A Nova Zelândia já tinha demonstrado certo radicalismo nas questões de saúde durante a pandemia do coronavírus, com a sua abordagem de tolerância zero. O próximo golpe ocorreu no ano passado – o país queria se tornar virtualmente livre do tabagismo, de acordo com os desejos da então primeira-ministra Jacinda Ardern.
Qualquer pessoa nascida depois de 2008 não poderia mais comprar cigarros. O número de estabelecimentos de venda de tabaco licenciados seria reduzido de 6 mil para 600, e o teor de nicotina nos cigarros deveria cair abaixo de um limite que é geralmente considerado viciante. As violações seriam punidas com pesadas multas.
Mas com a posse do novo primeiro-ministro, Christopher Luxon, nesta segunda-feira (27/11), o plano foi descartado por enquanto. O novo governo quer revogar as leis antes que elas entrem em vigor, sob a justificativa de que a medida poderia incentivar a formação de um mercado ilegal. Luxon também admitiu que a arrecadação de impostos proveniente da venda de cigarros é bem-vinda.
No entanto, garantiu que essa não era uma "motivação" para a medida. Segundo a nova ministra das Finanças, Nicola Willis, as receitas adicionais serão utilizadas para benefícios fiscais, informou o jornal britânico The Guardian. O Partido Nacional, de Luxon, anunciou na sexta-feira passada a formação de uma coalizão de três partidos com o partido liberal de direita ACT e o partido populista Nova Zelândia Primeiro (NZ First). Willis disse que a ACT e o NZ First insistiram no relaxamento das medidas antitabagismo
Maori são mais afetados
Especialmente para os maori, a população indígena da Nova Zelândia, isso poderá ter efeitos amplos. Em comparação com outros grupos populacionais, a proporção de fumantes é particularmente elevada entre eles. Segundo levantamentos, em média cerca de 8% da população adulta da Nova Zelândia fuma diariamente. Entre os maori, porém, essa parcela é de cerca de 20%. O câncer de pulmão é uma das principais causas de morte entre as mulheres maori.
Há muitas razões pelas quais os maori recorrem ao cigarro com muito mais frequência. De acordo com o New Zealand Medical Journal, eles ainda enfrentam desvantagens significativas em comparação com outros neozelandeses: a renda é mais baixa, as qualificações educacionais são piores – fatores de risco para um estilo de vida menos saudável. Além disso, no século 19 o tabaco era um item de troca comercial comum entre os maori e os não maori, o que contribuiu para o consumo generalizado pelo grupo indígena.
"Derrota para a saúde pública"
Os especialistas em saúde se mostram decepcionados. "Esta é uma grande derrota para a saúde pública e uma grande vitória para a indústria do tabaco, cujos lucros aumentam à custa das vidas dos neozelandeses”, disse a ONG Health Coalition Aotearoa – o nome maori para a Nova Zelândia. A principal organização de saúde maori, Hapai te Hauora, chamou a medida de "golpe injusto para a saúde e o bem-estar de todos os neozelandeses” e apelou nas mídias sociais por um abaixo-assinado.
Os críticos também não aceitaram o argumento apresentado a respeito do imposto sobre os cigarros. Lisa Te Morenga, presidente da Health Coalition Aotearoa, apontou para modelos recentes que mostravam que os regulamentos, se totalmente implementados, poupariam ao sistema de saúde 1,3 bilhão de dólares nos próximos 20 anos. A taxa de mortalidade diminuiria em 22% para as mulheres e 9% para os homens.
Reino Unido como exemplo?
Luxon, entretanto, garantiu que o seu governo continuaria a tentar reduzir as taxas de tabagismo por meio da educação e de outras medidas. Na Nova Zelândia, há décadas apenas adultos com 18 anos ou mais podem comprar cigarros, e o consumo é proibido na maioria dos bares e restaurantes. Os impostos sobre os cigarros aumentaram 165% desde 2010, e um maço de cigarros custa hoje mais do que 20 euros (R$ 107).
O papel pioneiro da Nova Zelândia é agora coisa do passado. Mas há esforços em outros países para restringir drasticamente o tabagismo. O Reino Unido anunciou recentemente uma série de medidas muito semelhantes, incluindo a proibição da compra de cigarros para pessoas nascidas a partir de 2009. A Malásia também pretendia seguir o modelo original da Nova Zelândia.
Autor: Stephanie Höppner