Qualificando como "pressão indevida e desproporcional" as discussões da comunidade científica sobre a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis para conter o colapso do clima, o secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), Haitham al-Ghais, exortou os estados-membros da entidade a bloquearem "proativamente qualquer texto ou formulação" neste sentido na Conferência do Clima em Dubai (COP28), afirmando em carta endereçada aos estados-membros da entidade que a questão é de "extrema urgência".
"Parece que a pressão indevida e desproporcional contra energias fósseis pode chegar a um ponto de virada com consequências irreversíveis", escreveu al-Ghais em documento obtido pela agência de notícias AFP.
Após o lobby da Opep, países se dividiram em Dubai sobre um possível acordo para o abandono gradual dos combustíveis fósseis.
A entidade reúne 13 países – Argélia, Angola, Guiné Equatorial, Gabão, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria, República do Congo, Emirados Árabes Unidos e Venezuela, sob a liderança da Arábia Saudita. Pelo seu peso no mercado internacional de petróleo, o grupo exerce forte influência nos preços globais de petróleo, detendo 80% das reservas globais de petróleo e tendo produzido 40% de tudo que o mundo consumiu na última década.
Observadores das negociações na COP28 afirmam que Arábia Saudita e Rússia, dentre outros países, estão insistindo para que a cúpula foque apenas em reduzir a poluição do clima, em vez dos combustíveis responsáveis pelo atual quadro – uma aposta, ao que tudo indica, na captura e armazenamento de CO2, as chamadas tecnologias CCS.
Aposta na tecnologia CCS não é solução realista
Ao menos 80 países na COP28 – entre eles União Europeia e Estados Unidos, mas também as nações mais vulneráveis às mudanças climáticas – apoiam um acordo para abandonar os combustíveis fósseis e cumprir a meta de limitar o aquecimento global a 1,5º C em relação à era pré-industrial.
Países dependentes de petróleo e gás, contudo, se opõem à ideia. É o caso da Arábia Saudita, país-sede da COP28 e um dos grandes exportadores internacionais de petróleo, que trabalha em Dubai para, ao menos, enfraquecer as decisões desta cúpula do clima ao pressionar pela continuidade da exploração de petróleo e gás mediante a captura e o armazenamento de CO2 por meio das tecnologias CCS – uma contrapartida ainda cara e inadequada para resolver, sozinha, o problema das emissões.
Outros países, como Índia e China, não apoiaram explicitamente o fim dos combustíveis fósseis, mas têm engrossado o coro em prol das energias renováveis.
Cientistas dizem que a humanidade precisa reduzir suas emissões de CO2 à quase a metade dos valores atuais até 2030 se quiser ter alguma chance de limitar o aquecimento global a 1,5º C, e compensá-las completamente para zerá-las até 2050.
Mediador das negociações na COP28 e mais alto executivo da estatal de petróleo saudita, Sultan Al Jaber chegou a negar, antes da cúpula, a ciência por trás dos apelos ao abandono de combustíveis fósseis.
Brasil se juntou à Opep+ durante a COP28
Recentemente, ainda nos primeiros dias da COP28, o Brasil confirmou que aceitou o convite para integrar a Opep+, espécie de extensão turbinada do cartel, com a presença de membros associados que participam da discussão de políticas internacionais para o setor petrolífero.
Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desconversou ao ser perguntado sobre a adesão, afirmando que o país se juntaria à entidade para advogar pela transição energética.
Reação
À frente da presidência rotativa da União Europeia (UE), a Espanha reagiu à movimentação da Opep por meio de sua ministra do Meio Ambiente, Teresa Ribera, que chamou de "repugnante" a oposição a resoluções ambiciosas nas negociações climáticas.
Ambientalistas também reagiram com indignação à posição da Opep.
Ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock fez um apelo na sexta-feira aos países produtores de petróleo, argumentando que já há exemplos bem sucedidos pelo mundo de que é possível aliar a proteção do clima ao desenvolvimento econômico, e que se comprometer com essa agenda é também uma questão de justiça social.
"Aqui em Dubai, temos a chance de ter pela primeira vez não uma aliança do antigo mundo dos combustíveis fósseis, mas uma aliança daqueles que querem dar passos concretos rumo ao futuro", disse Baerbock.
Segundo ela, a transição para uma economia de baixo carbono é um grande desafio porque "ainda há aqueles que querem dar continuidade à sua política de poder do passado também no futuro", valendo-se inclusive de combustíveis fósseis para isso.
A 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas deve terminar na próxima terça-feira (12/12). Em eventos anteriores, as negociações foram estendidas por um período maior devido à falta de consenso em torno de questões centrais.
A próxima COP deverá ser realizada no Azerbaijão, outro país cuja economia é altamente dependente do petróleo.
ra (AFP, Reuters, ots)