Jornal da Band

Brasileiros que dão orgulho: a superação de João Carlos Martins

A história de um artista que se tornou símbolo

Da Redação, com Jornal da Band

Partitura alinhada, canção escolhida. Os dez dedos, depois de muitos anos, tocam as teclas do piano com perfeição.

Bach, Mozart e tantos outros artistas ecoam na sala. Nem parece que, há tão pouco tempo, o paulistano João Carlos Martins dizia adeus a sua maior paixão da vida.

Foram 24 cirurgias na mão, fruto de acidentes e da distonia, que acompanha João desde 1958.

A doença tem origem no cérebro. É como se houvesse um defeito pelo excesso de uso. As mãos e os dedos param de atender aos comandos que antes eram quase automáticos. É a chamada “doença dos músicos”.

“A distonia, nas primeiras horas da manhã, não aparece. Vai aparecendo durante o dia, cada vez crescendo mais durante o dia. Então, durante toda minha vida, eu ia para o camarim do teatro às 15h, e como eu consigo dormir a hora que eu quero, eu dormia até 10 minutos antes do concerto, e eu sempre entrei no palco em qualquer lugar do mundo como se fosse 7h”, conta.

Por anos, João até conseguiu enganar o próprio corpo. Mas parar foi necessário.

“Eu toquei o último concerto, e a dor era tão monumental que eu sabia que, dois dias depois, eu ia fazer a operação nos EUA para cortar o nervo, e que nunca mais eu poderia tocar profissionalmente com as duas mãos”, lembrou o maestro.

As luvas e a volta ao piano

O impossível acontecia no começo de 2020: o recomeço.

As lágrimas escorriam em um rosto emocionado, enquanto a música ressoava pela casa.

Por trás de tamanho feito, uma luva biônica criada pelo designer Bira Costa, que mora no interior de São Paulo. Um inventor que não se conformou com o adeus de João aos pianos.

Foram cinco protótipos até que João voltasse a dedilhar o piano com as duas mãos.

“Eu criei as peças na impressora 3D, fiz o chassi, e as partes das lâminas eu coloquei de forma que elas tenham um efeito memória. É como uma mola: aperta e ela puxa os dedos para cima. O maestro, como tem a distonia, ele tem força – ele abre e fecha a mão, mas tem força para fechar, mas não mais para abrir. Então os dedos apertavam a tecla e ficavam”, descreve Bira.

Hoje as luvas ajudam pessoas com a mesma deficiência ao redor do mundo, provando que o design também é uma ciência.

“Só tem um jeito de você não usar design de produto, que é se você for para a selva e ficar pelado lá no meio da selva. É o único jeito que você não usa design de produto no dia a dia”, brinca o designer.

O piano e o maestro João Carlos Martins têm exatamente a mesma idade: 80 anos. Oitenta anos fazendo muita música pelo mundo. Aliás, o maestro tem uma fórmula, que é manter a tradição, mas sempre se reinventando. Uma lição, um legado, que ele quer passar para as próximas gerações.

Aos 20 anos, lá estava ele, estreando no Carnegie Hall, nos Estados Unidos, tocando a obra de Bach. João Carlos gravou todas as composições do alemão à perfeição, e em uma velocidade impressionante. Tocava 21 notas por segundo.

Na pandemia do novo coronavírus e com as luvas, o maestro se reencontrou. Treina como se estivesse aprendendo o instrumento outra vez. Erra, repete, até atingir a perfeição.

“Eu estudo tanto... Quando chega 19h, eu falo: ‘meu Deus, acabou o dia’”, relata.

O reencontro também foi com o público. Os teatros cheios, no entanto, deram lugar a carros.

A volta aos pianos não aposentou a nova função: a de maestro da Orquestra Bachiana. Para o futuro, a meta é renovar a música brasileira com novos talentos. E no ano que vem, coroar, no mesmo palco onde tudo começou, o seu primeiro grande concerto – mostrando que nunca é tarde para recomeçar.

“O brasileiro tem que pensar numa diversidade para criar uma plataforma para criar mais alto e guardar algo na cabeça para sempre. Você corre, corre, corre atrás dos seus sonhos; quando você menos espera, o sonho acaba correndo atrás de você”, conclui.