O premiê Anthony Albanese declarou neste sábado (14/09) que as redes sociais têm uma "responsabilidade social" a cumprir, após seu governo ser chamado de "fascista" pelo bilionário Elon Musk nesta semana.
Albanese acrescentou que "Se o senhor Musk não entende isso, diz mais sobre ele próprio do que sobre o governo" australiano.
Musk, que controla a rede X (antigo Twitter) lançou o ataque após o governo de Albanese apresentar um projeto de lei para tentar coibir disseminação de desinformação em redes sociais. O projeto, apresentado na quinta-feira (12/09), prevê multas de até 5% do faturamento anual de redes que não cumprirem suas obrigações de segurança online.
A Austrália consta entre as nações do mundo mais bem colocadas no Índice de Democracia da Economist, que considera critérios como processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo e liberdades civis.
Na sexta-feira, o ministro de Serviços Governamentais da Austrália, Bill Shorten, já havia reagido à fala de Musk que chamou o governo do país de "fascista". "|Quando se trata dos seus interesses comerciais, ele [Musk] é o defensor da liberdade de expressão. E quando não gosta, fecha tudo”, disse Shorten, à emissora australiana Channel Nine. "Elon Musk teve mais posições sobre liberdade de expressão do que o Kama Sutra."
Já o ministro das Finanças da Austrália, Stephen Jones disse à emissora ABC que a acusação de Musk é uma "coisa de maluco" e que a legislação proposta era uma questão de soberania nacional. "Não consigo entender como Elon Musk ou qualquer outra pessoa, em nome da liberdade de expressão, achar que está tudo bem ter plataformas de mídia social publicando conteúdo fraudulento, que está roubando bilhões de dólares dos australianos todos os anos. Publicação de material deepfake, publicação de pornografia infantil. Transmissão ao vivo de cenas de assassinato. É para isso que ele acha que serve a liberdade de expressão?", disse Jones.
Musk vs. Austrália
No primeiro semestre, Musk já havia entrado em atrito com o governo Albanese em meio a uma disputa entre as autoridades australianas e a rede social X que envolveu uma ordem de remoção de vídeos explícitos de um ataque terrorista em Sydney em 15 de abril.
Na ocasião, uma comissão de segurança digital australiana ordenou que várias redes sociais removessem vídeos que mostravam um ataque a faca contra um clérigo cristão assírio e mais duas pessoas numa igreja de Sydney.
O ataque, que foi transmitido ao vivo, foi posteriormente classificado pela polícia como uma ação terrorista. O autor, um adolescente muçulmano de 16 anos, foi apreendido. Não houve registro de mortes.
Rapidamente, vídeos do ataque se espalharam nas redes sociais, atraindo uma multidão enfurecida para a igreja, que tentou linchar o agressor. Houve confrontos com a polícia e dezenas de pessoas ficaram feridas.
As redes ligadas à empresa Meta (Facebook e Instagram) prontamente removeram os conteúdos após uma ordem da comissária de Segurança Eletrônica da Austrália, Julie Inman Grant, que ameaçou impor multas. Mas a rede X apenas ocultou o conteúdo para usuários na Austrália, permitindo que os vídeos pudessem ser exibidos e assistidos pelo público fora do país ou por australianos que usassem VPNs.
Essa ação limitada foi classificada como insuficiente pelas autoridades australianas, que exigiram a remoção completa dos vídeos da plataforma e entraram com um pedido de liminar na Justiça.
Posteriormente, Musk entrou pessoalmente na disputa e passou a usar sua rede para criticar o governo australiano. "A comissária de censura australiana está exigindo proibições globais de conteúdo!", comentou o empresário no X. Uma postagem oficial da administração da rede também classificou as medidas tomadas pelo governo australiano como "um terrível ataque à sociedade livre".
À época, o premiê Anthony Albanese, um político trabalhista no poder desde 2022, manifestou contrariedade com a resistência do X em remover os vídeos. "Isso não é sobre liberdade de expressão", disse Albanese, apontando ainda que outras redes obedeceram a ordem de remoção.
Musk então reagiu com escárnio, "agradecendo" Albanese por "informar ao público" que o X é a "única plataforma confiável". Na sequência, o empresário fez publicações com o mesmo tom provocativo e argumentou: "Nossa preocupação é que, se qualquer país tiver permissão para censurar conteúdo de todos os países, que é o que a "Comissária de Segurança Eletrônica" australiano está exigindo, então o que impede qualquer país de controlar toda a Internet?".
Albanese reagiu então chamando Musk de "bilionário arrogante que pensa estar acima da lei e da decência básica"
"Esse [Musk] é um sujeito que escolheu o ego e a demonstração de violência ao bom senso. Acho que os australianos vão balançar a cabeça quando refletirem que esse bilionário está preparado para ir aos tribunais para lutar pelo direito de semear a divisão e mostrar vídeos violentos que são muito angustiantes." "Outras empresas de mídia social obedeceram sem reclamar. Mas esse sujeito acha que está acima da lei australiana, que está acima da decência básica. E acho que esse sujeito do outro lado do mundo, a partir de suas organizações bilionárias, tentando dar lições aos australianos sobre liberdade de expressão... Bem... eu não vou aceitar isso e os australianos também não", disse Albanese. "Isso mostra o quanto esse sujeito é arrogante."
Disputa com STF brasileiro
A disputa entre Musk e Austrália tem características análogas com o conflito que o bilionário vem travando contra o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil.
Em abril, ele já havia intercalado suas críticas ao governo australiano com acusações contra o ministro brasileiro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das milícias digitais no STF. À época, Musk acusou Moraes de ser responsável por "censura" no Brasil. Musk ainda afirmou que a plataforma desbloquearia contas de ativistas de extrema direita que haviam sofrido ordens de bloqueio por decisões judiciais.
Desde então, a disputa entre Musk e o STF só piorou. No final de agosto, após o X recusar-se a indicar um representante legal no Brasil e a cumprir ordens judiciais anteriores que determinavam a remoção de conteúdos da plataforma, Moraes determinou o bloqueio da rede social em todo o Brasil. Ele também impôs multas à empresa que passam dos R$ 18 milhões.
jps (ots, AFP, DW)