Ao ser nomeado primeiro-ministro da Eslováquia, não demorou para que Robert Fico reiterasse sua agenda populista e nacionalista que o levou à vitória nas eleições de 30 de setembro no país: "Vocês ouvirão uma voz eslovaca soberana, a partir dos ministérios, e observarão uma política externa soberana", declarou.
Este é um discurso que está de acordo com suas promessas de campanha: um misto de narrativas extremistas e pró-Rússia. Por isso, há muita preocupação de que o retorno de Fico ao poder, cinco anos depois de ter sido deposto devido ao caso do jornalista Jan Kuciak, que foi assassinado, possa ajudar a minar a unidade da União Europeia (UE) e da Otan.
Se a retórica for adiante, Fico poderá, com a ajuda de seu ministro das Relações Exteriores, Juraj Blanar – que alegou, por exemplo, que os ucranianos foram responsáveis pela invasão soviética da extinta Tchecoslováquia, em 1968 –, tentar inviabilizar o apoio ocidental à Ucrânia ou às sanções contra a Rússia.
Outra preocupação é que a eleição de Fico poderia dar um novo impulso ao primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, acusado de tentar estabelecer um bloco pró-russo iliberal dentro da UE.
Ao mesmo tempo, também há dúvidas se Fico teria a influência necessária para causar um impacto significativo nesse sentido ou mesmo se ele realmente cumprirá suas ameaças quando estiver longe dos olhos e ouvidos do grupo extremista cortejado por ele para reconquistar o posto de primeiro-ministro.
Alarme sobre os interesses de segurança da Otan
Embora Fico não questione diretamente a filiação da Eslováquia à UE ou à Otan, o líder do partido Smer, nominalmente social-democrata, foi rápido em falar o que de fato pensa sobre suas promessas eleitorais no cenário europeu.
Em uma cúpula da UE no dia seguinte à sua nomeação, ele disse à presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, que a Eslováquia não enviaria armas para a Ucrânia nem apoiaria novas sanções contra a Rússia – o estilo de conversa que impulsionou sua surpreendente ressurreição política.
"Isso reflete a opinião de uma parte significativa da população eslovaca, que tradicionalmente tem uma visão mais favorável em relação à Rússia, em comparação com a maioria dos seus pares regionais na Europa Central e Oriental", aponta Andrius Tursa, especialista em Leste Europeu da empresa de consultoria de risco Teneo International.
Não é de se surpreender, portanto, que o desempenho do recém-eleito líder eslovaco tenha provocado inquietação em alguns setores no que diz respeito aos interesses de segurança da Otan.
"Uma vez que os soldados eslovacos foram alocados na Letônia [...], podemos confiar que eles terão permissão para lutar se a Letônia for invadida pela Rússia? Podemos confiar no governo Fico? A Otan pode confiar no governo Fico em relação à inteligência?", questionou o ex-ministro da Defesa da Letônia, Artis Pabriks.
Pequena demais para prejudicar a unidade ocidental?
Alguns especialistas indicam que, com uma população de apenas 5,5 milhões de habitantes e uma economia de 115 bilhões de euros (122 bilhões de dólares, segundo resultados do PIB de 2022), fortemente dependente dos parceiros da UE, a Eslováquia é simplesmente pequena demais para atrapalhar a política ocidental.
"A Eslováquia é um país tão insignificante que isso mal fará diferença. A Eslováquia não tem quase nenhuma influência", disse um funcionário da UE, conforme informações do site Politico.
Mesmo que esse tipo de abordagem anônima fosse desconsiderada, há motivos para acreditar que Fico, a portas fechadas, siga um curso mais moderado, como fez durante suas passagens anteriores pelo governo, afirma Milan Nic, especialista em Leste Europeu e Rússia do Conselho Alemão de Relações Exteriores.
A retórica extremista é aceita pelo público eslovaco, segundo analistas, mas não é bem aceita por parceiros estrangeiros.
De fato, Fico tem muitas razões para se mostrar mais comedido em Bruxelas. Ele assume o governo com a Eslováquia em uma situação financeira delicada e precisa urgentemente dos fundos de recuperação e de coesão da UE se quiser oferecer aos eleitores a estabilidade e a prosperidade que prometeu.
