A falta de preparo de alguns profissionais de hospitais e postos ainda faz com que muitas pessoas trans tenham dificuldade no acesso ao sistema de saúde no Brasil. A afirmação é do médico especialista em pacientes transexuais José Carlos Martins, autor do livro “Transgêneros: orientações médicas para uma transição segura”.
"Essas pessoas estão mais expostas socialmente e também têm mais dificuldade de acesso não só à transição de gênero, mas à saúde como um todo. Eu costumo falar nas minhas palestras para acadêmicos de Medicina e médicos o seguinte: muitas pessoas transgêneras não vão ao posto de saúde pelo simples fato de estar sentada ali e poder ser chamada pelo nome masculino [no caso de uma mulher trans]. Imagina quantas delas têm diabetes, hipertensão, outras doenças crônicas e não fazem acompanhamento pelo preconceito e falta de preparo dos profissionais de saúde?”, questionou.
Este sábado (29) marca o Dia da Visibilidade Trans, data estabelecida para promover reflexões e chamar atenção para a importância do respeito à diversidade de identidade de gênero no Brasil e os preconceitos que a sociedade precisa combater.
Segundo dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), a expectativa de vida de uma pessoa trans gira em torno dos 35 anos, enquanto, na população geral, chega aos 79 anos.
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“Sem contar que muitos pacientes, pela disforia de gênero, acabam sendo submetidos a procedimentos por pessoas que nem são médicas. É muito comum no dia a dia eu atender pacientes que aplicaram silicone industrial nos glúteos, silicone industrial nas mamas. Isso contribui bastante para diminuição da expectativa de vida”, completou o médico.
O termo “disforia de gênero" utilizado por ele faz referência ao “estresse, mal-estar e tristeza” que a pessoa transexual sente quando percebe que a maneira como se entende não é igual à que foi atribuída a ela no nascimento.
“Os hospitais hoje têm mais preocupação com o nome social do paciente. No prontuário tem nome de registro e, embaixo, espaço para nome social. Começaram a entender essa necessidade, entender que isso faz parte do tratamento. Saúde é isso: o completo bem-estar físico, social e mental de uma pessoa. Felizmente temos visto isso acontecer. Obviamente ainda falta muito a ser conquistado, mas em médio prazo a tendência é mudar.”
Passo a passo para o atendimento
O primeiro passo para o atendimento de uma pessoa que se descobre transgênera, segundo José Carlos Martins, é entender que ela não precisa de “tratamento”, mas, sim, acompanhamento.
“A OMS desconsiderou a transexualidade como patologia. Quando uma pessoa trans se entende como trans, tem a chamada disforia de gênero e, quando isso acontece, ela precisa de acompanhamento médico.”
Esse acompanhamento, de acordo com ele, é baseado em um tripé: psicológico (para definição da melhor estratégia para esse paciente), endocrinológico e cirúrgico – este último, somente se houver a intenção de passar por uma cirurgia de redesignação sexual.
“É interessante falar que a população leiga tende a imaginar que o sonho de toda pessoa trans é fazer a cirurgia de redesignação. Não é verdade."
"Em média de 3% a 5% de toda população de mulheres trans vão para a cirurgia genital. Então 95% são felizes com o órgão genital masculino. A pessoa é trans pelo simples fato de ela se entender como tal. Não há necessidade de nenhuma cirurgia para uma pessoa trans. Por isso perguntar a uma pessoa trans se ela já fez cirurgia é uma grande agressão.”
Caso a pessoa tenha a indicação para a cirurgia de redesignação, pode entrar para a fila do Sistema Único de Saúde (SUS) e realizar o procedimento em um dos cincos hospitais no país que oferecem o serviço – o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; o HC da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia; o HC da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife; o HC da Universidade de São Paulo; e o Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro.
“Infelizmente essa fila varia entre 5 a 8 anos de espera, o que muitas vezes é penoso ao paciente. Lembra do termo disforia de gênero? Ela não é uma doença, mas, em alguns casos, é tão forte que fecha critério para doenças psiquiátricas. A pessoa pode se mutilar, pode tentar suicídio, pelo grau de disforia”, pontuou Martins.
Dica simples contra o preconceito
Se você ainda estiver com alguma dúvida sobre como começar a se desfazer do preconceito contra a população transexual, o especialista sugere uma dica bastante simples.
“A principal agressão é o pronome. Você chamar uma pessoa que se entende como ‘ela’ de ‘ele’. Existem muitas pessoas que têm inclusive fenótipo feminino e mesmo assim são chamadas por ‘ele’. É o principal e o mais fácil: entender como a pessoa quer ser chamada e chamá-la corretamente.”