Disfarces atrapalham diagnóstico do autismo em meninas

O atraso na identificação do transtorno é grave e atrapalha o tratamento

Por Cristiane Bomfim, da Agência Einstein

Meninas têm diagnóstico mais raro Foto: Unsplash
Meninas têm diagnóstico mais raro
Foto: Unsplash

Meninas com autismo recebem diagnóstico em média um ano depois que meninos. É o que mostra estudo realizado por pesquisadores da Brown University, nos Estados Unidos, e publicado em janeiro deste ano na revista científica Autism Research. Entre os motivos que podem justificar a demora na identificação da condição está o fato de as meninas apresentarem habilidades linguísticas mais avançadas que os meninos. O atraso na linguagem é, normalmente, o primeiro sinal de autismo notado por pais e médicos.  

 De acordo com estimativas, meninos têm cerca de três a quatro vezes mais chances de serem identificados com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Relatório de março deste ano dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nos Estados Unidos, relatou aumento de 10% no autismo no País, com taxa de prevalência de 1 em 35 entre os meninos (ou 2,97%) e 1 em 145 entre as meninas (equivalente a 0,69%). O dado, que é considerado para estimativas mundiais, triplicou entre 2000 e 2016. 

 O atraso na identificação do transtorno é grave. “Há estudos demonstrando que o atraso na descoberta do autismo em meninas pode chegar há cinco anos. Como em muitos casos a linguagem e a presença de fala são mais desenvolvidas em meninas com TEA do que em meninos, muitas vezes perde-se a oportunidade de fazer o diagnóstico precocemente”, explica o neurologista pediátrico Erasmo Barbante Casella, do Hospital Israelita Albert Einstein.  

 Outro motivo para o atraso do diagnóstico é que alguns sinais do TEA são semelhantes ao da ansiedade e depressão em meninas. “Não é incomum atendermos crianças com 13, 14, 15 anos com autismo e que não foram diagnosticadas por confusão de sintomas”, afirma Casella.   

 Camaleoas 

 Por terem o comportamento social naturalmente mais desenvolvido que os meninos, as condições do transtorno do espectro de autismo leve nas garotas podem ser menos percebidas. “As meninas têm um desejo maior de socializar e fazer amigos, apresentam mais habilidades imaginativas e capacidade de fantasiar e frequentemente se sentem frustradas por não conseguirem. Já os meninos em muitos casos não fazem questão de ter companhia e tendem a ficar mais isolados”, diz o neuropediatra. Por isso, as garotas conseguem disfarçar suas dificuldades copiando comportamento de outras meninas ou tentando se envolver em brincadeiras.  

É maior o número de meninas que apresentam menos estereotipias – termo médico para ações repetitivas de movimento, postura ou fala que fazem parte da rotina de pessoa com espectro do autismo. “Elas também apresentam menos interesses restritos que os colegas do gênero oposto com TEA, como interessar-se por navios de guerra, planetas, aviões. Quando ocorrem, elas tendem a inibir esses comportamentos com maior intensidade para parecerem semelhantes aos seus pares”, diz Casella. Ele lembra que muitas atitudes das meninas que podem sinalizar o espectro do autismo são aceitas como características próprias como timidez ou gosto por organização para ações repetidas de arrumação. 

De acordo com os pesquisadores da Brown University, a confirmação de que a descoberta do autismo em meninas é tardia é importante para o estabelecimento de novos critérios de avaliação clínica para seu diagnóstico. “Precisamos pensar em como podemos melhorar o reconhecimento do autismo em indivíduos, incluindo muitas dessas meninas, que não têm o mesmo nível de atraso no idioma primário, mas que podem manifestar outras dificuldades na comunicação social, na brincadeira social e na adaptação ao mundo social”, explica Eric Morrow, autor do estudo e professor associado de biologia molecular, neurociência e psiquiatria da universidade. 

“Comportamentos e atitudes como as estereotipias e a interação social não costumam melhorar com remédios, mas o tratamento com terapia baseada na análise aplicada do comportamento pode determinar resultados muito satisfatórios, principalmente se iniciados precocemente em razão da maior plasticidade cerebral das crianças mais novas. Assim, quanto antes for o início do tratamento, melhores serão os resultados”, completa o médico do Einstein. 

Os primeiros sinais 

Estar atento aos sinais, ainda que sutis, é importante para adiantar o diagnóstico do TEA. Além do atraso na fala, crianças com o espectro apresentam dificuldade de contato visual e não têm atenção compartilhada, apresentam mais dificuldade para demonstrar dor e praticarem interação social. “Os pais precisam acompanhar o dia a dia da criança. Devem lembrar que o estímulo é fundamental para o desenvolvimento dos pequenos e diante de qualquer desconfiança devem procurar um especialista”, afirma Casella.

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