Essequibo: teste de fogo para a política externa brasileira

Lula não queria mediar a guerra entre a Rússia e a Ucrânia? Agora terá a oportunidade de tentar resolver um conflito na sua própria vizinhança, entre a Venezuela e a Guiana.

Por Deutsche Welle

No primeiro ano de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou algumas decisões que estão, agora, saindo pela culatra.

Em janeiro, durante um encontro com o chanceler federal, Olaf Scholz, Lula explicou ao perplexo líder alemão que a Ucrânia invadida tinha tanta culpa pela guerra quanto a agressora Rússia.

Depois, Lula se apresentou como mediador entre a Rússia e a Ucrânia – sem dispor do requisito mínimo necessário: ser uma potência mundial independente.

Isso porque o presidente brasileiro demonstrava mais compreensão pela Rússia do que pela Ucrânia. Além disso, o Brasil não tem o poder econômico, político ou militar necessário para levar a uma mesa de negociações dois Estados inimigos do outro lado do mundo. Hoje, só a China e os Estados Unidos têm esse poder.

Em resumo: Lula se superestimou de forma desmesurada e fez um papel ridículo na política internacional.

Bumerangue

E ele cometeu um segundo erro de graves consequências: mostrou compreensão ao argumento de que a Rússia deveria manter territórios por ela ocupados na Ucrânia, como a Crimeia, porque esses, afinal, "historicamente pertencem à Rússia".

Noves fora a fragilidade do argumento, Lula usa dois pesos e duas medidas: ele espera da Ucrânia o que o Brasil jamais toleraria. Seria inconcebível que Lula demonstrasse compreensão se um país vizinho, digamos a Bolívia, manifestasse direitos históricos sobre uma parte do território brasileiro.

Pois essa tolerância perante a violação das fronteiras internacionais pela Rússia agora se volta contra o presidente brasileiro como um bumerangue.

A Venezuela reclama para si, com argumentos históricos semelhantes aos da Rússia, dois terços do território da vizinha Guiana e ameaça anexá-los.

Maduro parece estar seguindo a cartilha de Vladimir Putin na Ucrânia, e isso foi possível porque, alguns meses atrás, foi fortalecido por Lula. Em meados deste ano, o presidente brasileiro recolocou o ditador venezuelano no cenário internacional ao apresentá-lo, diante da liderança sul-americana reunida, como um democrata imaculado.

Qual será a atitude de Lula?

E agora Lula está diante do maior problema da política externa brasileira em anos: no conflito no norte da América do Sul, os Estados Unidos estão do lado da Guiana, e a Rússia, do lado da Venezuela.

Putin transformou a Venezuela numa bem armada potência militar. E também a China age nos bastidores, pois mantém estreitas relações comerciais e políticas com os dois países beligerantes.

E todos olham para Lula para saber se ele conseguirá resolver, na própria vizinhança, o mesmo tipo de problema que queria resolver do outro lado do mundo.

Em resumo: a nova geopolítica mundial chegou à América do Sul. O subcontinente não é mais o fim de mundo da política mundial – ao contrário, está cada vez mais envolvido nas disputas de poder das potências mundiais.

Depois de visitar 24 países, Lula pretendia se dedicar sobretudo à política interna em 2024. Agora, tudo mudou.

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Há mais de 30 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente a da DW.

Autor: Alexander Busch

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