
Thays Ferreira entendeu que era o momento de buscar atendimento psicológico após brigar com uma amiga. “Eu já estava consumindo muita bebida alcoólica, drogas e tinha crises de ansiedade e de pânico. Depois dessa briga, que fiquei muito ressentida, vi que tinha que me ajudar, porque não tinha rede ativa de apoio”, relembra.
Após priorizar a saúde mental e começar a terapia, as sessões se tornaram essenciais para Thays, como uma meta a ser cumprida. “Aprendi a importância de me humanizar. Sou mãe e, para mim, não sei o que faria se não cuidasse da minha saúde mental na maternidade, foi algo que mexeu no meu íntimo”, comenta.
Dietas, começar a fazer academia, ou até investir em um esporte fazem parte de resoluções de ano novo. Mas nem sempre se prioriza a saúde mental, como Thays fez, nos objetivos para o ano que chegou. Pensando nisso, a campanha Janeiro Branco busca aproveitar este sentimento de “folha em branco” para conscientizar a população brasileira de focar no bem-estar emocional.
A campanha busca tirar o Brasil do posto de 3º país com pior bem-estar psicológico no mundo, segundo o The Mental State of the World. O país está na frente de países como Reino Unido e África do Sul.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 9,3% da população, por volta de 18 milhões de brasileiros, estão ansiosos. Para o psicanalista Gabriel Hirata, do Grupo Reinserir, a situação é alarmante e pode ser justificada pelos traumas que o Brasil não cuidou. “Tivemos a pandemia de Covid-19, onde a falta de reconhecimento sobre as vidas perdidas tem como consequência a repetição do traumático, um passado que nunca passa”, diz.
Na avaliação da psicóloga Rosemary Andriani, o Brasil tem uma péssima saúde mental, que vai desde questões socioeconômicas até a violência e estigma com esse tipo de doença. “Pobreza, falta de serviços básicos geram estresse e ansiedade. A insuficiência da assistência social agrava o problema, a alta taxa de violência, doméstica e urbana gera medo, ansiedade e estresse também, causando um trauma coletivo”, pontua.
A iniciativa do Janeiro Branco, criada pelo psicólogo Leonardo Abrahão em 2014, é um marco no calendário brasileiro e é reconhecida como lei federal desde 2023. O movimento também faz alerta para que os brasileiros se avaliem e entendam a hora de procurar ajuda psicológica.
Quais os sinais de alerta de uma piora na saúde mental?
Cuidar diariamente do bem-estar é essencial, mas há alguns sinais que mostram a necessidade de ir logo atrás do apoio psicológico. Rosemary Andriani indica que mudanças repentinas de humor, isolamento social, alterações no sono, dificuldade de concentração e uso de substâncias são as mais frequentes em casos que necessitam de auxílio.
“Ou a gente cuida da mente, ou ela acaba com a gente. A saúde mental é a urgência do século XXI. É preciso buscar ajuda se notar qualquer um desses sintomas”, avalia a psicóloga.
Gabriel Hirata indica que sentimentos de exclusão e isolamento também podem ser sinais de que é preciso buscar auxílio. “Sensação de falta de pertencimento também é um sinal que indica a falta de cuidado com a saúde mental, não apenas individual, mas da comunidade como um todo”, explica.
‘O que fazer pela saúde mental agora e sempre?’
O lema do Janeiro Branco deste ano tem o objetivo de estimular a valorização da saúde mental como prioridade coletiva e que perdure, sem ser algo que fique esquecido nas metas de fim de ano. Gabriel Hirata afirma que a campanha dá a possibilidade de reconhecer que o indivíduo também é parte do coletivo.
“Podemos nos responsabilizar coletivamente com a saúde mental, para nos escutarmos enquanto pessoas, que traz potencial de cura e com uma posição mais acolhedora”, avalia.
Para transformar metas em realidade, a psicóloga Rosemary Andriani diz que é preciso primeiro buscar autoconhecimento. “Buscar apoio, reavaliar o papel dos relacionamentos na vida, desenvolver autocuidado e até cuidar da saúde física como complemento”, afirma.
O cuidado físico fez a diferença para Thays Ferreira, mesmo que ela não tenha tanto tempo para fazer uma atividade. “Me ajudou demais. Mesmo sem estar indo para a academia, troquei por idas ao SESC, espaços infantis com meu filho e até biblioteca, ir em shows, para ver pessoas”, comenta.
Cuidar da saúde mental pode ajudar até nas relações familiares e de trabalho
Gabriel Hirata pontua que o cuidado com a saúde mental rege a maneira que um indivíduo se relaciona, desde familiares até colegas de trabalho. Seja com dificuldade de se comunicar, conflitos e desentendimentos, o autocuidado pode minimizar esses impactos e conflitos.
O psicanalista afirma que ter um olhar mais cuidadoso para o tema pode enriquecer as relações. “Quando se compreende que cada pessoa é singular, se expressa com as próprias possibilidades, as relações ficam diversas, se olha com mais cuidado de forma coletiva”, avalia.
Thays, que hoje prioriza a mente, avalia que a terapia a ajudou na relação com familiares. “Enxerguei os outros como ser humano, a olhar meus familiares com empatia e entender que a relação é uma troca, a me conectar com minha família e humanizou nossas relações”, conta.