
A delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, teve o sigilo derrubado nesta quarta-feira (19) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Nos documentos, acessados pela Band, Cid detalhou como eram as conversas sobre um possível golpe de Estado, a venda das joias e relógios dados de presente ao então presidente e as reuniões que visavam a ruptura democrática do Brasil.
Em um dos depoimentos, dados em colaboração para a Polícia Federal, Cid alega que Bolsonaro não queria interferir nos manifestantes bolsonaristas que estavam nas ruas e acampados em quartéis do Exército e que pediu para os caminhoneiros não pararem o país. Ele afirmou ainda que acredita que Bolsonaro só não assinou a minuta do golpe redigida pelo assessor Felipe Martins porque não teve apoio dos comandantes do Exército e Aeronáutica.
Três grupos aconselhavam Bolsonaro após as eleições
Após ser derrotado por Lula nas eleições de 2022, Cid conta na delação que Bolsonaro recebia visitas e conselhos de três grupos distintos. O primeiro o aconselhava a ser um grande líder da oposição, o segundo, moderado, entendia que nada deveria ser feito diante dos resultados e que um golpe militar não era necessário.
Esse segundo grupo, formado pelo comandante do Exército da época, o general Freire Gomes, também tinha medo de que Bolsonaro "assinasse uma doideira" e que o general estava preocupado com a situação e com o grupo mais radical que tentava o convencer a cometer o golpe de Estado.
O grupo mais radical seria composto pelo ex-ministro Onyx Lorenzoni, o senador Jorge Seiff, o ex-ministro Gilson Machado, o senador Magno Malta, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, a então primeira-dama Michelle Bolsonaro e o general Mario Fernandes. Este general, inclusive, tentava convencer integrantes das Forças Armadas a executarem um golpe de Estado.
Michelle Bolsonaro, segundo Cid, instigava o então presidente a cometer o golpe alegando que ele tinha apoio do povo e de CACs - Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador - para dar o golpe. Braga Netto, então candidato à vice-presidência derrotado, seria o elo entre manifestantes em quartéis do Exército e Bolsonaro.
'Punhal verde e amarelo'
A Polícia Federal identificou um plano de matar Lula, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. O 'Punhal Verde e Amarelo' também tinha um acompanhamento de Moraes para eventual cumprimento de ordem da prisão dele, caso o golpe de Estado obtivesse sucesso.
O plano seria realizado pelo grupo 'Copa 2022', que também financiava e organizava acampamentos bolsonaristas em frente a quartéis das Forças Armadas. Cid afirmava que o general Braga Netto era o único a saber do documento Punhal Verde e Amarelo, mas quem levou o plano foi o general Mário Bittencourt.
Mauro Cid afirma que não era algo claro, que era dito em voz alta que iriam preder, matar ou espionar Lula. "Eu não estava em nenhum grupo de planejamento disso, mas eles usavam material e meios do Exército para fazer as coisas, então não sei se há mais gente incluída", contou no depoimento.
De acordo com a Polícia Federal, um documento com todos os detalhes do plano, chamado pelos investigados de “Punhal Verde Amarelo”, foi impresso no Palácio do Planalto no dia 09 de novembro de 2022. Em seguida, os papeis foram levados até o Alvorada.
Os investigadores descobriram que codinomes – “Jeca” e “Joca” - eram usados para se referir a Lula e Alckmin. O foco seria garantir a “neutralização” da chapa vencedora e evitar que o grupo assumisse o poder em 2023. Esse planejamento foi discutido no dia 12 de novembro de 2022 na casa do General Walter Braga Netto, ministro da Defesa e vice na chapa de Jair Bolsonaro.
Bolsonaro pressionado por militares radicais e pelo agronegócio
Cid contou que dentre os militares mais radicais e amigos de Bolsonaro, o tenente Aparecido Portela questionou uma atitude do então presidente e citou que o agronegócio estaria cobrando um golpe de Estado.
Em 26 de dezembro de 2022, Aparecido perguntou se 'o churrasco seria feito' e cobrava um golpe de Estado. Ele se referiu ao agronegócio como o "pessoal que colaborou com a carne estava cobrando". Parte do setor é acusado de contribuir financeiramente para a mobilização e manutenção de manifestantes bolsonaristas em quartéis pelo Brasil.
"Ele pressionava, eram várias mensagens, a ideia era: 'Não vai acontecer nada? Vocês não vão virar a mesa? Estamos aqui, ajudamos, mobilizamos milhares de pessoas'. Ele é do agro, é mais humilde, mas do agro, alguém sustentava ele de lá e o pessoal estava cobrando", afirmou Cid em delação.
Esquema para esconder venda de joias e relógios
Mauro Cid detalhou em delação como planejou ao lado do pai, Mauro Cesar Lourena Cid, a forma para evitar suspeitas do saque de US$ 68 mil oriundos da venda dos kits de relógios recebidos por Jair Bolsonaro como presente à época em que era presidente da República.
O pagamento teria sido feito na conta do pai de Mauro Cid, a pedido do ex-ajudante de ordens. Após a venda dos relógios, Cid teria entregado US$ 18 mil em espécie de outra venda de itens do kit do Rolex a Jair Bolsonaro. Os US$ 68 mil seriam sacados de forma fracionada e entregue à medida que alguém conhecido viajasse dos Estados Unidos ao Brasil.
Bolsonaro ficou milionário com Pix de apoiadores
Na delação, Cid afirmou que o então presidente ganhou R$ 17 milhões com Pix e reclamou que "todos se deram bem, ficaram milionários", enquanto ele perdeu tudo. " A carreira está desabando. Os amigos o tratam como um leproso, com medo de se prejudicar. Não é político, não é militar, quer ter a vida de volta. Está enclausurado", dizia a delação.