tradicionais e indígenas.
"O foco deveria ser botar dinheiro no lugar certo, em vez de comprar o máximo de créditos possível", argumenta Gilles Dufrasne, da Carbon Market Watch.
O estudo sugere ainda o alívio das dívidas de países em desenvolvimento, para livrá-los da pressão comercial predatória que destrói ecossistemas cruciais para o clima, e o financiamento justo para proteção climática, bem como a redução da dependência de combustíveis fósseis.
ra (ots)