Nic acredita, portanto, que ele deverá evitar chamar a atenção para suas atitudes no âmbito doméstico, onde representa um risco significativo para o Estado de direito. Vizinhos como a Polônia e a Hungria tiveram bilhões em fundos congelados por causa de problemas semelhantes.
Para ilustrar isso, Fico não seguiu Orbán e, assim, não se opôs ao pacote de 50 bilhões de euros proposto pela UE para a Ucrânia, dizendo que a ajuda depende de garantias de que o dinheiro europeu não será desviado e que as empresas eslovacas participarão da restauração da Ucrânia.
"Desde que eles [os líderes da UE] digam as coisas erradas e façam as coisas certas, acho que está tudo bem", disse a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, após um encontro com Fico nos bastidores da cúpula.
Muitos também observam que, apesar dos atrasos e problemas, Orbán apoiou todas as medidas de apoio do bloco à Ucrânia e os pacotes de sanções contra a Rússia.
As ameaças vazias de Fico
A promessa de Fico de que a Eslováquia não enviará "outra bala" [mais armas] para a Ucrânia também é vista como uma ameaça vazia, uma vez que o país já repassou praticamente todos os armamentos que poderia mandar. Até mesmo a Rússia admite que isso fará pouca diferença.
"A Eslováquia não tinha uma participação tão grande no fornecimento de armas, então isso dificilmente afetará todo o processo", disse um porta-voz do Kremlin após o anúncio feito por Fico durante a cúpula da UE.
Enquanto isso, a indústria privada de armas da Eslováquia, que tem grandes encomendas de países ocidentais, incluindo a Alemanha, para produzir e enviar armamentos para a Ucrânia, parece estar pronta para continuar o envio por meio da fronteira oriental.
O ex-primeiro-ministro Petr Pellegrini (2018-2020) afirmou que não espera que as remessas sejam afetadas pelas promessas de Fico, destacando o importante papel econômico do setor de armas na Eslováquia.
Sem provocações
As perspectivas sugerem, portanto, que é improvável que Fico estimule as esperanças de Orbán de criar um bloco alternativo dentro da UE.
Ele não apoiou a Hungria na negativa ao pacote de ajuda para a Ucrânia durante a cúpula – uma aposta de Budapeste a fim de obter a liberação de alguns dos fundos congelados.
Em outro sinal negativo a Orbán, Fico fez questão de dizer a todos em Bruxelas que não copiará as provocações húngaras em relação aos parceiros ocidentais de se reunir com o presidente russo, Vladimir Putin.
Mesmo que Fico entre no jogo húngaro, isso não compensaria a "perda" da Polônia para Orbán. Sob o comando do também populista, nacionalista, conservador e eurocético, Jaroslaw Kaczynski, a Polônia se juntou a Orbán no confronto com a UE nos últimos oito anos.
Mas, com a vitória dos liberais pró-UE nas eleições polonesas no mês passado, o primeiro-ministro húngaro deve ficar mais isolado.
"Ao contrário de Orbán e Kaczynski, Fico não tem uma visão da política como uma força de mudança. Ele busca o poder para si mesmo. Ele atuará com Orbán em uma tentativa de receber apoio em certas questões, mas não trabalhará ativamente para construir um bloco iliberal", diz Meseznikov.
Forte mensagem de Bruxelas
De qualquer forma, a vitória de Fico ainda é claramente um revés para a UE e a Otan. E tem um valor simbólico para Putin, que deverá apontar novas divisões, enquanto há potencial para "complicar a tomada de decisões dentro da UE em questões que exigem consenso", afirma Tursa.
Devido a isso, Meseznikov insiste que os parceiros ocidentais da Eslováquia devem ser firmes para mantê-la na linha.
"Não creio que Fico vá se moderar significativamente por conta própria. Ele ainda vê o sucesso parcial que Orbán teve ao desafiar o Ocidente e talvez pense que pode repetir o truque", diz o analista. "Mas, se Bruxelas e Berlim enviarem rapidamente a ele uma mensagem forte de que suas artimanhas não serão toleradas, seus excessos poderão ser limitados", conclui.
Autor: Tim Gosling