Por várias vezes Chico Buarque classificou a ditadura militar como o período mais difícil da vida dele, que completa 80 anos nesta quarta-feira (19). O cantor, perseguido pelo regime ditatorial e patrulhado pela esquerda, que cobrava maior engajamento, precisou se exilar na Itália, enquanto brigava com a censura.
Em 2005, o cantor relatou que não se posicionava como vítima da ditadura, por brigar com os militares. "Não me posiciono como vítima de coisa alguma, porque durante o tempo todo a ditadura encheu muito meu saco, mas eu enchi muito o saco deles", disse, à época.
Para poder driblar a censura e emplacar canções políticas contra o regime, Chico chegou a criar um personagem fictício e passou assinar como Julinho Adelaide. Até ser descoberto, ele aprovou algumas canções. "Nada me impedida, até que passaram a pedir CIC, RG", relembra.
O cantor também tinha outra estratégia curiosa para conseguir passar pela censura. "Mandava uma letra enorme, com uma introdução. No miolo, ali estava a letra verdadeira. Você tinha a letra liberada e não precisava gravar toda, aí gravava o pedaço que interessava", afirma.
Apesar das estratégias e das músicas que ficaram marcadas na história do Brasil, Chico Buarque perdeu, e muito, durante o período. É o que aponta o biógrafo do artista, Tom Cardoso. "Ele teve peças censuradas, teve que vender terrenos, foi exilado em Roma, fez shows para pouquíssimas pessoas. Tinha que mudar as letras, colocar metáforas e ele não reconhecia as músicas", diz.
Futebol esteve presente no exílio e na carreira de músico
No exílio, sem dinheiro e com tempo, Chico Buarque se voltou a outra paixão: o futebol. Tanto, que ele até criou um jogo de tabuleiro, o Ludopédio, inspirado no esporte.
Há até um exemplar do jogo em exposição no Museu do Futebol, em São Paulo. As regras do Ludopédio lembram o popular 'Banco Imobiliário', que aqui o jogador não compra imóveis, mas administra clubes de futebol. Além do jogo, o futebol foi temática de músicas do artista.
Pelo menos 25 músicas de Chico Buarque fazem alguma referência ao futebol e ele chegou até a criar o próprio time, o Politeama. O campo onde Chico jogava virou palco para convidados ilustres. Desde ídolos de infância, como Pagão e Pelé, a peladeiros internacionais como Bob Marley.
Além de músico e boleiro, escritor
Artista multifacetado, Chico Buarque também é escritor e poeta. Apesar de tímido no palco, avesso às entrevistas e datas, com o decorrer do tempo, o artista mais escreveu que cantou. Ele se encontrou na literatura e já tem sete livros publicados e a maioria, premiados.
Para a Band, Buarque contou como se aproximou da literatura. "Em uma época de crise criativa, não fazia música, não estava compondo. Então aproveitei para ir a outro caminho, um caminho paralelo. Acho que toda experiência nestes anos todos com música me ajudou, minha literatura deve à música. Minha literatura tem ritmo de compositor", contou, à época.
Tom Cardoso, biógrafo de Chico Buarque, relembra que o cantor teve uma figura importante na formação de escritor. "Ruben Fonseca que leu os primeiros livros e deu vários toques. Ele que o estimulou a escrever. O Ruben tem uma tese de que um compositor como Chico jamais seria um escritor ruim", diz.
Difícil definir Chico Buarque aos 80 anos. Afinal, quantos artistas cabem numa só pessoa? Se essa pessoa for Chico Buarque, muitos.