Ivone Lixa, doutora em direito público e professora da Universidade Regional de Blumenau, falou ao programa Ponto a Ponto desta quarta-feira (21), no BandNews TV, sobre implicações jurídicas que podem ser apontadas ao governo federal por suas ações no combate à pandemia, na crise que se aproxima das 400 mil mortes de brasileiros pelo vírus e que serão alvo de investigação da comissão parlamentar de inquérito prestes a ser iniciada no Senado.
Sobre os trabalhos da CPI da covid, sob a ótica do direito, a professora acredita que o caminho é de se apontar ações que ajudaram a agravar os índices de mortes e internações na pandemia, como o incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada pela ciência, como a cloroquina, que chegou a ser produzida pelo Exército.
“O que nós podemos apontar é essa responsabilização, sob o ponto de vista de uma ausência de uma política direcionada para se impedir a propagação da doença. O que nós assistimos é no sentido contrário. Há sim responsabilização, há crime de responsabilidade, sim”, enfatizou a doutora em direito, enfatizou Lixa para a jornalista Mônica Bergamo e o cientista político Antônio Lavareda, que comandam o programa (assista ao vídeo da entrevista na íntegra ao final do texto).
Ela reitera que a obrigação do Estado é de promover e proteger a vida.
Uma pesquisa recente da Universidade de São Paulo (USP), mostrou o uso de 3.049 normas jurídicas como portarias, medidas provisórias e resoluções na resposta à crise sanitária. Porém, o que chama a atenção da professora nessa “inflação normativa” é que toda essa legislação serviu, de modo geral, para criar embates ou desautorizações com as demais esferas de poder, como Estados e Municípios.
Como exemplo, Ivone cita a medida provisória 926, de março de 2020, que atribuía ao presidente Jair Bolsonaro a decisão sobre o que eram os serviços essenciais, compra de equipamentos e medicamentos, entre outros, em ação centralizadora. Ela diz que essa determinação foi feita sem a participação de especialistas de áreas sanitárias, técnicas e da sociedade, o que contraria o Estado democrático de direito. A ação foi julgada pelo STF em abril de 2020, e a Corte decidiu que prefeitos e governadores também poderiam legislar sobre medidas de combate à covid-19, assim como a União.
“São ações governamentais, estratégias políticas legais cujo resultado é a morte”, opinou a professora sobre decisões do Planalto, como o incentivo às aglomerações e o uso de máscaras, sem levar em conta direitos fundamentais ou, até mesmo, direitos humanos.
Uso jurídico do termo "genocídio"
Nas discussões sobre a responsabilização das mortes na pandemia, a palavra “genocídio” tem sido muito usada, principalmente pelos opositores e críticos de Bolsonaro, para descrever possíveis omissões. A professora explicou sobre o uso jurídico dessa terminologia, explicando que ela nasceu para designar crimes de guerra cometidos contra uma parcela da sociedade com objetivo especifico de exterminar um grupo, ou um segmento cultural, como aconteceu com os judeus durante o regime nazista na Alemanha.
Para a professora, o desafio é incitar a discussão no Judiciário dizendo que certas ações afetaram um segmento da população com mais força: pessoas com vulnerabilidades sociais. E, que nesse contexto, a palavra genocídio poderia ser aplicada.
“Dados da Fiocruz já nos mostram que existe uma parcela vulnerável da população que é a mais atingida, que é a com menor índice de escolaridade, a população negra, mestiça, pobre. Quer dizer, essa ação deliberada está impactando diretamente e provocando a morte sobre uma parcela da sociedade. E, sob esse ponto de vista, é possível sim nós usarmos essa terminologia, assim como nós no direito usamos crimes hediondos, que é um termo que nasceu para designar os crimes dos regimes autoritários e hoje usamos para designar os crimes repugnantes”, analisou.
Processos individuais contra autoridades
Ivone Lixa vê possibilidades de um grande número de processos de pessoas contra autoridades por conta de perdas pessoais e econômicas causadas pela pandemia, agravadas por ações ou omissões de autoridades.
“Se nós pegarmos o caso recente em Manaus, já havia informações que faltaria oxigênio. Sem sombra de dúvida, isso cabe sim uma responsabilidade, em primeiro lugar, uma representação criminal, que é crime de responsabilidade, porque esse é o papel do gestor público”, explicou.
Para ela, a mesma lógica do colapso no Amazonas pode ser aplicada sobre o incentivo a tratamentos sem comprovação científica contra o coronavírus e também para a falta de insumos para intubação de pacientes de UTIs em processos indenizatórios.
“Claro que isso tem também uma natureza política. O fato de se ingressar com as ações é uma forma de se deixar as claras a responsabilidade dos gestores que estão respondendo, ou deveriam responder pela gestão dessa crise", finalizou.
Assista à participação de Ivone Lixa, doutora em direito público e professora, no Ponto a Ponto: