Jornal da Band

De "vinho de Cabral" ao selo da casa da moeda: conheça o raro Pêra-Manca

Uma das bebidas mais cultuadas de Portugal tem uvas de safras raras e fila de espera para compra da garrafa

Giba Smaniotto, do Jornal da Band

No segundo episódio da série especial do Jornal da Band, Vinhos e Vinhas desvenda alguns dos segredos de um dos vinhos mais cultuados de Portugal: o Pêra-Manca tinto, produzido apenas quando a safra do ano é considerada excepcional.

Nessa mistura de uvas, que os portugueses sabem escolher muito bem, para criar um vinho, tem também uma pitada de geografia, história e cultura. E para contar melhor essa história do raro vinho português Pêra-Manca, fomos até as margens do rio Tejo, em Lisboa, onde em março do ano de 1500, Pedro Alvares Cabral partiu com suas caravelas e naus, em busca de terras ricas e promissoras para a coroa portuguesa. 

A expedição, que levava 1.500 homens, teve um erro de percurso e que sem querer, atracou na ilha, que ganhou o nome de Vera Cruz. Era 22 de abril, e mais tarde essa terra se chamaria Brasil. Mas pouca gente ouviu falar que durante a viagem dos desbravadores, entre calmaria e tempestades, teve vinho. Muito vinho.

Os capitães tinham direito a um litro por dia. E o vinho também era adicionado aos barris da água que era consumida pelos navegadores. Na época, os viajantes morriam por escorbuto, uma doença de inflamação nas gengivas, e o vinho era a salvação também para esse problema.

Dizem que esse vinho, que embarcou nas caravelas de Cabral, veio do sul de Portugal, em Évora, capital do Alentejo. Por lá, quem tem fama de vinho nobre é o Pêra-Manca.

“É nesse momento do brinde que a gente diz vida longa ao pêra-manca?”, pergunta o repórter Giba Smaniotto para João Teixeira, da Fundação Eugênio de Almeida. “Vida longa ao rei que era como se dizia antigamente. Portanto, podemos dizer que era vida longa ao Pêra-Manca, o verdadeiro rei entre os vinhos”, respondeu.

O nome Pêra-manca vem por causa das pedras que são encontradas nessa região. Elas são oscilantes. Se desequilibram, e por isso são chamadas de “pedras mancas”.

Todo seu processo de produção é complexo. A começar pela junção das duas uvas, que vem desses parreirais, de 25 a 30 anos de vida. 

A trincadeira, responsável pela acidez, e a aragonês, também conhecida como Tinta Roriz, que dá a estrutura ao vinho. Essas uvas são fermentadas separadamente, e só no final do processo são misturadas. 

“Nesta adega, quando a uva chega, ela é escolhida, selecionada, por uma máquina que funciona por inteligência artificial. É uma máquina que filma a uva e, de acordo com as indicações que nós lhe damos, essa máquina separa os bagos que queremos guardar e fermentar para dar origem ao vinho, dos bagos que não estão no estado ótimo de maturação. Por vezes, tem um baguinho que vem um pouco mais verde, outro baguinho que vem demasiado maduro. Com essa máquina, nós conseguimos separar tudo e usar apenas a melhor uva”, explicou Pedro Baptista, enólogo da Fundação Eugênio de Almeida.

O Pêra-Manca descansa em barris de carvalho francês. E depois, ele é armazenado em um mosteiro do século 16, da ordem dos Cartuxos, os monges que viviam enclausurados.

“A razão de estagiar aqui tem a ver com as características únicas de construção desse local, por estar enterrado com paredes muito grossas, e com o teto em arco e em abóbada com uma caixa de ar, preserva a temperatura ao longo de todo ano nos limites absolutamente ideais para o estágio para evolução dos vinhos”, completa Pedro.

Parece que esse é um dos vinhos que envelhecem com os cantos gregorianos. 

O Pêra-Manca é fabricado desde 1990. Em média, ele leva quatro anos para ficar pronto. A safra de 2015 alcançou as expectativas, mas a produção do pêra sempre foi limitada. Em uma década, são cerca de cinco safras. Por isso, o preço de uma garrafa de vinho tinto, considerada um ícone, pode ficar entre R$ 4 mil e R$ 5 mil.

Dentro de caixas, são três “pérolas”. Três garrafas de vinho Pêra-Manca, estão prontas para ir ao mercado. 

A garrafa desse vinho é tão concorrida que, para evitar falsificação e comprovar a autenticidade, ele tem um selo especial que é emitido pela Casa da Moeda de Portugal.

Depois de Portugal, o Brasil é o principal consumidor desse vinho, seguido pelos Estados Unidos, França, Angola e China. 

Mas para entender melhor porque os brasileiros curtem tanto esse vinho, fomos até uma importadora na grande São Paulo. O local tem mais de 1,2 milhão de garrafas de vinho. Só que o pêra-manca ainda não chegou.

Manuel Chicau é quem importa esses vinhos. Ele costuma dizer que cada vez que chegam as valiosas garrafas, é uma briga, porque os aficionados, os apaixonados por esse vinho querem o pêra-manca a qualquer custo.

“É verdade. Isso estamos falando do tinto, mas no branco só tem nove ou dez meses por ano. Dois meses ou três meses falta, porque todo mundo quer ter um pêra-manca, seja branco ou tinto, na mesa. O brasileiro adora ir a Portugal, a relação está muito estreita. O enoturismo da fundação Eugénio de Almeida, os brasileiros são o número um, mais que portugueses e mais que o dobro que o segundo, que são os portugueses. E todo mundo quer ter na mesa o vinho que o Cabral serviu para os índios”, explica o empresário ao falar da disputa, que rende até brigas. “Sim, o primeiro container que vai chegar vai ser no final desse mês e já teve briga. Já teve cliente que ficou sem e está danado”, completa.

Na reportagem desta quinta (28) do especial Vinhos e Vinhas, você vai conhecer a história do mosteiro que guarda preciosas garrafas de vinho e ver o importante trabalho de restauração de locais históricos de Évora.

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