Doze anos após admitir que se beneficiou do sistema de trabalho forçado vigente na antiga Alemanha comunista, a Ikea anunciou que destinará 6 milhões de euros (R$ 37,7 milhões) à reparação de ex-prisioneiros do regime explorados pela multinacional sueca.
Em 2012, a empresa de móveis e decoração publicou um relatório sobre o tema. Nele, aponta que a exploração da mão de obra de detentos na antiga República Democrática Alemã (RDA) também beneficiou outras empresas que prosperavam na Alemanha Ocidental, como a Otto e a Quelle, duas gigantes alemãs nas vendas por catálogo, e a rede de supermercados Aldi.
Estima-se que entre 15 mil e 30 mil ex-detentos na RDA tenham sido vítimas de trabalho forçado a cada ano – uma prática que perdurou até quase a reunificação alemã, em 1990, e que envolveu aproximadamente 6 mil empresas.
Dinheiro irá para fundo de indenização de vítimas e deve beneficiar 2 mil
O anúncio da Ikea foi elogiado por Evelyn Zupke, Encarregada Federal para as Vítimas da Ditadura do Partido Socialista Unitário (SED). "Esse caminho nos mostra, de forma muito impressionante, que ainda hoje podemos ajudar pessoas que sofreram durante a ditadura", disse à DW.
Os 6 milhões prometidos pela Ikea serão destinados a um fundo a ser criado até o final do ano pelo Parlamento alemão. Embora estados da antiga Alemanha Oriental já tenham fundos do gênero, suas regras só contemplam a indenização de vítimas que vivem na região. Os que migraram para a Alemanha Ocidental e se estabeleceram ali não têm possibilidade de buscar justiça – algo que deve mudar com o novo fundo.
Pelos cálculos de Zupke, a reparação da Ikea seria suficiente para indenizar 2 mil pessoas – o que dá uma média de 3 mil euros por vítima (R$ 18,8 mil).
Até agora, a Ikea é a única empresa a contribuir para o fundo.
Produzidos sob condições desumanas: meias-calças, câmeras fotográficas, fitas cassetes
Zupke diz esperar, mais do que nunca, que o gesto da multinacional sueca encoraje as empresas alemãs a contribuir para o novo fundo de indenização das vítimas. "Sendo bem específica, gostaria que empresas como Aldi e Otto finalmente se ocupassem desse tema."
Mas essas e outras empresas até agora não deram qualquer sinal de que estão dispostas a indenizar vítimas de trabalho forçado – mesmo após uma pesquisa publicada em abril de 2024 pela Universidade Humboldt expor diversos casos comprometedores.
O estudo detalha como bens feitos na RDA com trabalho forçado iam parar em lojas e catálogos de venda na Alemanha Ocidental. Presos políticos produziam meias-calças para a Aldi. Detentos em Cottbus fabricavam câmeras Praktica que eram vendidas pelos correios pela Quelle e a Otto. Fitas cassetes da empresa Magna teriam sido produzidas da mesma forma em Dessau. Dessa forma, o regime da RDA assegurava o capital estrangeiro de que tanto precisava.
Esse sistema perdurou por algumas décadas, segundo o estudo. "O uso de prisioneiros visava a exploração da força do trabalho em benefício da economia planejada de Estado", afirmam os pesquisadores. "A partir dos anos 1950 até o fim da RDA, foram forçados a trabalhar, por ano, entre 15 mil e 30 mil detentos, usados principalmente em áreas preteridas pela força de trabalho civil devido às más condições de trabalho."
Solitária para presos rebeldes
Os que se recusavam a trabalhar estavam sujeitos a penas desumanas: "A recusa desencadeava medidas disciplinares, que poderiam ir da retirada de privilégios como receber visitas ou encomendas até uma solitária de três semanas com restrição de alimentação", afirma o estudo.
Confrontada com o passado e as evidências, a Ikea reconheceu o direito à reparação das vítimas. Outras empresas, não.
"Nós lamentamos e condenamos a prática, aparentemente comum na antiga RDA, de forçar presos políticos e detentos comuns a produzir bens", disse um porta-voz da Aldi sobre o estudo da Universidade Humboldt.
É improvável que o supermercado siga o exemplo da Ikea – apesar de desde 2013 saber-se que suas prateleiras foram em parte abastecidas com produtos fabricados por detentas do famoso presídio feminino Hoheneck.
"Devido ao grande intervalo de tempo em relação aos acontecimentos, os detalhes já não poderiam mais ser esclarecidos de forma a permitir uma avaliação conclusiva, como seria necessário em caso de indenização", justifica a Aldi.
"Queremos que mais empresas sigam o exemplo da Ikea"
O anúncio da Ikea é resultado de conversas travadas há anos entre a Ikea, Zupke e a União dos Comissários para as Vítimas da Ditadura Comunista (UOKG), que reúne diversas associações da sociedade civil.
O presidente da UOKG, Dieter Dombrowski, foi nos anos 1970 ele mesmo um dos explorados pelo regime de trabalho forçado nas prisões da RDA.
"Juntos, seguimos o caminho da transparência, e a Ikea tratou as vítimas de igual para igual", diz o berlinense, que considera a decisão pioneira. "Desejamos que outras empresas sigam o exemplo da Ikea."
Autor: Marcel Fürstenau