Valia Kelidou ainda custa a acreditar. Sua família possuía mais de 12 mil oliveiras nos arredores de Alexandrópolis – até o início do incêndio. Agora, bem mais de mil árvores foram queimadas até virar tocos pretos, e o chão do bosque está coberto por uma fina camada branca de cinzas.
Mesmo que o fogo já tenha sido extinto há bastante tempo, o cheiro acre de fumaça ainda permanece no ar. "Construímos aqui uma empresa que exporta para todo o mundo. Nosso óleo ganha prêmios importantes. E então você fica ali, vendo o fogo chegar cada vez mais perto, e tudo que você construiu simplesmente de esvair em chamas ", diz Kelidou.
Incêndios não são incomuns na área montanhosa e cheia de bosques do rio fronteiriço Evros. Nos últimos anos, porém, a intensidade deles aumentou. Agora está claro: nunca na história da UE houve um incêndio tão grave e tantas áreas foram destruídas como nos últimos dias na região de Evro. Esta é a triste conclusão a que chegou o Programa de Observação da Terra Copernicus, da União Europeia (UE), após avaliação de imagens de satélite.
No nordeste do país, na fronteira com a Turquia, uma área de 770 quilômetros quadrados foi engolida pelas chamas. O hospital universitário da capital provincial Alexandrópolis, não muito longe dos olivais de Kelidou, teve de ser evacuado quando as chamas alcançaram seu terreno. Escolas e edifícios residenciais foram danificados, e vários voluntários ficaram feridos no combate às chamas.
Sem prevenção não há solução
"Felizmente o antigo olival não pegou fogo, um dos olivais mais antigos do Mediterrâneo. São mais de 2 mil árvores, todas com mais de mil anos”, relata Kelidou, aliviada. No entanto, o mundo mudou repentinamente para ela. Mesmo antes do incêndio, a crise climática e a inflação já pressionavam os negócios. Agora, ela e outros olivicultores afetados têm de plantar novas árvores – Kelidou estima que demorará 20 anos até que produzam quantidades normais de frutos. A região na fronteira turco-grega é considerada economicamente fraca, e os incêndios deverão agora agravar ainda mais a situação.
Kelidou tem raiva – das autoridades e sobretudo dos políticos. "Evacuações não podem ser a única solução!" Tal como outros afetados, ela não quer simplesmente abrir mão de sua propriedade, mas apela a uma melhor prevenção contra incêndios. "Não trabalho nos bombeiros e não sou engenheira florestal, mas quando há um incêndio em todo o país, é preciso haver capacidade de se prever melhor o que precisa ser feito."
Reserva natural em chamas
No norte da Grécia, o fogo se alastrou em diferentes locais ao mesmo tempo. Os focos eram tão próximos uns dos outros, que os bombeiros temeram que as chamas se fundissem num único grande incêndio. Além do incêndio em Alexandrópolis, ocorreram também incêndios nas montanhas Ródope e no Parque Nacional Dadia, uma reserva natural única na Europa. Com flora e fauna excepcionalmente diversificadas, ele é área de nidificação de espécies raras de aves de rapina, que constroem seus ninhos nos velhos pinheiros típicos da floresta.
"Ainda levará algum tempo até que se possa quantificar com exatidão os danos causados ??pelos incêndios", diz Sylvia Zakkak, bióloga e vice-chefe da administração do parque. É evidente que grande parte da área foi afetada pelos incêndios, mas ela pondera que nem tudo era floresta totalmente desenvolvida, por isso certas partes podem se regenerar mais rápidodo que outras.
Agora é uma questão de encontrar uma solução a curto prazo. "Neste momento, estamos fornecendo alimento e água aos animais selvagens, para evitar que eles deixem a região", explica Zakkak. Ele está em estreito contato com especialistas de outras reservas naturais. Muitas das aves de rapina já migraram para África, como sempre fazem nesta época, por isso resta saber como reagirão quando regressarem a Dadia para procriar. "É um desafio proteger a floresta. Há muitas partes interessadas envolvidas aqui."
Lathrometanastis indesejados
Os incêndios não só destruíram reservas naturais e meios de subsistência, como também reacenderam um debate acalorado. Durante décadas, a área de Evros tem estado na rota de migrantes da Turquia para a UE. Eles têm sido repetidamente repelidos da Grécia para a Turquia, nosassim chamados pushbacks, e violência, agressões sexuais e roubos não são incomuns. Assim, os refugiados evitam as rotas conhecidas: para escapar às autoridades e à deportação ilegal, muitos escondem-se nas florestas.
Essa busca de proteção se tornou uma armadilha letal para 18 refugiados, dos quais apenas os cadáveres carbonizados foram descobertos no Parque Nacional Dadia em 22 de agosto. No entanto o incidente deixou grande parte da população grega indiferente. Em Evros, se costuma referir aos refugiados como lathrometanastis, (imigrantes ilegais), um termo com conotações negativas, que os desumaniza, sugerindo que são contrabandeados como cigarros ou álcool.
Milícias caçam refugiados
Mas os incêndios florestais não provocam apenas uma retórica áspera. "Eles estão definitivamente caçando migrantes", diz um motorista de táxi de Alexandrópolis, no fim de semana após as mortes, apontando para um carro que ultrapassava todos os outros veículos em alta velocidade. E complementa: "Afinal, eles começaram o incêndio."
O medo dos incêndios transformou-se em ódio, as vítimas são declaradas como criminosas – e caçadas. Há poucos dias, foi preso um homem que trancara um grupo de 13 migrantes num trailer, alegando que haviam ateado fogo à floresta.
Num vídeo postado em redes sociais, ele abre orgulhosamente uma fresta da porta do trailer, a luz incide sobre o rosto de um homem assustado, atrás dele se discernem vagamente os outros presos. Usuários comentaram: "Não arrebanhe eles. Bote fogo!"
O porta-voz do governo grego Pavlos Marinakis condenou o ato, assegurando que polícia e Judiciário estão fazendo o seu trabalho, e que quem não respeitar a lei será processado. Mas essa caça aos refugiados não é novidade.
A pesquisadora de migração Lena Karamanidou cresceu em Evros, e há anos lida com o ódio crescente contra os refugiados em sua terra natal. Ela recorda que durante a crise migratória de fevereiro e março de 2020, quando milhares de migrantes ficaram presos entre as fronteiras turca e grega, grupos de milícias os perseguiam e muitas vezes recorriam à violência.
"Na época, as instituições estatais e a mídia justificaram esses atos como uma defesa legítima da região, da fronteira e da própria nação contra a ameaça ‘híbrida' da Turquia”, explica Karamanidou. Essa mentalidade continua agora: "Embora os últimos atos de violência mais recentes sejam condenados pelo Estado, a violência, como tal, foi incentivada pelo Estado."
Autor: Florian Schmitz (da Grécia)